> **Saiba mais sobre Steve Blank**
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> **Quem é:** Empreendedor serial na área de tecnologia e professor de empreendedorismo, ele criou o conceito de desenvolvimento de clientes, que lançou as bases para o movimento lean startup, do empreendedorismo enxuto.
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> **Seu curso:** criou o programa lean launchpad na Stanford University, para ensinar a montar um negócio com menor probabilidade de fracasso, e o adaptou para cientistas, sob o nome de icorps. também dá aulas na University of california em Berkeley, na columbia University e no caltech.
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> **Seus principais livros:** Do Sonho à Realização em 4 Passos e Startup: Manual do Empreendedor, escrito em parceria com Bob Dorf (ambos, ed. Alta Books).
“Aprender a empreender em livros e aulas é como aprender a fazer sexo em livros e aulas: não dá certo; nos dois casos, o aprendizado é essencialmente experiencial.” Com essa didática comparação, o mais célebre professor de empreendedorismo da atualidade, steve Blank, de stanford, sintetiza o que está por trás de seu aclamado e rápido programa de ensino. sob o nome de iCorps, o curso de Blank tem, em apenas dez semanas, transformado muitos cientistas norte-americanos em empreendedores.
Seus dois pilares são a experiência do contato semanal com os clientes potenciais (que, assim, vão desenvolvendo os produtos com os cientistas e também sendo desenvolvidos para consumi-los) e a de trabalhar em equipe (de três pessoas, nesse caso). Para Blank, os eUa deram-se conta de que inovar é o modo mais eficaz de competir com uma economia como a chinesa. em entrevista à editora-chefe adriana salles Gomes, Blank comenta, entre outras coisas, que a onda empreendedora atual pode ser prenúncio da terceira revolução industrial e diz que o Brasil está no jogo.
> **Desenvolvimento de produtos x Design thinking**
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> Dois dos conceitos de gestão que mais repercutem no mundo dos negócios atual são “desenvolvimento de clientes” (“customer development”, em inglês) e “design thinking”. o primeiro é ligado ao empreendedorismo enxuto de Steve Blank e o segundo, adotado no idioma original mesmo no Brasil, é difundido por David kelley e sua empresa de design ideo. o que talvez os gestores não imaginem é que os dois conceitos são irmãos. como diz Blank, trata-se do mesmo processo nos dois casos e com os mesmos objetivos, só que, enquanto o desenvolvimento de clientes é adequado a empreendedores e startups, o design thinking serve a empresas estabelecidas. “As ferramentas e técnicas utilizadas em ambos são similares, apenas com diferentes ênfases; como os empreendedores têm um limite baixo para queimar seus recursos financeiros [burn rate], precisam testar seus produtos e serviços mais rapidamente com os potenciais clientes, e seus protótipos já funcionam como Mvps [produtos minimamente viáveis].”
**É consenso que há uma explosão empreendedora, mas, em um artigo, o sr. escreveu que isso vai além: estamos vendo o início de uma “nova economia empreendedora”. Por quê?**
Talvez estejamos vivendo o começo da terceira revolução industrial desde os anos 1980 e a ascensão do Vale do silício. Um fenômeno similar ao atual foi o que vimos na segunda revolução industrial, nos estados Unidos, na virada do século 19 para o 20: uma explosão empreendedora estimulada pela tecnologia. Foi quando inventamos setores inteiros, do tipo luz elétrica, fotografia, filmes, carros… Durou 40 anos, da década de 1890 até a Grande depressão, nos anos 1930.
**Essa revolução também terá duração limitada?**
Bem, os economistas falam em ciclos, mas não compro muito isso. houve uma feliz coincidência de fatos no fim da década de 1970 no Vale do silício, que transformou o capital de risco, que era um hobby, em um grande negócio e em um grande motor de financiamento, algo que nunca existiu. Foi o que colocou a inovação tecnológica no ritmo atual, e não me parece que isso seja sujeito a ciclos.
**E dessa vez a revolução é mundial para valer?**
Não tenho dúvida disso! em primeiro lugar, porque, no nível corporativo, países como o Brasil não são mais players isolados –toda grande empresa brasileira já tem um componente internacional importante, e não há mais recuo possível nisso. em segundo lugar, o conhecimento sobre empreendedorismo se espalhou com a internet; hoje, uma pessoa de manaus sabe mais sobre inovação e empreendedorismo do que alguém do Vale há 40 anos. a informação não está mais estocada em um lugar como o Vale do silício ou em harvard. todo mundo no Brasil pode saber tanto quanto nós.
