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10 princípios da estratégia em tempos incertos

A abrangência das incertezas e a velocidade de mudanças nos mais diversos aspectos de nossas vidas talvez nunca tenham sido tão notórias. Esse contexto tem levado algumas organizações a questionar a efetividade de se elaborar um planejamento de médio ou longo prazo, já que as premissas provavelmente irão mudar. Porém há indícios de que a Estratégia ficou ainda mais crucial, e dez fundamentos ajudam a elaborá-la.

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A estratégia é mais importante do que nunca, já dizia Peter Drucker em 2005, na entrevista que deu a esta revista. De la para cá, mapear os direcionadores de futuros alternativos e pensar profundamente em suas implicações para o negócio vêm se tornando uma disciplina ainda mais valiosa, devido ao contexto de alta volatilidade, em que o cenário pode mudar radical e rapidamente.

Mesmo que os líderes não se dêem conta, estratégia acontece quando a organização toma decisões e entra em ação. Quando é bem formulada e executada, pode proteger a companhia de eventuais disrupções e ainda servir para evidenciar oportunidades emergentes.

Para que as organizações se beneficiem desse potencial, proponho revisitarmos dez fundamentos da estratégia à luz dos novos tempos.

## 1. Considere como os concorrentes, clientes e outros stakeholders irão reagir A suas ações
O sucesso de toda e qualquer estratégia sempre é relativo. Depende das ações e reações de outras partes envolvidas, como concorrentes, clientes e governo.
Sendo assim, torna-se fundamental que os líderes avaliem as possíveis reações dessas partes, entendendo o contexto e considerando as motivações e personalidades dos tomadores de decisão. Não basta pensar “o que eu faria se estivesse naquela posição?”; é preciso também pensar no que aquela pessoa faria tendo em vista experiência, perfil, objetivos, incentivos e pontos de vista. Dinâmicas como o “war game” [veja lateral na página 88] tendem, portanto, a contribuir para ampliar a visão estratégica da empresa e elaborar um plano mais realista, ágil, flexível e, portanto, com maiores chances de sucesso.
Outro produto importante desse tipo de exercício é que os participantes saem com um entendimento claro de alguns dos “gatilhos estratégicos” – variáveis externas que devem ser monitoradas e que podem disparar uma revisão dos caminhos a serem seguidos.

## 2. Entenda as tendências e leia os sinais fracos
Parafraseando o escritor Ernest Hemingway, as grandes mudanças acontecem “gradualmente e de repente”. Quando analisamos uma transformação em retrospectiva, identificamos sinais de que aquilo já vinha acontecendo há tempos. Nossos vieses cognitivos é que, muitas vezes, nos levam a crer que as coisas continuarão a ser como são, fazendo-nos filtrar informações para que consideremos apenas o que fortalece nossas crenças, mas que nos impede de ver o mundo mudar a nossa frente.
A boa notícia é que existem técnicas e ferramentas estabelecidas para evitar a negação dos sinais fracos e passar a monitorá-los sistematicamente. Uma das formas mais simples é sempre escutar as equipes de campo, que lidam com clientes e concorrentes diariamente. Como dizia Andy Grove, famoso ex-CEO da Intel, “a neve começa a derreter pelas bordas”. Portanto, para que a organização possa se antecipar a pontos de inflexão em seu negócio, é preciso criar mecanismos e incentivos para que esses insights cheguem aos responsáveis pela tomada de decisão em todos os níveis. Também é importante discutir abertamente tendências e sinais fracos da mudança com times multifuncionais, com pessoas de diferentes experiências e pontos de vista, para que possamos assim evitar nossos próprios pontos cegos.

## 3. Pense do futuro para o presente
Você faz isso elaborando cenários com base na evolução das variáveis coletadas e, a partir disso, define o que deve ser feito hoje. O intuito não é prever o que acontecerá, e sim estar preparado para o que pode vir a acontecer.
O “pensamento sistêmico” é uma abordagem que certamente pode auxiliar o desenvolvimento da competência de strategic foresight, ao prover ferramentas para que a convergência e a inter-relação entre os sinais fracos possam ser identificadas e extrapoladas.
Ao explorar futuros alternativos, Amy Webb, renomada futurista, sugere que estejamos confortáveis em nos sentirmos desconfortáveis, pois ninguém conhece o futuro. O objetivo desse exercício, portanto, é tomarmos decisões que nos ajudem com tais incertezas. [veja exercício sugerido na lateral da página 90.]

