No início, o ser humano criou a arte e a ciência. Das sementes das plantas, fez tintas. Das paredes das cavernas, fez telas. De paus e pedras, fez pincéis, cinzéis e outros utensílios. Domou o fogo, singrou os mares, pintou a Mona Lisa, pisou na Lua. Como conseguiu fazer tudo isso?
A criatividade é um enigma – talvez, o mais antigo enigma da humanidade. Para o filósofo grego Platão, o poder de criar novas ideias era um dom divino, um dom para poucos. Já as teorias contemporâneas definem a criatividade como um processo mental que ocorre em todos os indivíduos – embora alguns sejam mais criativos que outros. Isso porque, para ser criativo, não basta imaginar; é preciso ter a capacidade de passar da fantasia à possibilidade de realização. “Uma característica importante da criatividade é a de romper com os modelos preestabelecidos, promovendo e provocando descontinuidades e assinalando, de uma forma ou de outra, uma nova etapa, uma renovação”, escrevem os pesquisadores Tarcisio Vanzin e Maurício Manhães, em artigo do livro Criatividade e inovação na educação, publicado em 2015. “Criatividade é também a capacidade de criar uma solução que é ao mesmo tempo inovadora e apropriada, constituindo um novo conhecimento nas mentes dos indivíduos”, dizem no livro.
Para o psicólogo Carl Jung (1875-1961), a criatividade é uma predisposição mental que antecede a formação do “ego”. Ou seja, antes de sermos quem somos, já temos o poder de criar. “Um bebê, que ainda não tem o que chamamos de subjetividade, que ainda não desenvolveu algo como uma identidade pessoal, já emprega soluções criativas na tentativa de ter suas necessidades saciadas”, explica o psicólogo Rafael de Santis B. Reis, especializado em psicologia analítica pela Universidade Metropolitana de Santos e professor no Instituto D’Alma. Como a criatividade é anterior à formação da identidade, as pessoas mais criativas são aquelas capazes de esquecer, por um tempo, suas próprias personalidades e se abrir às infinitas respostas que o mundo oferece. “A personalidade autoritária, nesse sentido, está no extremo oposto da personalidade criativa. Isto é, pessoas que têm muitas certezas sobre si mesmas e sobre o mundo são geralmente pessoas menos criativas”, diz Reis.
Outro filósofo grego, Heráclito, escreveu: “É preciso esperar pelo inesperado para encontrá-lo”. A mente criativa é assim: está sempre aberta às ambiguidades e às contradições do mundo e desconfia de certezas fixas. A criação tem seu próprio tempo – por isso, muitas pessoas criativas têm hábitos que, aos olhos dos outros, parecem excêntricos.
“Biografias de artistas e cientistas são cheias de exemplos disso: o tempo da invenção e o da descoberta – que são duas faces da criatividade – constantemente surpreendem planos e cronogramas. Prova disso é o hábito, comum a escritores, de sempre levar consigo um papel ou caderneta (ou celular) onde anotar uma ideia repentina”, diz Reis.
A criatividade está em nosso dia a dia, todos os dias, mas é especial em momentos de crise, quando precisamos obrigatoriamente achar novos caminhos para alterar a realidade a partir de nossa mente. Para que 2021 flua da maneira mais criativa possível, selecionamos 21 histórias de pessoas que souberam esperar o inesperado – e o encontraram.
__1 – ERA UMA VEZ UM MENINO POBRE E COM PROBLEMAS DE AUDIÇÃO__.Ele se chamava Alva e nasceu em Ohio, nos EUA, em 1847. Sem completar os estudos, foi trabalhar como operador de telégrafos, em 1863. A comunicação telegráfica, naquele tempo, era feita por meio de código Morse, aparecendo como uma série de pontinhos num papel – assim, as dificuldades auditivas de Alva não eram um problema. Pouco a pouco, no entanto, os telégrafos passaram a substituir os pontinhos no papel por estalos transmitidos por receptores sonoros. Mas Alva transformou o problema em oportunidade. Fez diversas pesquisas e experiências para resolver seu dilema profissional e, em 1869, inventou uma espécie de impressora que transformava sinais elétricos em letras – de modo que já não precisava escutar os cliques para decifrar as mensagens.
