Reportagem
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Um coaching para times de alta criação de valor

A International Coaching Federation (ICF) certifica este ano a primeira turma de team coaches. Diferentes dos coaches de grupo, eles têm o time como unidade-alvo, além de atuar bem em contextos de agilidade, colaboração e complexidade

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Você ainda sonha em encher sua empresa de times de alta performance? Embora esse conceito continue a povoar pensamentos e páginas de internet, é melhor não falar nele em voz alta. Com tal declaração, você corre o risco de se associar ao pensamento mecanicista e linear das revoluções industriais anteriores.

Na quarta revolução industrial e com a adoção das metodologias ágeis e responsabilidades ESG, o conceito “time de alta performance” está evoluindo para “time de alta criação de valor”. Como o nome sugere, esse novo modelo de equipe não quer que seus membros sejam máquinas de produzir resultados, e sim capazes de, juntos, criar valor para stakeholders diversos.

O pensamento linear deve ser substituído pelo olhar sistêmico sobre o trabalho à frente. É importante ter um nível elevado de engajamento com esse trabalho, e requerem-se conexões verdadeiras entre as pessoas. Só assim é possível garantir a colaboração, a coconstrução e a corresponsabilidade necessárias para a alta criação de valor – e também para ter rapidez, é claro.

Como o leitor pode perceber, é uma evolução e tanto. Vem em resposta à volatilidade, à incerteza, à complexidade e à ambiguidade que desafiam os negócios e que, embora apontadas há muito, ficaram realmente claras na pandemia e começam a acontecer em empresas de todo o planeta, de maneira mais ou menos estruturada.

Essa evolução – resumida a __HSM Management__ por Claudia Queiroz, professora do Insper e consultora de desenvolvimento humano e organizacional na rede EcoSocial – implica, na prática, uma transição nada trivial para o mundo corporativo: os times que buscavam alta performance passam a perseguir alta criação de valor. Não é uma evolução linear, paulatina e, por isso mesmo, exige grande apoio da empresa, e, de cada time, um esforço de reconfiguração dedicado.

## Nasce uma nova modalidade
Talvez você já tenha até feito coaching de grupo. Porém é bem menor a probabilidade de conhecer o coaching de time, mesmo que acredite saber do que se trata. Essa modalidade de desenvolvimento ganhou visibilidade nos últimos cinco anos e ainda está dando seus primeiros passos no Brasil, geralmente só com times C-level.

Estamos falando de dois coachings diferentes. “No coaching de grupo, o foco é nos aspectos individuais de cada pessoa inserida no grupo, enquanto, no coaching de time, o cliente é o grupo, que é focado como uma única unidade”, explica George Necyk, coach, consultor de desenvolvimento organizacional do EcoSocial e professor do Insper.

Também tratada no Brasil pela expressão original em inglês, “team coaching”, o novo modelo começou a ser concebido quando alguns coaches executivos entenderam que as empresas estavam dependendo cada vez mais de seus times para ter sucesso. Com base em tentativa e erro, eles foram procurando um método que alavancasse times, não pessoas. Depois, reunindo o conhecimento empírico acumulado, surgiram livros e cursos – Peter Hawkins, escreveu seu primeiro livro sobre team coaching sistêmico em 2011, *Leadership Team Coaching*. Então, a ferramenta veio ganhando visibilidade e, nos últimos três anos, a International Coaching Federation (ICF) passou a acompanhar e estudar suas práticas em diferentes regiões, analisando padrões, erros e acertos, chegando a um framework.

Em 2020, a ICF lançou a definição oficial de coaching de time, estabeleceu suas características essenciais e seus limites, inclusive comparando-o com o facilitador e o mentor de equipes. Ficou sacramentado, por exemplo, que para um time criar valor excepcional não basta que seus integrantes tenham objetivos comuns, como talvez baste no coaching de grupo; “o aspecto mais essencial é ter um propósito comum”, como descobriu Hawkins e a ICF endossou, incluindo “objetivos comuns”.

