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Vale: nos trilhos da inteligência artificial

Da mina ao porto de destino, passando pelas fases de beneficiamento dos minérios, transporte, blendagem, afretamento e carregamento dos navios, a inteligência artificial está presente em todas as etapas de trabalho de uma das maiores mineradoras do mundo. Até mesmo nas áreas corporativas, a IA é cada vez mais parte no negócio

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Imagine um cruzamento na linha-tronco de vários trens da Vale que transportam minérios. Ou o sequenciamento dos lotes de vagões nos viradores. Ou o sequenciamento dos navios a serem carregados com os minérios a exportar nos nossos píeres. Ou a ordem de movimentos dos equipamentos (empilhadeiras, recuperadoras e correias transportadoras) que efetuam as operações de descarga dos vagões e carregamento dos navios.

Esses movimentos são a rotina das operações de uma mineradora como a Vale e já têm sido otimizados ou planejados por software inteligente que usa técnicas de inteligência artificial (IA). Neste artigo, contamos um pouco do que vem sendo feito na empresa e dos cuidados que esse trabalho envolve.

## Onde a vale aplica a IA
Pode-se separar exemplos de iniciativas por quatro técnicas de IA: video analytics, machine learning, NLP (Processamento de Linguagem Natural) e IA generativa.

__Video analytics.__ Uma das técnicas mais amplamente usadas na Vale é video analytics. Treinamos modelos que usam redes neurais e redes neurais profundas sobre streaming de vídeo das operações. Veja algumas aplicações:
• Detecção de água livre em vagões. Um alerta é disparado e informa precisamente qual o vagão, para que um operador efetue o desentupimento do ralo. É uma importante ferramenta para o controle de umidade.
• Detecção de sujeira na borda do vagão e carga fora de centro. Dado o alerta, corrigimos imediatamente nosso processo de carregamento.
• Monitoramento da granulometria do minério após passar pelo processo de peneiramento. Ajusta em tempo real os parâmetros do equipamento para que o produto gerado obedeça às especificações desejadas.

Nas aplicações de video analytics, fazemos uso de edge computing, o que significa que o modelo treinado para a detecção do evento é executado em um equipamento muito próximo à câmera que está gerando o streaming. Ao detectar o evento, o equipamento transmite pela rede apenas o alerta e o trecho da transmissão relevante que o gerou. Tal arquitetura reduz o tráfego da rede, além de aumentar a resiliência do sistema, pois o equipamento na borda segue fazendo seu trabalho de detecção dos eventos e os transmitirá quando a rede se restabelecer.

__Machine learning.__ Utilizamos modelos de IA para identificar a forma mais eficiente de operação de nossos caminhões fora de estrada em cada segmento de nossas minas. Ao usar os dados de telemetria desses caminhões, os modelos de IA determinam qual a velocidade mais eficiente em cada segmento da mina, para cada tipo de caminhão e para cada tipo de carga. Esses modelos trazem redução no consumo de diesel e consequente redução de emissão de CO2.

Conseguimos prever com algumas semanas de antecedência a falha de equipamentos importantes. Fazemos isso aplicando técnicas de manutenção preditiva de ativos (PAM, na sigla em inglês). São algoritmos de machine learning que, ao cruzar o histórico de falhas do equipamento com sua telemetria, identificam padrões que apontam a falha iminente.

Aplicando IA, conseguimos resolver um importante problema em nossa operação de carga de navios, que era a parada da operação para aguardar resultados laboratoriais sobre o teor de umidade de uma carga em determinado porão – que levavam até três horas. Como umidade acima do limite é um problema gravíssimo de segurança, tudo parava.

Analisando os dados históricos de milhares de embarques realizados pela companhia, foi possível identificar quais variáveis têm impacto na umidade carregada. Começamos avaliando mais de mil variáveis até chegar a cerca de 40. São elas que explicam o comportamento da umidade, como tipo do protoproduto, grandezas químicas, grandezas físicas, origem, chuva no transporte, chuva na armazenagem, insolação e vento.

O modelo de IA recebe como entrada o plano de embarque do navio, que informa quais pilhas de minério vão abastecer quais porões e em que quantidades. Também recebe todo o histórico de cada uma das pilhas envolvidas no plano de embarque. Como saída, o modelo prediz a umidade em cada porão do navio, antes que o embarque aconteça, possibilitando inclusive ajustes no plano de embarque.

Durante a execução do embarque, o modelo de IA vai sendo alimentado com as parciais de umidade emitidas pelo laboratório. Importante lembrar que o resultado da umidade de cada porão feito pelo laboratório é emitido cerca de três horas após o término da operação de carregamento. Esse modelo de IA tem apresentado acurácia de mais de 95%. As paradas para espera de resultados laboratoriais são quase zero.