Alva, que entrou para a história como Thomas Edison, também nos brindou com o fonógrafo, o transmissor de carbono, o contador de eletricidade, a lâmpada elétrica incandescente e o cinetoscópio – uma invenção que seria muito importante no desenvolvimento do cinema.
__2 – O BRASIL É UMA TERRA EM QUE, SE PLANTANDO, TUDO DÁ, COMO ESCREVEU PERO VAZ DE CAMINHA.__ Mas certas coisas demoraram para ser plantadas e criativamente aproveitadas. É o caso de uma árvore reta, sisuda, e hoje profundamente enraizada na economia do País: o eucalipto. Um engenheiro agrônomo paulista chamado Edmundo Navarro de Andrade, que trabalhava para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, enxergou esse potencial. A empresa tinha hortos, na tentativa de suprir a necessidade de madeira para produzir dormentes, mourões e o carvão das locomotivas. Diretor do Horto de Jundiaí, Andrade tinha trazido da Austrália 144 espécies de eucalipto para atender a essas demandas.
Mas o engenheiro estava convencido de que o eucalipto oferecia mais possibilidades e, em 1925, foi fazer testes no Forest Products Laboratory (FPL), no estado norte-americano de Wisconsin, para produzir papel de eucalipto em vez de papel de pinheiro, o Pinus. De volta ao Brasil, o engenheiro trouxe exemplares do jornal Wisconsin State totalmente impressos em papel de eucalipto. Alguns ainda podem ser vistos no Museu do Eucalipto, em Rio Claro (SP).
Após o sucesso da experiência, Navarro de Andrade planejou instalar uma fábrica de papel à base de eucalipto no Brasil – mas não conseguiu convencer nenhum empresário. A ideia, contudo, estava plantada. E, em se plantando, tudo dá.
__3 – O PAPEL É NOSSO__. Pelo menos, o papel totalmente feito à base de eucalipto. A indústria de celulose brasileira é hoje a segunda maior do mundo – e sua história está ligada à saga de uma família de imigrantes que aqui aportou há cerca de um século, vinda do Leste europeu. Nascido em Kolki, na Ucrânia, em 1902, Leon Feffer chegou ao Brasil com a mãe, um irmão e duas irmãs, em 1920. Eles se estabeleceram em São Paulo, e Leon abriu uma loja no Brás, para comprar papel de grandes empresas internacionais e revendê-lo a outras lojas. E o negócio foi crescendo: ele abriu uma tipografia, depois uma fábrica de envelopes. Na década de 1930, porque lia jornais importados de Nova York, Leon anteviu que a Europa entraria em guerra e isso comprometeria o fornecimento de papel. E, em 1939, decidiu fabricar seu próprio papel com madeira Pinus do Brasil. Vendeu tudo o que tinha – até a casa da família – para montar uma fábrica no bairro do Ipiranga – a origem da Suzano Papel e Celulose.
O capítulo seguinte da saga foi protagonizado por Max Feffer, filho e herdeiro de Leon. Violinista e amante das artes, Max tinha uma mente eminentemente criativa. A partir de 1950, liderou uma equipe de cientistas, que passaram a testar a produção de papel com eucalipto. Até porque, enquanto o Pinus só se dava bem nos estados frios do Sul, o eucalipto podia ser cultivado facilmente em qualquer parte do Brasil. Uma empresa de Jundiaí, chamada Gordinho Braune & Cia., já fabricava papéis com 75% de fibra de eucalipto, porém Max queria mais.
