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Por que o propósito é uma chave para a economia digital

O Dossiê 163 já está no ar! Este é o primeiro texto dele, feito pela Adriana Salles, em que discute complexidade, incertezas e velocidade nas empresas. Afinal, exigem que boas decisões sejam tomadas nas pontas – e levem em conta o futuro...

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*Acesse o Dossiê nº 163 da HSM Management na íntegra [aqui](https://hsmdigital.typeform.com/to/VQ9fqvsj).*

Lembra-se de quando veio à tona, em 2014, a organização exponencial? O conceito foi lançado pela Singularity University e mais tarde ganhou o mundo. Um dos pontos centrais da chamada EXO atendia pela sigla MTP, acrônimo em inglês de “propósito transformador massivo”.

Na época, quase ninguém entendeu, mas, retrospectivamente, o ano de 2014, com o MTP, talvez deva ser considerado o marco inicial da era do propósito – do mesmo modo que 2007, com o lançamento do iPhone e a popularização da computação em nuvem,
passou a ser o marco inicial da aceleração digital.

Não é que toda companhia precisasse querer resolver um problema que afeta um bilhão de pessoas – o bordão do exponencial na SU. Trata-se, isto sim, de ter a noção de que, na economia digital, o crescimento dos negócios deixa de ser linear e entender que, nesse cenário, propósito empresarial começa a importar quase tanto quanto resultado, por mobilizar os stakeholders nessa busca, sobretudo consumidores e colaboradores.

Mas o que é propósito, afinal? Não é RSE (responsabilidade social empresarial) nem ESG (responsabilidades ambientais, sociais e de governança). Duas definições ajudam a compreendê-lo melhor – incluindo entendendo sua maior relevância para a
economia digital.

O estudo da Deloitte “State of Purpose”, de 2022, diz que é a “capacidade de unir as pessoas em torno de uma crença comum na identidade, no sentido e na missão da organização”, que, na prática, funciona como um framework para manter o foco na criação de valor de longo prazo e ajuda a navegar pelos riscos.

Silvio Meira, cientista-chefe da consultoria especializada em estratégias digitais TDS.company, diz que propósito deve estar entre os axiomas da estratégia, e serve para “alinhar as expectativas internas e externas e balizar os desafios de curto, médio e longo prazo” dessa estratégia.

As duas definições expõem com clareza a relação
entre ascensão do propósito e uma economia digital cada vez mais hegemônica, mas não são apenas essas as macrotendências que impulsionam o fenômeno. Entre as pessoas, a crise climática e a possibilidade de substituição do trabalho humano pela inteligência artificial certamente estão precipitando a busca mais angustiada por um sentido – ao menos entre os jovens (leia quadro com pesquisa sobre a “fila do fim do mundo” no [Dossiê](https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=https%3A%2F%2Fhsmdigital.typeform.com%2Fto%2FVQ9fqvsj&data=05%7C02%7Cguilherme.m.batista%40hsm.com.br%7C2783925897ac42fc279108dc8bb98a6f%7C57095a8cade34706b7d730379e58918b%7C0%7C0%7C638538876252499832%7CUnknown%7CTWFpbGZsb3d8eyJWIjoiMC4wLjAwMDAiLCJQIjoiV2luMzIiLCJBTiI6Ik1haWwiLCJXVCI6Mn0%3D%7C0%7C%7C%7C&sdata=45L5LyiajxGA6lRq6jZpqTBU0hB1Bvd7s4bTjs6bABQ%3D&reserved=0)).

E nas empresas, segundo o estudo da Deloitte mencionado, o envelhecimento da população e o aumento do número de doenças emocionais também vem impulsionando gestores a levar mais a sério o propósito, porque refletem uma demanda por mudanças de paradigmas de estilo de vida da sociedade.

“Há uma necessidade crescente de indivíduos e grupos encontrarem um propósito que oriente seu papel no mundo”, como citou Ana Virgínia Carnaúba, líder de inovação institucional na Deloitte Brasil, ao apresentar o estudo no mais recente programa executivo da SingularityU Brazil, “Liderança de Propósito”.