> **Mudança na Academia**
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> Harvard ministrou sua primeira aula de gestão em 1908 e, durante cem anos, ela e outras escolas de negócios dos EUA, e depois da Europa e do Brasil, cultivaram o conhecimento de “como administrar uma empresa estabelecida”, transformando todos os alunos em gestores de negócios que já existiam. Um dos motivos para isso foi que os professores de escolas de negócios preferiam fazer suas pesquisas com 10 mil pessoas em poucas empresas bem estabelecidas a fazê-las com mil pessoas em muitas garagens.
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> E eles não entendiam que startups não podiam aproveitar o mesmo conhecimento destinado às grandes empresas; não entendiam que, enquanto as grandes corporações executavam modelos de negócio conhecidos, as novatas precisavam buscar um modelo de negócio novo.
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> Em meados da década de 1990, ofereci à academia uma reflexão distinta dessa, com minha bagagem de 21 anos empreendendo, assim como fizeram clayton christensen, com suas ideias sobre inovação de ruptura, e Alex osterwalder, com seu canvas gerador de modelos de negócio. hoje, tentamos construir um corpo de conhecimento paralelo ao erguido nos primeiros cem anos do ensino da gestão, que diz respeito a como começar novos negócios dentro de empresas existentes e se baseia muito em experiência prática.
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> **por Steve Blank**
**Ter informação sobre inovação basta para inovar, para empreender com impacto?**
Não. Basta para dar combustível ao fogo, mas alguém precisa começar o fogo localmente. tem de haver um clima econômico que gere uma cultura empreendedora e valorize quem assume risco em vez de trabalhar para uma grande empresa. Basicamente, deve haver uma cultura que permita a experimentação. a disseminação de informação acaba com a desculpa de que “nós não sabemos o que fazer”. essa frase tem de ser substituída por “é assim que faremos isso”.
**Mas, além de informação, não é preciso conhecimento de universidades de ponta?**
Sim, obviamente é preciso haver universidades de tecnologia de nível internacional não só focadas na sala de aula e em pesquisa, mas conectadas a atividades comerciais da comunidade a sua volta. mas eu lhe digo que essas universidades já existem no Brasil –ao menos, eu as vejo hoje muito mais do que antes.
**O fato de uma Tesla Motors abrir a patente de seu carro elétrico também facilita a globalização do empreendedorismo, não?**
Sim, e antes de Elon Musk houve o Github, plataforma em que os engenheiros de software abrem seu projeto, mesmo quando trabalham em empresas; quase todos já fazem isso. O Github permite que os engenheiros comecem um novo projeto a partir de um ponto, em vez de escrever do zero. O Git-hub é basicamente o início dessa revolução rumo à economia empreendedora e não deveria passar despercebido pelas grandes empresas. a pergunta é: por que não temos um Github em todo setor?
**Grandes empresas gostam do GitHub?**
Algumas talvez achem difícil ganhar dinheiro assim… isso é ignorância, coisa de gente ultrapassada. Pode acontecer de o modelo de negócio de uma empresa específica não permitir que ela ganhe dinheiro com um projeto aberto, mas nada impede que um concorrente faça isso. Fico louco quando as pessoas dizem que não se consegue ganhar dinheiro desse modo. elas só precisam ser um pouco mais criativas!
As pessoas que não se interessam em ser criativas se tornam o que chamamos em inglês de “rent-seekers”, que é a prática de tentar travar o mercado existente manipulando regulamentações, oferecendo propina etc. essas pessoas acabam sobretaxando o negócio de todos sem criar nada. na verdade, em países como o Brasil, talvez o rent-seeking seja a maior barreira à inovação e ao empreendedorismo. mas eu aviso: isso funciona só em um mundo fechado, e, atualmente, já contamos nos dedos os países em que isso é significativo.
**Mas há rent-seekers até no Vale do Silício, fazendo lobby por mais regulamentação…**
Sim, grandes empresas agem como grandes empresas em todo lugar, ou seja, grandes empresas querem proteger o status quo. É a mesma lógica que faz as pessoas mais velhas ficarem mais conservadoras.
Em um mundo perfeito de steve Blank, não haveria regulamentação nem rent-seeking; só haveria lean startups e grandes empresas que se rein ventam continuamente com empreendedorismo enxuto. na verdade, algumas poucas grandes empresas agem assim, como a intel, que reinventa a si e a seus produtos há 30 anos, ou a apple durante os 15 anos sob steve Jobs, que tornava seus produtos obsoletos muito rápido e inventava novos setores.