Em 1961, a Suzano se tornou a primeira empresa no mundo a produzir, em escala industrial, papel branco com 100% de fibra de eucalipto. E o Brasil, que antes só importava papel, virou um exportador global de celulose.
__4 – E O COMPUTADOR EM QUE ESTOU ESCREVENDO?__ Provavelmente ele não existiria se não fosse o matemático Alan Turing. Trabalhando como pesquisador no King’s College de Londres, Turing criou a teoria da “máquina universal”: um artefato capaz de computar todas as informações compreensíveis à mente humana. Nessa tese, estavam os fundamentos lógicos do computador digital.
Turing também trabalhou para o Exército inglês na Segunda Guerra e desenvolveu um método para quebrar o código secreto das comunicações alemãs. Contudo, nem todos os heróis são celebrados em vida. Homossexual, Turing foi processado pelo governo inglês em 1952, tempo em que a homossexualidade ainda era crime na Inglaterra. Morreu, provavelmente por suicídio, antes de completar 41 anos.
__5 – UM DIA, UM MÁGICO FOI AO CINEMA__. Mas não era qualquer sessão de cinema. Era uma das primeiras projeções da história – isso, em Paris, 1895. Os filmes eram cenas documentais gravadas pelos irmãos Lumière. O mágico na plateia se chamava Georges Méliès. Ao ver as imagens se mexendo, teve a ideia de usar a nova tecnologia para contar histórias fictícias. Comprou uma câmera, montou um estúdio e se tornou o primeiro diretor de filmes narrativos. Suas obras, como Viagem à Lua (1902), conseguem encantar ainda hoje.
__6 – A INSPIRAÇÃO VEIO DA PIZZA.__ Reza a lenda que, há 42 anos, o então jovem Toru Iwatani pegou um pedaço de pizza da caixa e, olhando os pedaços restantes, dispostos em forma de disco, teve a impressão de ver uma criatura redonda de boca aberta. E teve uma ideia que mudaria a indústria de entretenimento.
Iwatani, então com 22 anos, era designer de jogos na companhia Namco, em Tóquio. Na época, os videogames se pareciam muito uns com os outros: simulações de guerras, tiroteios, combates de naves espaciais. Não havia narrativas elaboradas, e a maior parte do público era masculina. “Hoje, dizemos que um bom videogame deve fazer um casamento entre o tema e a mecânica”, diz Ernane Guimarães Neto, presidente da Rede Brasileira de Estudos Lúdicos e autor do livro Narrativas e personagens para jogos, de 2014. “Desde o nascimento dos videogames, na década de 1950, até o estabelecimento do mercado, nos anos 1970, o foco era a mecânica: por exemplo, como fazer um projétil se movimentar pela tela e atingir o alvo. A explicação? Os primeiros videogames foram criados por engenheiros militares.”
Iwatani queria levar o jogo para outro lado: desviar os fliperamas de suas origens bélicas e atrair um público mais vasto – inclusive, mulheres. Por isso, começou a pensar em um jogo que não tivesse tiros. Primeiro, teve a ideia de substituir batalhas por refeições: que tal criar um videogame em que os jogadores, em vez de atirar em coisas, tivesse de comê-las? Então veio a epifania da pizza. E Iwatani imaginou um jogo em que um personagem redondo e comilão corresse por um labirinto engolindo pequenos lanches energéticos. Para tornar a ação mais desafiadora, decidiu que o come-come seria perseguido por fantasmas coloridos. O jogo inicialmente se chamou Pakuman – a partir de “paku paku taberu”, onomatopeia japonesa para o ato de comer. Mas acabou sendo rebatizado como Pac-Man.
“O jogo é um grande marco, porque Pac-Man foi o primeiro grande personagem de videogame,” diz Guimarães. “Antes, havia o atirador, sempre em primeira pessoa. Pac-Man foi o primeiro personagem em terceira pessoa a ganhar fama mundial em um jogo eletrônico. Depois disso, os videogames já não ficaram focados apenas na mecânica, e passaram a incorporar a narrativa e a imaginação.”