A federação materializou tudo isso ao criar, recentemente, um programa para certificar coaches nessa prática específica. A primeira turma de credenciados em coaching de time pela ICF completou o programa-piloto em agosto de 2022. Entre pouco mais de 130 credenciados no mundo, há três brasileiros: Claudia Queiroz, George Necky e Marcus Baptista, vice-presidente do conselho deliberativo da ICF Brasil. “Aprendemos a ter uma visão sistêmica”, conta ele.

Embora ainda esteja se estabelecendo, a nova modalidade parece ganhar relevância muito rapidamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, já há casos de empresas recrutando coaches de time para seu quadro fixo de funcionários, em tempo integral. “Isso também deverá acontecer no Brasil um dia”, prevê Claudia Queiroz.
## Como é um programa desses
O team coaching tem início em uma página em branco, de acordo com a certificação da ICF. Logo no primeiro encontro, o coach pergunta ao time sobre o que eles querem discutir, empoderando os indivíduos para que decidam e cocriem a agenda. Espera-se que o líder do time participe, claro, mas ninguém usa crachá na sessão. “Se há hierarquia, não há espaço para um ambiente de confiança”, avalia Baptista.

Muita confusão no mercado

Coaching de time e coaching de grupo são abordagens de desenvolvimento distintas. Marcus Baptista, VP do conselho deliberativo da ICF Brasil, explica: “No coaching de grupo, a unidade com que o coach trabalha é o indivíduo que forma o grupo. No coaching de time, a unidade-alvo do coach é o próprio time. Isso requer um olhar distinto, sistêmico”, diz.

No mercado brasileiro, há muita confusão entre os dois conceitos e, não raro, uma empresa contrata um querendo o outro. “Muitos gestores buscam a IMR-Erickson para fazer a formação de coaching de time, quando na realidade querem é coaching de grupo. E vice-versa”, diz Iaci Rios.

Outra confusão comum no mercado se dá entre coaching de time, facilitação de time e team building. Enquanto os dois últimos servem, respectivamente, para facilitar o diálogo e construir um time, “a função do team coaching é promover o crescimento do time e a ampliação de sua consciência (rumo à alta criação de valor).”

Nesse momento, o foco passa para a construção da confiança. Claudia Queiroz resume o processo em quatro etapas: (1) entendimento de onde o time quer chegar; (2) construção de acordos; (3) estabelecimento de vínculos de confiança; (4) construção de segurança psicológica, passando por modos de lidar com a diversidade, por poder ter conversas difíceis e conflitos, e por respeito.

Todo coach precisa ter um supervisor e um mentor, mas ao coach de time a ICF recomenda também um co-coach, principalmente quando o time tem mais de quatro pessoas. Devem ser dois profissionais atuando juntos e se revezando em dois papéis: enquanto um conduz as conversas e provoca o time, o outro (o co-coach) observa o funcionamento do time e as reações comportamentais, mesmo as mais sutis – como uma mudança de postura corporal ou uma expressão facial. A partir dessas percepções, o co-coach vai fazendo intervenções e trazendo suas visões para estimular o time a, em conjunto, enxergar algo específico. O grupo precisa ser tratado como um sistema vivo; para isso, os dois co-coaches estudam sua dinâmica de funcionamento e ficam alertas a crenças (as explícitas e as ocultas) e valores (verbalizados ou não).

“Não é para haver nada previamente combinado entre os dois coaches. É um jogo aberto, e todas as conversas ocorrem na frente do time, não nos bastidores”, pontua Baptista. Necyk define o co-coach como uma espécie de antena, que capta o invisível. Por isso, “ele deve ter um olhar muito sensorial”, avalia.

O método prevê de oito a 12 sessões {veja abaixo} e que a cada nova sessão se pergunte: “o que vamos trabalhar hoje?”. Isso faz do time o protagonista e o incentiva a criar clareza sobre seu propósito de existir. À medida que o programa progride, a atmosfera de confiança entre os dois coaches e o time se fortalece, com as pessoas testando seus espaços e se abrindo cada vez mais. Segundo Baptista, por volta da quinta sessão as pessoas ficam realmente à vontade. “Elas se conscientizam da bagagem e dos recursos umas das outras, e a sinergia aumenta”, completa Necyk.