## 4. Torne a organização ambidestra
Em 2009, tive a oportunidade de estudar com os professores Michael Tushman e Charles O’Reilly III, de quem ouvi o conceito de “organização ambidestra” [que os leitores desta revista bem conhecem]. Consiste em executar simultaneamente uma estratégia de maximização do core business e outra de prospecção, design, teste e aceleração de novos negócios.
No início da década de 1980, os grandes gurus da estratégia ensinavam que as empresas deveriam encontrar uma vantagem competitiva e estruturar-se em torno dela para fortalecê-la e explorá-la pelo maior tempo possível. Hoje, com as possibilidades viabilizadas por novas tecnologias, é difícil que as vantagens durem muito, e assim todo o investimento na construção de estruturas, competências e cultura alinhadas a ela pode se tornar uma âncora a dificultar a transição para um novo modelo de negócio. Sei que HSM Management fala disso há tempos, mas até cerca de cinco anos atrás, parece-me que o tema “ambidestria” não estava no mainstream da maioria das publicações de negócios – nem entre as prioridades estratégicas da maioria das organizações.
Agora, tornar-se uma organização ambidestra virou condição sine qua non para o sucesso, e atribuo isso à quantidade absurda de informações que passamos a acessar e à velocidade com que startups com modelos de negócio completamente diferentes dos tradicionais tornaram obsoleto tudo o que era feito antes num segmento.
Definitivamente tem razão quem diz que o que nos trouxe até aqui não será o que nos levará para o futuro – e que é preciso plantar a árvore antes de precisarmos da sombra!

## 5. Foque resolver problemas e ATENDER A expectativas reais
O conceito de “jobs to be done”, popularizado por Clayton Christensen, torna-se ainda mais essencial para o sucesso de uma organização que deliberadamente passa a explorar oportunidades além do core business. Como dizia Peter Drucker, “o cliente raramente compra aquilo que a empresa acha que está vendendo”, e já em 1960 Theodore Levitt ensinava que ninguém compra gasolina, e sim o direito de continuar dirigindo seus carros.
Entender claramente os reais objetivos de um cliente ao adquirir um produto ou serviço tem um enorme poder de ampliar nossa visão quanto a novas possibilidades de satisfazer esse desejo, que não raro vão muito além da oferta atual. A principal implicação desse insight pode ser a redefinição do propósito e do escopo da organização, não baseada em seu portfólio, e sim no problema que se propõe a resolver.
Tenha sempre em mente que seu negócio não pode ser definido por seu produto e, se a companhia não trabalhar para tornar seu portfólio obsoleto, os concorrentes o farão.
Outro ponto essencial é que, ao buscar a renovação, as empresas devem manter o foco no problema, não na solução. É comum nos “apaixonarmos” por alguma solução e nos perdermos ao longo de seu desenvolvimento, desviando-nos do propósito inicial de resolver determinado problema.
Em modelos B2B, uma boa forma de manter o alinhamento com as necessidades dos clientes é entender suas prioridades estratégicas. Quando possível, entreviste-os, observe-os para explorar qual o ponto de vista deles sobre as principais tendências que poderão impactar o negócio. Como eles pretendem transformar a empresa nos próximos anos? Onde estão alocando seus investimentos e quais são seus objetivos estratégicos?
Além disso, é cada vez mais premente considerar também as necessidades e o valor gerado para outras partes envolvidas além de acionistas, clientes e colaboradores. As práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança – ESG, na sigla em inglês – devem permear as decisões estratégicas, não apenas pela inquestionável relevância ética, como também porque consumidores e investidores estão cada vez mais atentos a tais critérios, premiando as empresas que aplicam consistentemente esses princípios.
Por fim, a visão dos “jobs to be done” também permite enxergarmos potenciais concorrentes com ofertas, modelos de negócio e estruturas completamente diferentes dos tradicionais que satisfazem às mesmas necessidades de nossos clientes. São os chamados concorrentes assimétricos.

## 6. Crie um portfólio de vantagens competitivas transitórias para além das fronteiras do setor
Como já foi dito, e sentimos no dia a dia, é cada vez mais difícil sustentar uma vantagem competitiva baseada em produto, tecnologia ou preço, portanto o caminho a ser buscado é a criação de modelos de negócio que entreguem um valor superior e sejam difíceis de se replicar. Muitas vezes tal inovação pode vir de um produto já existente e que passa a ser oferecido por novos canais ou como componente de um ecossistema mais amplo. Um bom e conhecido exemplo é o iPhone, da Apple, que se tornou um fenômeno de vendas somente após a possibilidade de desenvolvedores externos produzirem aplicativos – sua vantagem competitiva foi o modelo de negócio de plataforma, que explorou o efeito de rede entre desenvolvedores e usuários para gerar valor superior e mais difícil de ser copiado.

Ao formular novas propostas de valor, vale pensar para além dos padrões de sua indústria. A própria ideia de setor, aliás, está se tornando obsoleta. Afinal, em que setor está a Amazon? Ao imaginarmos o potencial de mercado e as diversas aplicações das baterias que a Tesla tem desenvolvido, ainda seria possível dizer que se trata de uma empresa de automóveis? Ou seria mais adequado pensá-la com um player do setor de energia? Uma companhia que cresceu desenvolvendo, fabricando e distribuindo medicamentos, mas hoje também oferece soluções tecnológicas para prevenir doenças é uma empresa farmacêutica? Faz sentido pensarmos em arenas, em vez de indústrias. Uma arena tem empresas diversas que atendem a uma mesma necessidade de um grupo de clientes. Isso também expande a visão estratégica.