__7 – START!__ Hoje, o nome Nintendo é automaticamente associado a jogos de alta tecnologia. Mas quando a companhia nasceu – há mais de 100 anos –, seu negócio era um jogo bem antigo: as cartas. Fundada em 1889, em Quioto, a Nintendo inicialmente fabricava cartas de um jogo japonês chamado Hanafuda. Ninguém sabe ao certo o que significa o nome da empresa – que em japonês se escreve –, mas alguns o interpretam como um provérbio ligado ao jogo de cartas: “Deixe a sorte para o céu”. Outra tradução possível é “salão da sorte divina”. Também é possível que o nome seja uma referência a Tengu, um ser mitológico ligado aos jogos de azar.
E, durante 67 anos, fazer cartas foi o único negócio da companhia. A Nintendo se tornou a maior empresa do ramo no Japão e, em 1959, chegou a fazer um acordo com o já famosíssimo Walt Disney, para fabricar cartas com estampas de seus personagens. Mas, no fim da década de 1960, com o boom econômico do Japão, os hábitos começaram a mudar, e o hábito de jogar cartas foi perdendo espaço. A Nintendo começou a afundar. Era preciso achar outro nicho de negócios. Um dia, o fundador da empresa, Fusajiro Yamauchi, estava andando por uma das fábricas quando viu um braço mecânico, com uma mão na ponta. A invenção era de um de seus engenheiros, Gunpei Yokoi, que construíra a engenhoca só por diversão. Yamauchi resolveu transformar a brincadeira do empregado num brinquedo vendável, e assim nasceu a Ultra Hand, conhecida no Brasil como Mão Biônica.
A partir daí, a Nintendo passou a investir em brinquedos tecnológicos – e logo notou que a província mais fértil daquele universo era o crescente mercado de videogames. A ex-fabricante de cartas passou a fazer consoles, depois resolveu desenvolver seus próprios videogames – e foi assim que surgiu um dos jogos mais famosos, queridos e eternamente jogáveis de todos os tempos. (Para saber o resto, passe à próxima fase.)
__8 – MUITAS VEZES, O BOM NASCE DO RUIM__. Em 1977, a Nintendo criou seu primeiro console de videogames, chamado Color-TV Game. Foi um grande sucesso no Japão – mas Hirochi Yamauchi, herdeiro da empresa, queria entrar no mercado norte-
-americano. Com isso em mente, desenvolveu o Radar Scope, um jogo de combate estelar, gênero muito popular nos EUA. Três mil fliperamas de Radar
Scope foram produzidos no Japão e enviados para o outro lado do mundo. Mas o esforço de agradar os americanos acabou saindo pela culatra. O Radar Scope era muito parecido ao Space Invaders, jogo que fazia sucesso por lá. Resultado: 2 mil máquinas ficaram atiradas num depósito em Seattle, sem compradores. E as esperanças da Nintendo nos EUA pareciam aniquiladas.
Foi então que Yamauchi chamou um de seus empregados e deu a ele a missão de criar um jogo que agradasse o público norte-americano. O nome daquele empregado (hoje, uma lenda entre fãs de videogames) era Shigeru Miyamoto. Ao contrário de muitos de seus colegas, Miyamoto não era um programador de computadores, mas um artista gráfico que havia trabalhado com mangás. Sua ideia foi criar um jogo mais narrativo e menos técnico. Primeiro, se inspirou nos duelos do personagem Popeye contra Brutus, em defesa de Olivia Palito – sucesso nos EUA. Então criou um homenzinho vestido de carpinteiro, com um chapéu engraçado e um bigodão. Apelidado de Jumpman – algo como “Pulador” –, o personagem tinha de salvar sua namorada, Pauline, das mãos de um gorila biruta. O jogo, chamado Donkey Kong, foi inserido nas 2 mil máquinas paradas em Seattle.