**Esses modelos não dependem de um líder especial, como Andy Grove e Jobs?**
Em parte, são os indivíduos que fazem a diferença, mas, em outra parte, são as culturas e os métodos. O método lean startup possibilita que empresas inovem continuamente mesmo sem um líder como Jobs ou Andy Grove.
**E, só para checar, é crucial inovar continuamente?**
É, o mundo está diante de uma distração contínua, e a única resposta para a distração contínua é a inovação contínua.
**Michael Porter, ao falar sobre a criação de valor compartilhado, diz que as empresas tentam vender para os mesmos consumidores e por isso têm de inovar tanto –esses consumidores seriam os distraídos, seguindo sua lógica. Bastaria ir buscar os consumidores de baixa renda…**
Esse discurso é um tipo de religião… deixe-me responder de outra forma: depende da visão de inovação. Por exemplo, a inovação de modelo de negócio é continuamente importante para o público de baixa renda. Grandes empresas têm de fazer três tipos de inovação continuamente: a de processos, a de modelos de negócio e a de produtos e serviços de ruptura. O motivo de uma empresa sair do mercado é por falhar em alguma dessas três opções. essa é a coisa mais difícil de os executivos entenderem, sabia?
**Já ouvi Clayton Christensen dizendo, quando Jobs ainda estava vivo, que até a Apple podia sair do mercado. O sr. concorda com isso?**
Concordo! sou do time do Clayton Christensen. acho que ele é o cara mais inteligente que fala sobre inovação atualmente.
**A desculpa dos executivos é a disciplina? Como lidar com isso diante da inovação contínua? Jim Collins, por exemplo, insiste nisso…**
A disciplina é básica. em uma grande empresa, você tem de lembrar que uma parte é o motor de execução, faz a mesma coisa todos os dias e paga as contas. e é bem fácil estragá-la se você não tomar cuidado. mas, como dizemos nos eUa, “você tem de conseguir andar e falar ao mesmo tempo”[walk and talk]. É isso. Quanto à desculpa, os executivos geralmente apresentam quatro objeções ao método da lean startup para inovar continuamente.
**Executivos devem ser empreendedores, como Jobs?**
Eu classificaria Jobs como um executivo ideal, não um empreendedor. na verdade, o Jobs empreendedor, inicial, era um idiota. e, embora continuasse sendo um idiota quando mais velho, ele aprendeu a funcionar no mundo de alto nível dos executivos operacionais; entendeu que precisava trabalhar com outras pessoas. O que ele aprendeu nos 15 anos no deserto entre sua primeira e sua segunda gestão na apple foi como construir um conjunto de executivos operacionais de nível internacional. se você analisar todos esses inovadores bem-sucedidos que dirigem empresas, eles não foram empreendedores como CeOs, mas executivos ideais, que traduziram a visão para a execução do dia a dia com pessoas de alto nível abaixo deles que não aparecem na imprensa.
**Mas empreendedores são úteis a grandes empresas?**
Depende do modelo da empresa. se for o de inovar de cima para baixo, como a apple, não; se for de baixo para cima, sim.
**O sr. já disse que o paradigma da lean startup muda tudo, declaração forte. Então, uma corporação deve mesmo empreender como lean startup?**
Sim, mas o maior erro atual das grandes empresas é acharem que basta replicar as técnicas de lean startup; aí elas fazem o “teatro da inovação”.
O problema é que a inovação não acontece em surtos como o de “vamos agir como uma lean startup”; precisa haver uma ação transformadora no dna, de cima para baixo, em toda a empresa. Quer um exemplo? Quase todo mês, uma empresa japonesa pede minha ajuda para inovar e empreender de modo enxuto, e minha primeira pergunta a seus executivos é: “Vocês têm um laboratório avançado de P&d [pesquisa e desenvolvimento]?”. a resposta é: “Claro que sim!”. daí vou conversar com as pessoas do laboratório e pergunto: “Vocês conhecem os diretores?”. e elas: “não, nunca saímos daqui”. Grandes empresas constroem silos de inovação e isso não faz inovar.