__Alguns números__. A temperatura da procura por propósito pode ser contabilizada
de diferentes maneiras.

“O propósito se apresenta como algo maior que a empresa procura trazer para o mercado, e que é capaz de responder às perguntas de negócio” *Reinaldo Nogueira
*

No âmbito das pessoas, o livro Mortes por Desespero e o Futuro do Capitalismo, de Anne Case e Angus Deaton, reporta uma tragédia: ele investiga o aumento de ocorrências de suicídio nos Estados Unidos e o associa à perda de um propósito
na vida. E pior: em recente palestra no Brasil, para a Ânima Educação, o economista britânico Benny Dembitzer, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, projetou um agravamento disso no futuro próximo. “A ascensão da inteligência das máquinas vai intensificar isso por nos colocar em uma corrida de ratos para conseguir trabalho”, disse Dembitzer.

No âmbito das empresas, o estudo Deloitte, que é global mostra que o propósito tornou-se um imperativo estratégico e um catalisador na definição da reputação de uma organização e na construção de valor junto aos stakeholders, à medida que 78% dos consumidores têm maior probabilidade de se lembrar de uma empresa que demonstra um propósito forte e 86% dos funcionários esperam que seus CEOs falem publicamente sobre propósito.

*Acesse o Dossiê nº 163 da HSM Management na íntegra [aqui](https://hsmdigital.typeform.com/to/VQ9fqvsj).*

No Brasil, o PPI – Purpose Premium Index, com que a InPress Porter Novelli, que mede a percepção do propósito das maiores empresas que operam no Brasil, indicou em 2021 que 81% das pessoas entrevistadas dão grande importância ao propósito empresarial, mas não reconhecem nada parecido nas top 55 do ranking Valor 1.000; apenas três companhias entre as top 55 foram identificadas como empresas com propósito.

“Empresas com propósito se destacam da massa. A Salesforce adotou igualdade de gênero e justiça social como pilares, o que impulsionou seu sucesso e sua reputação, além de fortalecer o time atraindo talentos” *Galo López*

Em relação a consumo, 63% dos entrevistados para o PPI se disseram dispostos a testar uma nova linha de serviços ou produtos de uma marca com propósito, um
nível superior ao das organizações não reconhecidas por seu propósito em 15 pontos percentuais. Uma pesquisa Gallup feita no Brasil também em 2021 deixa o gap similar entre os colaboradores: uma melhoria de 10% na conexão dos funcionários com o propósito da organização é capaz de reduzir em 8,1% a rotatividade e aumentar em 4,4% a lucratividade dos negócios.

![Análise da Deloitte – papéis atuais das áreas em relação a propósito](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/RNZc1l9D6S7xR9FxRhl8V/ab397deea6b6ca3679099fca450e4c1f/An_lise_da_Deloitte_-_pap_is_atuais_das__reas_em_rela__o_a_prop_sito.png)

E o EP “Liderança de Propósito” confirma que as tendências estão sendo percebidas por pessoas físicas e jurídicas. Como diz a head da SingularityU Brazil Polia na Abreu, cada vez mais indivíduos estão financiando seus cursos do próprio bolso em busca de significado.

E aumenta no mesmo ritmo a procura por empresas, que pagam para suas lideranças serem treinadas em propósito – Abreu cita, entre outras companhias, Globo, Heineken, V8, Petrobras, Accenture, CCR e Raízen.

E o propósito também é crítico nos mercados de capitais: segundo a Deloitte, nos próximos cinco anos, 65% dos investidores institucionais creem que a avaliação dos critérios ESG se tornará uma prática padrão e prevê-se que os ativos ESG globais cresçam para um terço (US$ 53 trilhões) do total de ativos sob gestão.

Se o fortalecimento do propósito é uma resposta importante para a nova economia e outras macrotendências,. e se as pesquisas confirmam isso, o que falta? Listamos os obstáculos e os recursos-chave, que podem ser funções, processos e sistemas.