O depósito, onde estavam as máquinas, pertencia a um ítalo-americano chamado Mario Segale. Pelo dinheiro gasto no desenvolvimento do jogo, a Nintendo atrasou vários meses de aluguel. Irritado, Segale foi falar com Minoru Arakawa, CEO nos EUA. Arakawa notou uma certa semelhança entre o locatário e o carpinteiro pula-pula e Jumpman foi rebatizado como Mario, que ganhou seu próprio jogo, um irmão chamado Luigi e uma nova profissão – encanador. Os jogos Mario Bros. (de 1983) e Super Mario Bros. (de 1986) foram blockbusters e o resto é história.
__9 – HÁ HORAS EM QUE ENCOLHER PODE SER IGUAL A CRESCER.__ Parece absurdo? Veja a história de Ole Kirk. No início do século 20, ele fabricava e vendia móveis na cidade de Billund, Dinamarca. Seus principais clientes eram fazendeiros – principalmente, produtores de bacon e manteiga. Grande parte de sua produção era exportada aos EUA. Por isso, o negócio de Kirk quase foi destruído pela Grande Depressão, desencadeada pelo crash da bolsa de Nova York, em 1929. Com menos exportações, os fazendeiros não tinham mais dinheiro para mobiliar suas casas. Já que os móveis de verdade não tinham saída, Kirk resolveu produzir cadeiras, mesas e camas em miniaturas. Depois, passou a fabricar brinquedos de madeira. E, após a Segunda Guerra, os brinquedos passaram a ser de plástico. A empresa que ele fundou abrevia “leg godt”, ou “brinque bem” em dinamarquês. É a Lego.
__ERA UMA VEZ UMA CASA FECHADA.__ Os donos da casa tinham medo de abrir as portas – como se lá fora andassem monstros cuja única intenção era invadir e dominar tudo o que houvesse dentro. Os donos da casa estavam acostumados a viver trancados e não percebiam que aquilo lhes fazia mal. O ar estava viciado, a comida estava ficando velha. Logicamente, era melhor abrir tudo de uma vez e assumir os riscos. A casa, na verdade, era o Brasil da década de 1980. E o consultor Fernando Dourado Filho, hoje com 57 anos, foi um dos atrevidos personagens que conseguiram destrancar a porta e abri-la – nem que fosse uma fresta. “Naquela época, boa parte das empresas nacionais via a abertura da economia como uma imensa ameaça, porque eram ineficientes e monopolísticas”, diz Dourado.
Em 1985, Dourado foi trabalhar na Nitro Química, uma das indústrias do conglomerado Votorantim. A empresa acabava de construir a maior fábrica de nitrocelulose do mundo, com três vezes a demanda máxima brasileira – e, ainda assim, exportava muito pouco, apenas para alguns países vizinhos. Dourado chegou cheio de novas ideias e ganhou carta branca dos acionistas para voar. “Comecei a vender internamente um conceito de mundo e de globalização como alavanca de oportunidade e não como um tsunami ameaçador”, conta. “Fiz apostas pessoais no Extremo Oriente, no Sudeste da Ásia e, é claro, nos Estados Unidos e na América Latina.” Antes trancada, a empresa multiplicou por três seu volume de negócios internacionais: além de vender a outros países, passaram a importar materiais para tornar seus produtos mais competitivos. “Foi uma revolução”, lembra Dourado. “Daquela empresa meio ultrapassada, nasceu o embrião da internacionalização do grupo Votorantim, com a criação de dezenas de oportunidades e a captação de boas cabeças no mercado de trabalho. Era tudo só uma questão de pensar fora da caixa.”
