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Estratégia acontece todos os dias

Parte das ferramentas do sistema lean, o gerenciamento diário se mostra relevante ao favorecer a inteligência coletiva e um tempo de resposta rápido aos problemas

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Com a dinâmica dos negócios exigindo mais adaptabilidade, fica mais difícil para as empresas executarem a estratégia, algo que já existia, mas se acentuou no presente. De forma geral, isso ocorre pela ausência de um sistema de gerenciamento capaz de garantir a execução.

É frequente encontrarmos sinais de que processos – e os resultados esperados – não aconteceram como planejado. Pior: de que as pessoas não souberam ou nem mesmo perceberam o ocorrido. Quando os problemas são notados, já é tarde demais, com danos enormes e, por vezes, irreversíveis.

A aplicação do modelo de gerenciamento diário, ou GD, uma das essências do sistema lean, ajuda a evitar tal impacto a partir de uma série de conceitos e práticas que estruturam e tornam ágil o processo de solucionar problemas em toda a companhia. Colocado em prática da forma correta, garante que todos os colaboradores da organização atuem, todos os dias, para identificar, expor e resolver os desvios logo que surgem, de acordo com a orientação estratégica.

Existem duas abordagens de gerenciamento diário. A operacional foca processos localizados e envolve equipes específicas. A gerencial, de ação mais estratégica e abrangente, envolve diferentes times na busca por problemas e soluções e melhora múltiplos processos como um todo.

O GD estabelece uma rotina organizada e planejada nas diferentes áreas da empresa. Todos os colaboradores são divididos em pequenos grupos que se reúnem diariamente, de forma presencial, digital ou híbrida, para discutir os processos e os resultados não atingidos em comparação ao planejado. Devem pensar e executar contramedidas para corrigir desvios. A estrutura simples permite saber todos os dias o que acontece na companhia, revelando gaps e implementando soluções rapidamente.

Os resultados que coletamos na aplicação do GD em pequenas, médias e grandes organizações são relevantes. Uma manufatura de embalagens, por exemplo, obteve aumento de 90% de receita, 70% na produtividade e 20% nas entregas no prazo. Uma organização da área hospitalar obteve redução de 70% no tempo de espera de pacientes para internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o que, provavelmente, ajudou a salvar vidas. Em serviços, houve ganho de 130% de produtividade no desenvolvimento de software de uma empresa de tecnologia para um banco. E um grupo educacional aumentou em 32% o índice de satisfação de clientes. No entanto, seu uso estruturado e eficiente ainda é pouco comum.

## Flexível e adaptável
Dois motivos tornam o GD relevante. Um deles é que torna a empresa mais flexível e adaptável ao permitir o ajuste da estratégia sempre que necessário. Organizadas horizontalmente, todos os dias as equipes revelam problemas, executam contramedidas e medem os impactos com maior velocidade do que nos modelos organizacionais estruturados em silos. Ao emergir com mais frequência, os problemas são tratados logo nos primeiros sintomas.

O outro é a mudança cultural que ele proporciona depois de estar implementado e consolidado. Isso porque engaja todas as pessoas e envolve todos os processos de forma horizontal e colaborativa, alinhada e conectada às prioridades indicadas pelo desdobramento da estratégia, que só é eficaz se for conhecida e executada pelas pessoas. Ao criar um acompanhamento constante, o GD corrige um dos gaps mais comuns nas empresas: a ênfase na formulação da estratégia, sem desdobrá-la para as equipes e fazendo apenas acompanhamento aleatório – isso quando é feito.

Uma das partes essenciais do GD são as reuniões diárias. Para cada processo relevante, é estruturado um grupo de cinco a sete pessoas diretamente relacionadas com o trabalho. Esse grupo completo participa de reuniões diárias, curtas e objetivas, capitaneadas pelas lideranças da área, para avaliar a performance obtida nos processos versus o que era esperado ou desejado.

Tais reuniões devem ocorrer em frente a quadros físicos ou virtuais com indicadores-chaves que revelam, de forma simples e didática, o que está ocorrendo de fato versus o que deveria acontecer. Todas as pessoas podem claramente identificar os problemas, para, em grupo, entender e discutir como resolvê-los, se possível na mesma hora, ou encaminhar a resolução, em casos mais complexos. A frequência diária faz com que o tempo entre a ocorrência e seu tratamento seja curto, e ajuda a resolver o desvio assim que ele se origina.

Um GD bem planejado e executado gera ambiente propício e eficaz para enfrentar os problemas que prejudicam a performance, evitando surpresas. Cria-se um ambiente de trabalho no qual o desempenho esperado é claramente visível, tornando a estratégia real para todos os colaboradores. Para que isso ocorra, um GD precisa ser composto, em cada setor, de três blocos essenciais: o compromisso, as variáveis de controle e a solução de problemas.

## O compromisso
Em resumo, indica o que uma área deve entregar com os recursos disponíveis. O compromisso especifica o trabalho e a responsabilidade de cada pessoa, de acordo com os desdobramentos da estratégia. Deve resumir, de forma clara para os participantes do grupo, o propósito do setor traduzido em objetivos, metas e indicadores. Importante: não se deve confundir o propósito das diferentes áreas da empresa com o propósito geral da companhia.

A organização pode definir, por exemplo, propósitos prioritários para um ou dois anos, o que chamamos de “norte verdadeiro”, uma espécie de bússola que orienta a empresa na direção desejada. Cada área, no entanto, define seus propósitos específicos conectados a esse propósito maior. Nesse contexto, o compromisso contém também metas, na forma de indicadores, desdobradas da estratégia. Com isso, cada área ajuda a concretizar o norte verdadeiro da empresa.