__NLP.__ Em muitos dos casos relatados, o mais oneroso não é a aplicação da técnica de IA em si, mas a obtenção dos dados. Sobre falhas dos equipamentos, por exemplo. Isso porque, muitas vezes, tais dados são escassos. Muitos equipamentos ainda não têm sensores, por exemplo, e as anotações são manuais. Mesmo nesses casos a IA pode contribuir. Processamos dados do módulo de manutenção (SAP PM) aplicando técnicas de NLP para obter as peças que foram substituídas e, assim, descobrir o tipo de falha.

__IA generativa.__ A inteligência artificial generativa, tão em voga atualmente, está em fase de testes em nosso ambiente. Hoje temos todos os procedimentos operacionais documentados – para acessá-los, o funcionário deve conhecer a estrutura do documento e como navegá-lo. A IAG elimina isso, pois responde a perguntas especificas sobre o conteúdo dos documentos. A ideia é integrá-la a nossos sistemas legados por meio de APIs. O colaborador vai poder, por exemplo, perguntar quais ferramentas são necessárias para a execução de uma tarefa, ver onde estão disponíveis e reservá-las, evitando uma demora desnecessária. É mais uma aliada poderosa para os funcionários.

## Os dados e as pessoas
Temos confirmado ao longo do tempo que dois dos principais desafios do bom funcionamento de IA em uma empresa são os dados e as pessoas.

A IA não anda sem dados nas fases de análise exploratória, treinamento dos modelos e aplicação prática. Os dados precisam fluir do ponto onde são gerados até o local em que serão armazenados e facilmente acessados, de modo que as análises e os treinamentos dos modelos de IA sejam feitos. Mas fazer isso pode ser algo caro e demorado. No ponto de captura e armazenamento, já encontramos atividades que são onerosas. Isso porque nem todos os equipamentos possuem telemetria, como dissemos, sendo necessário sensoriá-los. Nem todos têm conexão de rede, então é preciso conectá-los.

Para os equipamentos que cumprem esses dois requisitos, os dados gerados podem ser registrados em sistemas historiadores de dados de processo (PIMS, na sigla em inglês). Normalmente, esse sistema fica na rede de automação, separado da rede de tecnologia da informação, na qual estão conectados os cientistas de dados, analistas e tomadores de decisão. Mas fazer o dado trafegar da rede de automação para a rede de TI envolve alterações de regras de firewall e criação de uma “zona desmilitarizada” (DMZ) – e isso significa mais atividades onerosas. (Fora o fato de que, até aqui, muito esforço foi despendido e não houve atividade de IA.)

Com os dados na rede de tecnologia, aí sim podemos armazená-los em um data lake, estrutura geralmente hospedada na nuvem. É nesse momento que fica possível aplicar técnicas de IA sobre os dados, testar hipóteses, achar correlações, treinar modelos e avaliá-los.

O outro desafio são as pessoas, cruciais para a implantação bem-sucedida de aplicações de IA. É importante registrar que a IA só possui valor quando traz benefícios reais, sejam de produtividade, segurança ou financeiros. Sem entender os benefícios, o ser humano vai resistir ao que não conhece, por desconfiar de sua eficiência ou por temê-lo. É da natureza humana.

Então, é importante mostrar às pessoas que a IA potencializa seu trabalho, treiná-las e lhes garantir que elas seguem no controle e mantêm a responsabilidade pelo resultado final. E, nos casos em que uma função pode ser eliminada, é importante deixar isso claro e explicar aos eventuais atingidos as possibilidades de permanência na empresa; novas funções costumam surgir com a expansão da IA.

## O futuro
Atualmente estamos avaliando a aplicação de algoritmos em nossas operações com o objetivo de aumentar a aderência ao planejamento. Mas, e o futuro? Bem, nosso objetivo é que os centros de controle de operações (CCO) da Vale tomem decisões totalmente baseadas em dados e modelos de IA.

Como? Pense em nosso vagão instrumentado, que trafega nos trilhos capturando dados em tempo real. Um dia, ele detecta um bounce em sua caçamba maior do que o limite aceito e envia alerta ao nosso sistema de despacho. Este cria uma restrição de velocidade para a subseção de bloqueio onde o bounce aconteceu. A restrição de velocidade é enviada ao sistema de planejamento de circulação dos trens, que recalcula os cruzamentos e a consequente hora de chegada de cada composição. Isso já altera a data de carga pronta de cada embarque e o reajusta. E o CCO faz tudo.

No futuro, que já começa a acontecer, queremos aproveitar melhor os cérebros dos 70 mil humanos que são parte da Vale. Estamos disponibilizando sistemas para que as pessoas criem seus algoritmos de IA a fim de resolver seus desafios.

__Leia também: [Prazer, sou investidor-empreendedor tech](https://www.revistahsm.com.br/post/prazer-sou-investidor-empreendedor-tech)__

Artigo publicado na HSM Management nº 158.

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