__11 – ERA UMA VEZ UM MENINO QUE MORAVA NUMA FAZENDA E GOSTAVA DE DESENHAR.__ Seu nome era Walter, nasceu em 1901, e a fazenda era no Missouri, EUA. Após se mudar para Hollywood, criou um pequeno estúdio de desenhos animados. Seu primeiro personagem de sucesso foi Oswald, Lucky Rabbit – Oswald, o Coelho Sortudo. Era um bichinho magrelo e irrequieto, de rosto branco, corpo preto, orelhas grandes, usando calções curtos com suspensórios. Mas, como ainda era meio verde nos negócios, Walter acabou perdendo os direitos autorais do coelho para a Universal, distribuidora dos filmes. Então, ele e o sócio, Ub Iwerks, arregaçaram as mangas e desenharam outro personagem, também em preto e branco, também irrequieto, também fã de calções curtos… Era um rato, com orelhas redondas e não espetadas. Walter pensou em batizá-lo de Mortimer Mouse. Mas sua esposa, Lillian Bounds, achou o nome muito enrolado e sugeriu Mickey. Nasceu o camundongo mais famoso do mundo.
__12 – ÀS VEZES O MELHOR BRASILEIRO É ARGENTINO. OU JAPONÊS.__ Essa história talvez machuque os brios nacionais, mas o fato é que um dos maiores símbolos do Brasil tem origens no país de Maradona. As sandálias Havaianas, que hoje representam o País no mundo todo, foram criadas pela empresa Alpargatas, fundada em 1883, em Buenos Aires. Seu produto inicial eram, precisamente, alpargatas – um tipo de sapatilha de lona com sola de borracha, usada pelos camponeses do país. Em 1907, a Alpargatas cruzou a fronteira e passou a trabalhar no Brasil. Durante a Segunda Guerra, os donos da companhia se desentenderam com o presidente argentino, Juan Domingo Perón, e a Alpargatas migrou definitivamente para cá.
Na década de 1950, à medida que o Brasil se industrializava e se urbanizava, a população foi perdendo interesse pelas sapatilhas de lona, adequadas à vida rural. A empresa então criou um produto 100% novo – ou quase. As sandálias Havaianas foram feitas de borracha brasileira, mas com o desenho de uma típica sandália japonesa, chamada zori (lá, feita com sola com palha de arroz). Por isso, aliás, que o solado da Havaianas tem uma textura que lembra grãos de arroz. E o nome? Remetia ao Havaí, porque era onde os milionários (norte-americanos) passavam férias.
__13 – QUAL É O MAIS BRASILEIRO DOS ESPORTES?__ “Futebol” é a resposta mais comum, mas o “football” é inglês. Quem nasceu em nossas terras – ou melhor, em nossas areias – foi o frescobol. E nasceu em Copacabana; além de brasileiro nato, é carioca da gema. Nos anos 1950, o arquiteto Caio Rubens Romero Lyra era um dos que jogavam tênis na praia. Notando que as raquetes, então de metal, eram corroídas pela maresia, Lyra desenhou raquetes de madeira e pediu a um amigo carpinteiro para produzi-las. Surgiram a raquete sólida, resistente à água do mar, e o frescobol, cujo nome vem do “frescor” da tarde, a melhor hora para praticá-lo. Surgiu, como dizia Millôr Fernandes, “o único esporte com espírito esportivo, pois não tem vencedores nem perdedores”. Surgiu também uma ilustração perfeita do “jogo infinito”. Esse conceito, que atualmente vem sendo advogado com veemência por Simon Sinek e 0utros, refere-se ao jogo cujo objetivo é jogar e não ganhar – joga-se para manter o jogo. É o próprio símbolo da era colaborativa, não é?
__14 – ÀS VEZES, O MENOR INIMIGO É O MAIS DIFÍCIL DE DERROTAR.__ Bem o sabem os citricultores mundo afora, pois um dos mais ferrenhos algozes de seus pomares é o minúsculo Diaphorina citri, inseto da família dos psilídeos, de cor branco-acinzentada e com um comprimento que vai de 2 a 3 milímetros. Ao sugar a seiva das árvores, o psilídeo transmite a bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus – causadora de uma doença chamada greening, que é o pior flagelo da citricultura mundial – a Flórida, EUA, que o diga. Uma vez infectadas, as laranjeiras não têm cura; perdem os frutos prematuramente e vão definhando até morrer.
