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Reinventando o sindicato no mundo em disrupção

Enquanto as empresas se adaptam mais rapidamente ao espírito do tempo que afeta fortemente a estrutura de trabalho, o mesmo não pode ser dito das entidades sindicais, principalmente aquelas que representam os empregados

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Quando escrevi este artigo, o site do Ministério do Trabalho e Emprego contabilizava exatamente 17.631 sindicatos registrados. Desses, 12.224 eram de empregados e 5.406 de empregadores. Sim, há no Brasil um sindicato para cada 17 mil pessoas. Para comparação, os Estados Unidos têm 130 sindicatos para 329 milhões de habitantes.

Esse número de entidades, somado ao fato de a reforma trabalhista ter reduzido o financiamento obrigatório dos sindicatos, gerou a expectativa do surgimento de uma nova visão sindical. Afinal, seria necessário que aquelas pessoas que antes eram obrigadas a contribuir fossem substituídas por contribuintes voluntários, os associados.

O futuro dessas entidades era claro: para convencer os não associados, seria necessário ofertar algo. No entanto, após cinco anos da reforma trabalhista, esse novo sindicato ainda não se fez presente.

Para uma nova visão sindical, as entidades precisam se reinventar. Por sua longevidade, espera-se que, no futuro, sejam entidades representativas, mas só isso não basta. Seus associados precisam ver vantagens para quererem se associar e manter esse vínculo. E uma entidade sindical deveria ter muitos outros benefícios além de estruturas de lazer (o que poucos possuem). Imagine um sindicato que pudesse oferecer aos associados a real preocupação com as pessoas que representam. Esse é o caminho que precisam percorrer.

## Criando valor além do básico
Eis alguns exemplos. Como o futuro exige o estudo contínuo, então seria desejável estimular o lifelong learning voltado para as novidades da atividade econômica que a entidade representa (o que não é nada difícil de se fazer). Outra alternativa pode ser o suporte no período de desemprego, com banco de vagas e atualização do associado para o futuro por meio de cursos. E, reconhecendo que o período de desemprego é realmente desafiador, quem sabe incluir uma assessoria de carreira, coaching e acompanhamento psicológico?

A oferta não precisava parar por aí: plano de saúde, ou quem sabe um centro de especialidades médicas e odontológicas, para se desejar o mínimo. Ainda no plano do bem-estar, uma academia bem estruturada também poderia vir no pacote.

Educação não precisa ser exclusiva para adultos: filhos dos associados também poderiam se beneficiar e, de quebra, mães e pais poderiam ter o alívio e a segurança de contar com a oferta de escolas e creches de boa qualidade, convênios com universidades, e quem sabe até preparar e iniciar as novas gerações em uma profissão. As entidades podem ainda incentivar a pesquisa em seus setores, fazendo parte de hubs de pesquisa e inovação nos polos tecnológicos que surgem diariamente pelo Brasil. Por fim (pelo menos aqui), ofertas de crédito também seriam bem-vindas. Algumas entidades sindicais mais estruturadas e fortes no Brasil até dispõem de algumas das opções acima, mas quem as conhece?

## Sindicatos digitais
O futuro também direciona as entidades para a digitalização de informações e serviços disponíveis. Pouca informação está disponível online e a comunicação ainda é muito deficitária, sem o uso de ferramentas gratuitas disponíveis nas redes sociais ou em grupos nos aplicativos de conversa.

Digitalizar poderia inclusive melhorar e facilitar a participação do associado nas atividades sindicais. Imagine a atualização das assembleias, feitas por videoconferência, com acesso e voto online, ou mesmo na modalidade híbrida (opções não faltam para viabilizar essa migração). As decisões deixariam de ser tomadas por poucos participantes (outra reclamação recorrente).

Iniciativas simples como essas poderiam fazer nascer entidades representativas e úteis, uma sensação pouco existente hoje na mente dos possíveis associados, algo que percebo nas interações que tenho com empregados durante aulas e palestras. A mudança é necessária, pois os números de associados estão em queda. Segundo o IBGE, em 2019 apenas 11,2% de empregados eram efetivamente associados aos sindicatos, índice que diminui ano a ano.