Para a inovação realmente emplacar, você não pode só fazer o teatro de copiar algumas técnicas de lean startup; tem de mudar os processos do motor de execução. Fazer um teatrinho é rápido, mas um conselho e um CeO inteligentes percebem a diferença entre teatro e mudança. a encenação vai fazer você parecer legal até se aposentar, mas a mudança do DNA segundo o empreendedorismo enxuto é que manterá sua empresa viva nos próximos 30 anos.
**O sr. poderia apontar uma empresa estabelecida que não faça o teatro da inovação?**
Creio que o melhor exemplo atual é a Ge. Eu coordenei o primeiro grande programa da Ge, na divisão de locomotivas, há cerca de cinco anos, e ele vem se expandindo para outras áreas da empresa. Uma das mais novas divisões da Ge, a energy storage [armazenamento de energia], agiu como lean startup ao desenvolver uma nova tecnologia de bateria [que suporta condições extremas de temperatura], adotando técnicas como a do desenvolvimento de clientes.
**Entendo que o programa da GE é uma adaptação do curso que o sr. criou em Stanford, o Lean LaunchPad, que o sr. também está implementando com cientistas, sob o nome de iCorps. Pode nos contar como funciona?**
Nos EUA, gastamos cerca de Us$ 120 bilhões por ano no financiamento federal de pesquisa, por meio de um conjunto de cinco grandes organizações de pesquisas. a maior delas é o national institute of health, com aproximadamente Us$ 30 bilhões por ano em pesquisa, e a segunda, a national science Foundation, com US$ 7 bilhões. acontece que, há uns 30 anos, os eUa aprovaram uma lei segundo a qual 3% de todo o financiamento de pesquisa tem de ser para cientistas que criem uma empresa com isso. e a maioria deles fracassa, porque não sabe empreender. três anos e meio atrás, os coordenadores desse programa dos 3% viram minha aula sobre lean startup em stanford e disseram: “estamos procurando você faz 30 anos!
Você inventou um jeito de ensinar cientistas a transformar suas invenções em empresas eficientes. Pode nos dar essa aula?”. então, eu criei para eles um programa de dez semanas, ensinado em 30 universidades a 325 equipes de cientistas. Agora [em junho de 2014], a National Science Foundation me pediu a mesma coisa. Boa parte da ciência dos EUA já usa os princípios da lean startup para criar negócios.
> **AS 4 OBJEÇÕES DAS GRANDES EMPRESAS**
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> _Ou desculpas, para blank_
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> Quando leva o conceito de lean startup a grandes empresas, para ajudá-las a construir novos negócios, Steve Blank costuma ouvir quatro tipos de objeções:
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> 1. Não temos pessoas de personalidade empreendedora aqui.
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> 2. Não conseguimos atuar com essa velocidade.
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> 3. o CEO não compra a ideia.
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> 4. Os departamentos não se dão suficientemente bem para colaborar.
**Fico impressionada com os prazos: três anos e meio para transformar o DNA do National Institute of Health; dez semanas para transformar um cientista em empreendedor. É tão rápido que dá esperanças…**
Provavelmente, é a mais rápida adoção de qualquer coisa na área de empreendedorismo já feita. acho que nosso país decidiu que inovar é o modo mais eficaz de competir com os chineses. realmente encontramos o melhor formato de aula de empreendedorismo do mundo, tanto que já fazemos o programa, de uma forma ou outra, em 150 universidades. Vou dar o exemplo do iCorps: os cientistas precisam sair do prédio toda semana e conversar com 10 a 15 clientes. nós os treinamos para conhecer o modelo de negócio, para fazer desenvolvimento de clientes, para construir o mVP [produto minimamente viável].
Seu objetivo é criar uma série de hipóteses sobre suas tecnologias, quem é o cliente, onde ele irá etc., e descobrir como construir um negócio com isso, em dez semanas. há duas grandes ideias por trás do programa. a primeira é que empreendedorismo é algo experiencial. Ler e ouvir sobre empreendedorismo é como ler e ouvir sobre sexo; você pode até ter uma ideia da coisa, mas toda a questão tem a ver com a prática.
Então, fazemos os alunos porem a mão na massa, saindo do prédio toda semana para falar com clientes potenciais. a segunda ideia é que você não empreende como indivíduo, mas como equipe. na universidade, são equipes de quatro pessoas; no iCorps, de três. também damos a estrutura para o aluno formular sua hipótese –o canvas de modelo de negócio– e o ensinamos a conversar com os clientes e a inovar rapidamente seu produto.
**Quando seu programa vem ao Brasil?**
[risos] assim que vocês me chamarem; estive aí há 30 anos. [risos]