No Brasil, contudo, a Diaphorina citri encontrou um rival à altura. Cientistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, tiveram a ideia de exterminar o psilídeo com a ajuda de uma criatura ainda mais diminuta: o parasitoide Tamarixia radiata, originário da Índia e do Afeganistão, e inimigo natural da terrível Diaphorina. Com base nessas pesquisas, a paulista Citrosuco – uma das maiores fabricantes de suco de laranja do mundo – desenvolveu uma estratégia de guerra biológica contra os psilídeos. Desde 2014, a Tamarixia radiata é produzida em biofábricas controladas pela empresa. Assim que identifica um foco de psilídeos em algum pomar, próprio ou terceirizado, a Citrosuco solta uma colônia de Tamarixia nas folhas da árvore infectada. Na luta entre o inseto e o parasita, quem ganha é a produção: a incidência de psilídeos caiu em até 94% no ecossistema Citrosuco. Esse plano de combate único no planeta (e que dá uma pista do futuro) traz mais um benefício: com a ajuda de seu pequeno guerreiro, as fazendas da Citrosuco diminuíram também o uso de defensivos agrícolas.
__15 – TODO MUNDO ADORA UM BRINDE.__ Mas, às vezes, o brinde agrada tanto que vira a atração principal. Foi o que aconteceu com o negócio de David H. McConnell, um sujeito que vendia livros de porta em porta, nos EUA do século 19. Sempre que vendia um livro a uma mulher, dava-lhe um vidrinho de perfume como agrado. Com o tempo, notou que o perfume fazia mais sucesso que os livros. Em 1886, fundou The California Perfume Company – que mais tarde se transformaria na Avon.
__16 – TODO INÍCIO É UM MISTÉRIO.__ Até hoje ninguém explicou perfeitamente o big bang. Ninguém sabe como Homero começou a escrever a Ilíada (se é que Homero existiu). Tampouco dá para ter certeza do que se passava na cabeça do farmacêutico John Pemberton quando misturou água gaseificada e aromatizante cor de caramelo a um novo tônico que havia desenvolvido. Mas o resultado foi o refrigerante mais famoso do mundo. Infelizmente, nem todo criador sabe aproveitar o que cria: Pemberton vendeu sua fórmula por US$ 2.300 a Asa Candler, que fundou a Coca-Cola em 1892.
__17 – QUEM CORRE SEMPRE ALCANÇA ALGUMA COISA.__ Mas é preciso pisar macio para não torcer o pé. Na década de 1960, o atleta Phil Knight e seu treinador, Bill Bowerman, notaram que, nos EUA, havia poucos produtos voltados especialmente para corridas. Com uma vaquinha de US$ 500 cada um, trouxeram 300 pares de calçados do Japão. Em 1970, a empresa fundada por eles passou a produzir seus próprios tênis e foi batizada de Nike.
__18 – CRIAR, ÀS VEZES, É RECRIAR.__ Em 1913, Gabrielle Chanel abriu sua primeira loja no balneário francês de Deauville. Lá, apresentou seus primeiros conjuntos femininos em jérsei. O tecido não foi inventado por ela – mas, até então, era usado apenas em roupas esportivas e roupas íntimas masculinas. “Chanel percebeu o potencial do jérsei, usando-o para produzir trajes elegantes, confortáveis e mais de acordo com o calor do verão”, diz Laura Ferrazza de Lima, historiadora da moda e professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul. “O sucesso foi imediato e, assim, Chanel alçou o prosaico tecido ao cume da moda.”