Team Coaching: fatos e números

__Quando usar__. Transformação cultural (por exemplo, pró-inovação ou ESG), nascimento de empresas, aumento de produtividade (com objetivos de negócio, em relação a recursos, em liderança, em processos decisórios), maior positividade nas relações (criação de confiança, inclusão de diversidade, gestão de conflitos) etc.

__Duração__. De oito a 12 encontros com duas horas e meia cada, espaçados entre si de três a quatro semanas. Baptista crê que deve haver pelo menos dez encontros.

__Público-alvo__. Em geral, começa na alta liderança – CEO/presidente e diretores. Pode ser com diretores e gerentes e, depois, cascatear pelos níveis hierárquicos.

__Tamanho dos times__. É variável. Marcus Baptista, por exemplo, prefere times com dez a 12 pessoas, no máximo 15. Mas alguns coaches aceitam times de 25 pessoas.

__Resultados esperados__. Aumento de potência do time – na performance, na inovação, nas relações, no alinhamento de objetivos, na corresponsabilidade pelo trabalho –, com mais criatividade e maior humanidade.

Para conseguir isso, o team coach deve usar as mesmas oito competências de todos os coaches (técnicas, emocionais e éticas, como mostra o quadro acima), porém elas são desdobradas em subcompetências. Como George Necyk exemplifica, “escuta ativa” se desdobra em duas subcompetências: (1) notar como cada membro afeta a energia, o engajamento e o foco do coletivo, e (2) apontar padrões de comunicação verbal e não verbal entre os membros para identificar potenciais alianças, conflitos e caminhos de crescimento. À aquisição das oito competências, é acrescentado o desenvolvimento de visão sistêmica.

Competência Definição
A. Fundamentos 1- Demonstra a prática ética Compreende e aplica de forma consistente a ética e os padrões de coaching.
2- Incorpora a mentalidade de coaching Desenvolve e mantém uma mentalidade aberta, curiosa, flexível e focada no cliente.
B. Cocriação do relacionamento 3- Estabelece e mantém acordos Estabelece parceria com o cliente e as partes interessadas relevantes para criar acordos claros sobre relacionamento, processo, planos e metas de coaching. Estabelece acordos para o processo geral de coaching, bem como para cada sessão de coaching.
4- Cultiva confiança e segurança Estabelece parceria com o cliente para criar um ambiente seguro e de apoio que permita ao cliente compartilhar o que sente, pensa e faz livremente. Mantém um relacionamento de respeito e confiança mútuos.
5- Mantém presença Está plenamente consciente e presente com o cliente, empregando um estilo franco, flexível, equilibrado e confiante.
C. Comunicação eficaz 6- Escuta ativa Concentra-se no que o cliente está e não está dizendo para entender plenamente o que está sendo comunicado, no contexto e nos sistemas do cliente – e para apoiar a autoexpressão do cliente.
7- Evoca conscientização Facilita descobertas e aprendizados do cliente usando ferramentas e técnicas como questionamento poderoso, silêncio, metáfora e analogia.
D. Cultivo do aprendizado e crescimento 8- Facilita o crescimento do cliente Estabelece parceria com o cliente para transformar aprendizado e descobertas em ação. Promove a autonomia do cliente no processo de coaching.

“Esse set de competências e subcompetências pode ser treinado”, garante Baptista. No Brasil, há cursos acreditados pela ICF para fazer isso, como os de EcoSocial e IMR-Erickson. Na IMR já há fila de espera da próxima turma. “Faço uma turma por ano”, conta a coach Iaci Rios, diretora da IMR e da Erickson Brazil, que atua há sete anos como team coach da alta liderança.