# Os principais obstáculos

São reconhecidos ao menos três obstáculos significativos ao trabalho de conhecimento e gestão do propósito nas empresas.

“Habilidades de contextualização, comunicação, empatia e outras são desafios estruturantes para negócios que buscam orientações por propósito” *Cecília Seabra*

O primeiro obstáculo, e talvez o maior deles, é apon tado por Poliana Abreu, que vem escrevendo um livro sobre o assunto: o ego. “Os líderes, por não terem
uma ideia concreta de propósito, ficam à mercê de seus egos. Há, assim, um foco limitado em interesses individuais, como poder, status, reconhecimento pessoal e acumulação de riqueza material. Embora tudo isso seja natural do ser humano,
se não houver consciência sobre as armadilhas do próprio ego, pode ser um obstáculo para o crescimento e a contribuição significativa”, analisa a head da SingularityU Brazil.

“Acredito que, para a liderança e as organizações alcançarem um propósito que possa ser compartilhado, é preciso que migrem do paradigma do ego para o do legado, em uma jornada que envolve transformar a forma como se entendem o mindset
individual e o coletivo.”

![COMO O C-LEVEL DEVE ATUAR EM RELAÇÃO A PROPÓSITO – Deloitte](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/7FunBIkttQivyZ6K5lZS6t/7df6a1009f1aa13f35e5ceb362d57c9f/COMO_O_C-LEVEL_DEVE_ATUAR_EM_RELA__O_A_PROP_SITO_-_Deloitte.png)

“Ir do ego ao legado” significa substituir os valores egoístas que podem predominar hoje por valores mais conscientes e sustentáveis, traduzidos na priorização do bem-estar coletivo e do impacto positivo

__O segundo obstáculo__ é a mentalidade curtoprazista dominante. A dificuldade – ou a ironia – é que o propósito é uma ferramenta para conseguirmos administrar o longo prazo, mas é difícil que o propósito se instale em uma organização sem que haja ali alguma visão de longo prazo, um MVP dela que seja. Segundo Poliana Abreu, sem incentivos corretos para que haja resultados de longo prazo juntamente com os de curto prazo, a chance de vencer o curtoprazismo é bem reduzida.

O recuo nos programas de recrutamento e seleção orientados pelo propósito de diversidade, equidade e inclusão, visto recentemente em muitas organizações, confirma quão grande é o obstáculo da visão de curto prazo.

*Acesse o Dossiê nº 163 da HSM Management na íntegra [aqui](https://hsmdigital.typeform.com/to/VQ9fqvsj).*

Para Thierry Marcondes, especialista em diversidade ligado à HSM, no entanto, essa é uma ressaca passageira. “Hoje as hard skills ainda dominam, mas o futuro já está exigindo o que eu chamo de ‘purpose skills’. Isso significa que as empresas precisarão cada vez mais atrair e reter talentos com propósito de vida e missão, e muitos desses talentos são ligados à causa da diversidade”, afirma.

O terceiro obstáculo é o fato de as próprias lideranças ainda não terem descoberto seus propósitos pessoais. Sem lideranças conscientes, caminhar
em direção ao propósito é bem desafiador, segundo Poliana Abreu. Como diz Simon Sinek, o centro de tudo que fazemos é o porquê de fazer essas coisas, não o que fazemos nem como o fazemos.

Não é simples ter essa autoconsciência, mas um dos elementos que pode levar a ela pode ser observado na história de Miguel Setas, hoje CEO da CCR, e autor do livro *Gigante pela Própria Natureza*.

”Em um mundo tecnológico, dominado por automações, robôs e IA, empresas que tem um propósito como centro de sua estratégia humanizam sua marca e se conecta mmuito mais profundamente com pessoas” *Marcel Nobre*.

Percebido como um líder com propósito por muitos, Setas trabalhou como propósito de liderança o que chamou de “humanismo ecológico”, um humanismo inspirado na harmonia com a natureza e na brasilidade. O fato de ser português pode ter ajudado Setas, ainda como CEO da multinacional EDP, a ter distanciamento cultural suficiente enxergar um valor na brasilidade que os próprios brasileiros não enxergam.