__19 – PROCURE AÍ NO GOOGLE DUAS OBRAS DE ARTE.__ Uma é o teto da Capela Sistina, de Michelangelo, e outra, O casal Arnolfini, de Jan van Eyck. Ainda que belíssimas, as pinturas da Sistina, mais antigas, parecem mais opacas. Já a pintura de Van Eyck tem uma espécie de brilho envernizado, que destaca as minúcias. Isso acontece porque, antes da época de Van Eyck, os pintores usavam têmpera, uma mistura à base de ovo.
Depois surgiu a tinta a óleo, com pigmentos diluídos no óleo de linhaça – isso permitiu que Van Eyck criasse pinturas com cores lustrosas e detalhes cintilantes.
__20 – ÀS VEZES, OS MAIORES HERÓIS SÃO ESQUECIDOS.__ Toda a tecnologia que usamos hoje nasceu na pré-história, quando gênios anônimos inventaram as primeiras ferramentas. Os mais antigos produtos humanos que se conhece são as chamadas ferramentas de Oldowan, feitas há 2,6 milhões de anos, na Tanzânia, e descobertas na década de 1930 pelo arqueólogo Louis Leakey. Eram martelos de pedra, usados para quebrar nozes, afiar outras pedras ou esmagar sementes para fazer pigmentos. Hoje, tudo isso parece simples. Mas a arte e a ciência, como as conhecemos, não existiriam sem o trabalho desses misteriosos criadores na aurora da humanidade.
__21 – CRIAR ALMAS É A FORMA SUPREMA DE CRIAÇÃO.__ Você leu histórias de cientistas, inventores, negociantes, pintores, engenheiros, todos geniais. Mas o troféu da criatividade mundial deveria ir, na visão de HSM Management, para William Shakespeare (1564-1616). Suas peças são tão extraordinárias que anteciparam descobertas e teorias do futuro. Freud está em Hamlet. O pós-colonialismo está em A Tempestade. Macbeth e Júlio César são leituras essenciais para quem quiser entender a política – hoje, ontem, amanhã e em qualquer época. Segundo o crítico literário Harold Bloom, o maior poder de Shakespeare era sua “misteriosa capacidade de criar seres humanos”. Seus personagens são tão profundos que parecem tão reais quanto eu e você.
O gênio de Shakespeare é ainda mais enigmático pela falta de informações a seu respeito. Sabemos muito pouco sobre ele. William nasceu em Statford-upon-Avon, em 1564, e morreu na mesma cidade, em 1616. No meio-tempo, viveu em Londres, onde se tornou o maior dramaturgo de sua época e o maior escritor de qualquer tempo. Shakespeare não deixou diários nem cartas pessoais. O que conhecemos dele são suas peças, seus poemas e o testamento lacônico, em benefício da esposa Anne Hathaway. Sabemos também que foi um astuto homem de negócios. Filho de um plebeu, conseguiu enriquecer no teatro e se tornou coproprietário de uma companhia, a King’s Men – grupo responsável pela criação do teatro Globe, cuja réplica pode ser visitada em Londres hoje.
Ao longo de sua carreira, Shakespeare escreveu ao menos 38 peças, que incluem ao menos 1,7 mil palavras que nunca haviam sido registradas antes. Em muitos casos, o poeta transcrevia coisas ouvidas nas ruas de Londres – porém, mais de 400 desses vocábulos foram invenções do autor. Muitas criações shakespearianas são corriqueiras no inglês moderno, como “educate”, “bedroom”, “gossip”, “fashionable” – e por aí vai. Sempre que você ler ou escutar algo em inglês, lembre-se do quanto devemos a esse homem misterioso.
Em Como gostais, o poeta ainda nos deu este sábio presente: “O mundo inteiro é um palco, e os homens e mulheres são todos eles simplesmente atores. Eles entram no palco, eles saem do palco, e um único homem interpreta mil papéis, entre a hora em que nasceu e o dia de sua morte”.