Os casos de fraude contábil envolvendo as empresas Enron, nos Estados Unidos, e Americanas S.A., no Brasil, são emblemáticos exemplos de colapsos empresariais provocados por práticas fraudulentas que evidenciaram falhas em seus mecanismos de governança corporativa e controles internos. Embora as fraudes tenham ocorrido em cenários regulatórios e geográficos distintos, ambos os casos compartilham semelhanças importantes, principalmente em relação ao papel da gestão e dos auditores, além de terem gerados impactos significativos nos mercados em que atuavam.
O caso da Enron, desvendado em 2001, expôs um esquema de manipulação financeira sofisticado, no qual a empresa, com o auxílio de sua empresa de auditoria externa, Arthur Andersen, ocultou bilhões de dólares em dívidas e inflou seus lucros por meio de uma complexa estrutura de entidades de propósito específico (SPEs). Essas SPEs foram criadas para manter passivos fora das demonstrações financeiras, iludindo acionistas e investidores sobre a verdadeira situação patrimonial da companhia.
A governança corporativa da Enron falhou gravemente ao permitir que seus altos executivos explorassem brechas nas normas contábeis e de auditoria. Além disso, a cultura dessa empresa, marcada por comportamentos de alto risco e incentivos focados em ganhos de curto prazo, desempenhou um papel central no desfecho do caso.
Por sua vez, a fraude contábil na Americanas S.A envolveu a subavaliação de passivos operacionais, em especial relacionados a fornecedores, o que permitiu à empresa aparentar uma falsa solidez financeira por anos. A Americanas inflou seus resultados ao reportar incorretamente suas dívidas, resultando em um prejuízo bilionário que veio à tona após anos de auditorias negligentes. Assim como na Enron, a governança corporativa da Americanas S.A. foi bastante criticada por sua ineficácia em detectar e impedir as práticas fraudulentas, levantando dúvidas sobre a integridade dos serviços de auditoria externa. A falta de transparência e os controles internos insuficientes permitiram que a fraude se prolongasse, destacando a responsabilidade dos auditores sobre a discrepância entre os dados financeiros divulgados e a realidade.
Embora as fraudes tenham características semelhantes, como a manipulação de passivos e a conivência de auditores, as respostas regulatórias nos países das respectivas sedes diferiram. O colapso da Enron resultou na promulgação da Lei Sarbanes-Oxley, em 2002, que impôs regras mais rígidas para as empresas listadas e seus auditores nos Estados Unidos. Por outro lado, no Brasil, o caso da Americanas S.A. reacendeu o debate sobre a eficácia das políticas e práticas de governança corporativa e auditoria, mas ainda se aguarda uma resposta regulatória proporcional às falhas expostas.
Um contraste importante entre os dois casos é o contexto cultural e econômico em que ocorreram. A Enron operava durante um período de rápida expansão dos mercados de energia e em um ambiente de desregulamentação nos Estados Unidos, o que levou a práticas empresariais agressivas e pouco transparentes. Já a Americanas S.A. estava inserida em um cenário de turbulência econômica no Brasil após a crise sanitária gerada pela pandemia da Covid-19, o que fez com que alguns analistas interpretassem a fraude como uma tentativa desesperada da gestão de ocultar os graves problemas financeiros, objetivando manter a confiança dos investidores e do mercado.
Em ambos os casos, os escândalos contábeis evidenciaram as limitações dos sistemas de governança corporativa e as falhas nos controles internos, além de ressaltarem a importância de auditorias independentes e eficazes. A análise desses episódios reforça a necessidade de estruturas e práticas corporativas transparentes, éticas e responsáveis como pilares fundamentais para a integridade das organizações, independentemente do local em que se encontram.