## Transformação do trabalho
Contribuindo com esse cenário, temos ainda a crescente modificação do próprio modelo de trabalho, o que dificulta a sindicalização. O empregado não está mais concentrado em um único local.

Os modelos de trabalho home office e híbrido, antes adotados com certa resistência pelas empresas, foram inseridos forçosamente pela pandemia e agora, depois de comprovada sua eficiência, foram incorporados por elas e principalmente pelos empregados.

Se trabalhar à distância é possível, então também é possível morar em locais mais agradáveis, longe dos grandes centros e, às vezes, mais próximo da família. Essa distância pode inclusive ser internacional ou intercontinental, com empregados sendo recrutados, em algumas áreas do País, por empresas estrangeiras. Nesse caso, o empregado nem será sindicalizado no Brasil; poderá se filiar a sindicatos estrangeiros (efetivos e atuantes) e receber em moedas estrangeiras mais valorizadas frente ao real.

Tal opção está disponível também para as empresas brasileiras, que podem contratar empregados em outros países, trabalhando em home office. Boa sorte aos sindicatos brasileiros se a moda pegar, porque se já é difícil conseguir afiliados no Brasil, imagine se precisarem buscar afiliados estrangeiros.

Essa realidade só não é mais presente nas empresas brasileiras pelo receio da burocracia, que foi muito reduzida nos últimos anos pelos avanços da legislação do trabalhador imigrante. Melhorias nos serviços governamentais também facilitaram esse tipo de contratação. Há um portal específico para isso, o MigranteWeb, que permite regularizar a oferta de trabalho ao estrangeiro em poucos cliques, enquanto o eSocial (portal de registro das relações de trabalho) já está totalmente adaptado para essa possibilidade.

Mais trabalho terá o próprio empregado estrangeiro que precisará repatriar o salário pago pela empresa brasileira para seu país. Ou não, afinal as criptomoedas são utilizadas já há alguns anos para esse tipo de transação pelo mundo. Há também a possibilidade de transferências, facilmente efetuadas pelas próprias instituições financeiras. Alguns bancos brasileiros permitem o saque em outros países no caixa eletrônico.

Outro efeito da transformação que afeta o trabalho é o empreendedorismo, que também alterou o dia a dia das entidades sindicais. Muitas pessoas não querem mais um vínculo formal, uma carreira longa fazendo as mesmas atividades. Preferem ser nômades digitais, prestar serviços por meio de pequenas empresas nas quais façam o próprio horário, ter vários clientes em muitos lugares. Esse modelo de profissional tem um vasto campo de trabalho e, diante de tais características, não vai se afiliar a uma entidade sindical que tem base territorial de um município.

Os desafios para as entidades não acabam. A longevidade do profissional tem levado a muitas transições de carreiras; ninguém mais precisa nascer engenheiro e se aposentar nessa função. Tal elasticidade profissional, junto com a consolidação da tendência das carreiras múltiplas, também afeta as entidades que, de acordo com a legislação brasileira, precisam estar vinculadas a uma única atividade econômica.

A própria atividade econômica, em constante transformação, afeta as regras das entidades sindicais. O Uber é transporte ou tecnologia? O Airbnb é hotelaria, tecnologia ou imobiliária? O Mercado Livre é tecnologia, intermediário, varejo ou logística? As atividades econômicas se transformam em atividades múltiplas, mudando toda a lógica das entidades sindicais, construída em 1946.

Discussões e embates sobre capital e trabalho travados pelos pensadores dos séculos passados – e que foram embriões das entidades sindicais – insistem em ressurgir, porém não fazem nenhum sentido nesse novo formato de mundo e não auxiliam a necessária transformação das entidades. Perde-se tempo com teorias ultrapassadas e não se busca compreender esses novos movimentos, irrefreáveis e inevitáveis.

A modernidade é líquida, já afirmou Zygmunt Bauman, levando à necessidade de incorporar a tecnologia, assim como de atualizar as relações entre entidades e representados. Vivemos tempos de compartilhamento, cocriação, colaboração, transformação, e toda a transição vivenciada pela humanidade nos últimos anos fatalmente se refletirá na representatividade exigida dessas entidades.

Artigo publicado na HSM Management nº 154

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