O executivo pôs em prática esse propósito de diferentes maneiras e o resultado foi que a EDP alcançou o primeiro lugar no ranking de sustentabilidade das empresas listadas na B3, a bolsa de valores brasileira.

# Os recursos-chave

Conforme o consultor Reinaldo Nogueira, especialista em liderança e processos comerciais, três Ps nos ajudam a entender a força, ou a fraqueza, do propósito em uma organização: pessoas, processos (incluindo sistemas) e produtos. Para ele, pessoas bem engajadas no propósito procuram outras pessoas, que então se engajam, em um círculo virtuoso
que as leva a operar além dos objetivos formalizados em termos de processos e produtos. (E estes,por sua vez, apoiam as pessoas.)

O estudo da Deloitte investigou em mais detalhe o desafio de criar e executar uma estratégia de propósito nas organizações, o que resumimos em cinco itens *(e os gráficos distribuídos ao longo do artigo
focalizam isso também)*.

__1|__ Devem ser definidos retornos esperados em propósito para cada função da organização. E os indicadores, mensuráveis, têm de ser reforçados pelo menos por meio do planejamento estratégico, do plano de
investimentos e d gestão de desempenho. Embora a maioria dos líderes C-suite investigados (70%) tenha indicado que o seu papel é altamente impactado pelas prioridades do propósito da sua empresa, apenas um
terço dos líderes de alto escalão relatam que a sua remuneração está vinculada ao progresso do propósito.

__2|__ Cada membro do C-suite tem um papel importante a desempenhar na definição e implementação propósito; o papel do CEO como campeão é mais
crítico para o sucesso, e o papel emergente do diretor de propósito (ou diretor de sustentabilidade) pode melhorar os resultados, pois ele pode fornecer infraestrutura, conhecimento e orientação específicos para
impulsionar a accountability.

![Papéis atuais das áreas em relação a propósito – Deloitte](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/74OxveDStzgjuJL7SHAs6A/2caa3c40251eee0caa9ff33ccfce3ea7/Pap_is_atuais_das__reas_em_rela__o_a_prop_sito.png)

__3|__ A colaboração formal e informal entre os executivos seniores deve ser reforçada para implementar eficazmente o propósito de toda a empresa. De modo geral, a colaboração dos executivos com funções de propósito ou sustentabilidade é baixa;’’ 44% das empresas investigadas têm líderes gabaritados nessas funções que estão desperdiçando valor. A governança formal nos níveis executivo e de conselho, como comitês focados no propósito, pode melhorar essa colaboração.

__4|__ Há um desafio significativo em estratégia. Embora 79% dos líderes C-suite entrevistados pela Deloitte tenham dito que sua empresa tem uma estratégia de propósito clara e definida e que esta se integra
com a estratégia de negócios principal, 22% dessa amostra indicaram que sua empresa não prioriza a coleta de dados sobre propósito e os respectivos relatóris. Isso, sugere que o propósito não está tão bem integrado assim com a estratégia, como a maioria parece acreditar.

__5|__ A criação de valor a partir do propósito tem de ser mais enfatizada em termos de comunicação, além disso, ampliada. Os líderes executivos consideram, de longe, os impactos nos talentos como o maior impulsionador de valor, com 79% concordando que o propósito apoia o recrutamento, o envolvimento e a retenção de talentos. Apenas 17% concordaram que o propósito melhora o acesso ao capital, apesar das crescentes expectativas dos investidores em re lação ao ESG.

Como mostra o relatório Deloitte e as outras fontes que contribuíram com este artigo, é inegável que o interesse por propósito vem crescendo no
mundo corporativo. Se o propósito ainda não é, na perspectiva das organizações, o norte que impulsiona a estratégia e o impacto gerado, ele já o é aos olhos de muitos stakeholders. Apenas falta uma gestão melhor, capacitada a conectar os dois pontos de vista.

*Acesse o Dossiê nº 163 da HSM Management na íntegra [aqui](https://hsmdigital.typeform.com/to/VQ9fqvsj).*

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