## 7. Considere ativos além da organização para compor sua estratégia
É cada vez mais comum empresas pautarem seus modelos de negócio em tecnologias, bens ou conhecimentos que transcendem suas fronteiras. Exemplos didáticos desse fenômeno são Airbnb, que não possui imóveis, e Uber, que não tem carros.

Isso remete ao desenvolvimento de ecossistemas, que, além de contar com startups, idealmente devem incluir também órgãos governamentais, universidades e empresas tradicionais. Aliás, a velocidade do desenvolvimento de novas tecnologias tem feito com que competidores diretos se aliem para endereçar questões estratégicas emergentes – a chamada “coopetição”. Essa abordagem é efetiva, por exemplo, na criação de diretrizes junto a órgãos reguladores para o estabelecimento de novos mercados, ou para a adoção de uma nova solução tecnológica, como no recente caso do pagamento instantâneo Pix no Brasil.

Assim, orquestrar ou participar de um ecossistema abrangente torna-se competência fundamental para qualquer empresa, a fim de que tenha acesso a recursos complementares passíveis de viabilizar a entrega de valor superior.
E, ao contrário do que alguns podem pensar, ecossistema não é sinônimo de negócios sobre plataforma digitais. É um modelo estruturado e dinâmico de relacionamentos e conexões com outros players que viabiliza a composição conjunta de soluções de valor.

## 8. Crie um processo para garantir execução e adaptação com agilidade
Após o boom dos modelos de planejamento estratégico nos anos 1980, as organizações passaram a ter um novo problema: como tirar do papel todos os insights daqueles volumosos documentos que compunham o glorificado “plano estratégico”, elaborado com muitas e muitas horas de consultores e especialistas? Como fazer todas as pessoas compreenderem de forma clara e simples aonde a empresa pretendia chegar, qual era o caminho para isso e o que se esperava delas? Foi a partir daí que surgiram metodologias com foco em tradução, execução e gestão da estratégia, tendo como principal expoente o balanced scorecard, de Robert Kaplan e David Norton.

No entanto, dado o dinamismo do cenário atual, a rápida correção de rumos depende de um feedback contínuo do mundo real, e é necessário empregar abordagens ainda mais flexíveis e iterativas para testar premissas estratégicas e desenvolver essa agilidade organizacional. Por mais bem elaborada que seja uma estratégia, ela sempre será uma hipótese.

Conceitos como “falhe rápido e aprenda ainda mais rápido”, prototipagem e MVP (mínimo produto viável) têm moldado os processos tanto de formulação como de gestão da estratégia, a fim de transformar premissas e de trazer o máximo de aprendizado ao menor custo.

## 9. Aprenda, desaprenda e reaprenda
Alvin Toffler disse que o analfabeto do século 21 não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender. Esse princípio é fundamental para todos os demais. Se, por exemplo, ao participar de uma sessão de war game ou de um exercício de foresight para visualizar futuros plausíveis, as pessoas não estiverem realmente dispostas a deixar o novo emergir, tais exercícios serão perda de tempo.

O aprendizado é desconfortável, sabemos. Além da incerteza inerente, ele advém da divergência de ideias. É preciso considerar opiniões diferentes das nossas, enfrentar nossos próprios vieses cognitivos, abrir mão de estarmos certos (mas também da pressão de termos todas as respostas), e isso tudo requer autoconhecimento, humildade e abertura, além de um ambiente psicologicamente seguro.

Estratégia é um exercício de aprendizado individual e coletivo que aumenta as chances de sucesso organizacional e que, para acontecer, deve contar com real engajamento e motivação dos envolvidos.

## 10. Conquiste as mentes e os corações
A adoção desses princípios implica derrubar paradigmas e antigas receitas de sucesso, e também deixar de fazer aquilo que já se domina para experimentar o novo. Todo esse processo gera ansiedade, resistência, negação e desengajamento se não for cuidadosamente gerenciado.

Por isso, é imprescindível comunicar os motivos da transformação, o que se espera de cada pessoa, como e em quanto tempo essa transição será feita e quais serão os benefícios – organizacionais e individuais. Frequentemente isso demanda rever o modelo de gestão de desempenho e de remuneração variável vigentes, assim como prover as capacitações e ferramentas para as pessoas poderem cobrir os gaps entre o estado atual e o desejado.

A liderança, por sua vez, precisa passar a valorizar explicitamente os comportamentos desejados e não ser complacente com posturas desalinhadas.

Um dos aspectos mais fascinantes da arte da estratégia é a possibilidade de líderes, nos mais diversos níveis de uma organização, influenciarem o futuro. Façamos com que seja mais próspero para todos!

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