“O team coaching está só começando”, garante Claudia Queiroz. Para ela, ainda vai avançar muito, como foi com o coaching individual. Iaci Rios concorda: “Duas décadas atrás, o coaching {individual} era usado para ‘consertar’ as pessoas; só depois, as organizações perceberam que a melhor utilização era como prática de desenvolvimento. E hoje seu uso é massivo. O coaching de time vai chegar ao estado da arte, como aconteceu com o coaching individual”.

O MUNDO EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO PEDE TIMES EMPRESARIAIS NO ESTADO DA ARTE, que atinjam os objetivos com rapidez e sem trair propósito e valores. O team coaching pode ajudar a alcançar tal diferencial competitivo.

[*__Confira a tabela completa com as competências e subcompetências do coach de time.__*](https://www.revistahsm.com.br/post/diferencas-de-coaching-de-equipe-estendendo-a-estrutura-das-competencias)

Aplicação prática: Aperam Bioenergia
Coaching de time aumentou a entrega de valor das equipes da empresa

Alinhar objetivos e expectativas, além de construir uma visão em comum. Foi esse o objetivo principal quando Edimar de Melo Cardoso, diretor de operações da Aperam BioEnergia (subsidiária da Aperam South America, antiga ArcelorMittal Inox), contratou o coach de time Marcus Baptista no início de 2021. O trabalho teve duração aproximada de 12 meses, sendo que os oito primeiros meses envolveram Melo Cardoso e seus oito gerentes executivos. Esse time construiu um “bloco maciço”, com as diretrizes de onde queria chegar até 2030.

“Depois avaliamos e vimos a importância de envolver coordenadores (que são 35), e cascateou para os supervisores (mais 65 pessoas)”, conta o diretor. Fazia todo o sentido: o time inicial, no topo da cadeia hierárquica, construiu valores e acordos, assim como a forma de trabalho, e era significativo ouvir os demais níveis. Depois de escutar coordenadores (com gerentes como protagonistas) e supervisores (coordenadores como protagonistas), foram construídos e refinados novos acordos e alinhamentos.

O diretor resume que o aprendizado é olhar para dentro de si mesmo, do “eu”, mas como o “eu” olha para o time, como contribui e o influencia. “O início é difícil, é preciso desbloquear para reconhecer nossas deficiências de frente ao time. Com amadurecimento, foi aumentando a empatia. E saímos fortalecidos”, revela.
Agora, sem o team coach do lado, os frutos estão sendo colhidos. “Estou percebendo que as reuniões são mais eficientes, com os acordos feitos. As pessoas estão mais objetivas. Antes, as discussões eram calorosas e pobres; agora são calorosas e ricas”, avalia Cardoso, completando que a comunicação, em todos os níveis, melhorou. Além disso, a força está sendo canalizada para soluções e produtos, pontua ele.

Uma das competências bastante trabalhadas no coaching de time foi a escuta ativa, o que desbloqueia o potencial das pessoas. “Motivamos o feedback 360°, mas com método. É um processo: escuta, fala com amor, com empatia, para entender o papel de cada um”, conta Cardoso.

Durante o programa de team coaching, foram necessárias duas substituições – essas pessoas tiveram falta de alinhamento, segundo o diretor, e foram colocadas em outras áreas (uma delas inclusive era gerente e passou a ser coordenador). “O team coaching escancarou isso.”

A Aperam BioEnergia, conforme conta Cardoso, o qual se reporta diretamente ao presidente do grupo, Frederico Ayres Lima, tem uma governança robusta e buscava um alinhamento desde que houve uma virada de chave cerca de cinco anos atrás. Era preciso clarear como o time se enxergava agora, mantendo a fortaleza que foi construída e identificando os pontos que poderiam melhorar.

Vale lembrar que, em julho de 2022, a Aperam BioEnergia se tornou a primeira empresa brasileira a vender certificados de remoção de carbono, graças a ter retirado 1,1 mil toneladas de CO2 e excedentes da atmosfera, com a aplicação de Biochar (subproduto do carvão vegetal de eucalipto produzido por ela mesma) no solo de suas florestas renováveis.

Reportagem publicada na HSM Management nº 154

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