É fundamental que cada área defina de forma precisa e clara qual é o valor a ser entregue aos clientes, sejam internos ou o cliente final. Por exemplo, em um hospital com norte verdadeiro de “garantir assistência médica com qualidade para salvar vidas”, a farmácia tem o propósito específico de “entregar medicamentos e insumos médicos na hora certa, no local certo, na quantidade certa e sem erros”. E assim contribui com o propósito do hospital.

Entendendo o propósito de sua área com profundidade, os colaboradores se conscientizam do porquê de seu trabalho e do modo como estreitar essa conexão. Com isso, aumentam seu engajamento e seus resultados. O foco no cliente é enfatizado no GD, que ainda reforça a segurança psicológica e a união de todos em torno do propósito.

O compromisso define os recursos necessários para viabilizá-lo. Pode ser preciso rever capacidades individuais, recursos alocados, papéis e responsabilidades. Ele deve ser autêntico, legítimo, fruto de discussão franca e de real consenso entre todos.

Os 7 elementos essenciais do GD

Juntos colaboram para a resiliência da empresa

Defina o compromisso
Este deve ser claro, objetivo e relevante para o norte verdadeiro que
se pretende atingir com o GD, fruto do desdobramento da estratégia.

Estabeleça as variáveis de controle
Os indicadores monitorados devem mostrar didaticamente o que é desejado e o que ocorre de fato.

Estruture o sistema de soluções de problemas
No local de trabalho (o gemba), a partir das obeyas (espaços visuais de gestão do projeto), a equipe discute diariamente problemas, causas-raízes e soluções, com apoio de cadeia
de ajuda.

Desenvolva a dinâmica de reuniões
Diferentes das tradicionais, elas devem promover discussões objetivas, rápidas, focadas, sem medo, para revelar problemas e experimentar soluções, com profundo respeito às pessoas.

Transforme mentalidades e atitudes de líderes e liderados
Líderes trocam o comando e controle pela postura de mentores/apoiadores; liderados, a postura passiva pelo olhar crítico e pela busca cotidiana de revelar e resolver problemas.

Cadencie o ritmo da resolução de problemas
É o coração de um GD: colocar todas as pessoas da empresa inteira diariamente revelando e discutindo problemas, disseminando soluções e resultados por toda a companhia.

Aprofundar o GD como uma das bases da gestão lean
O GD é uma das essências do sistema lean e deve ser acompanhado por conceitos e práticas que visam a eliminação de desperdícios e a maior agregação de valor em todos os processos de uma organização.

## Variáveis de controle
Segunda base do GD, as variáveis de controle tratam dos principais indicadores de desempenho de cada área, sejam quantitativos ou qualitativos. Bem escolhidas e frutos das metas estratégicas gerais, elas serão efetivamente medidas e gerenciadas todos os dias, o que é o coração de um GD. As metas diárias – o pulso de cada processo – representam o valor a ser entregue todos os dias.

Medir um processo pode variar ao longo do tempo, e a definição das variáveis é fundamental para garantir que o processo evolua. É necessário um método claro, consistente e preciso, ditado pela natureza do processo e pelas necessidades geradas pelo propósito. Variáveis típicas de processos organizacionais quase sempre têm a ver com quantidades, qualidade ou tempos.

Em uma manufatura, por exemplo, os indicadores podem envolver o número de produtos adequados por hora na linha de montagem ou o número de horas paradas das máquinas na manutenção. No financeiro, o número diário de contas pagas ou a receber. E um setor médico pode controlar a temperatura e a pressão do paciente, enquanto uma cozinha mede o tempo de cozimento e a temperatura do forno. Com o GD, os dados são coletados e analisados diariamente, ou mais vezes, se for preciso.

## Solução de problemas
Este terceiro e último bloco do GD é o motor que dá energia e vigor a todo o processo. Ele garante o desempenho esperado ao eliminar os desvios.

O uso da gestão visual permite que todos saibam o que é o real em contraposição ao desejado em todos os processos. Sempre que um resultado fica fora da meta, aciona-se a dinâmica de solução de problemas, garantindo o compromisso estabelecido. Os vermelhos expostos tornam os problemas explícitos e são o ponto de partida para o processo de solução em busca do verde.

A atitude frente aos problemas é tão importante quanto ter as habilidades técnicas para resolvê-los. Mentes abertas ao aprendizado, estimuladas por lideranças desafiadoras e apoiadoras ajudam a criar o ambiente adequado. Os líderes precisam possibilitar a segurança psicológica, para que as pessoas não tenham medo de se expressar. Isso não significa criar um ambiente camarada, no mal sentido do termo, em que tudo está sempre bem, sem conflitos e divergências. Significa, sim, que os colaboradores precisam se sentir seguros para dar más notícias, expressar opiniões diferentes, sem preocupação com a opinião dos outros, em particular a do chefe. Os julgamentos sempre devem estar orientados pelo propósito e pelo que importa aos clientes, e não por quem tem determinada opinião.

## Accountability
Por tudo isso, em grandes empresas, um GD bem executado é o principal aliado do accountability, conjunto de práticas nas quais os gestores prestam contas sobre suas ações e, assim, podem ser responsabilizados pelo que fazem – a “prestação de contas”. Isso porque revela, para quem quiser ver, uma imagem clara, didática e atualizada da evolução do negócio. Torna a estratégia viva, ao revisitá-la todos os dias.

É notável, também, seu impacto nas pessoas, ao conectar o desempenho individual e das equipes aos objetivos do negócio. Aumentando sua consciência sobre a contribuição dada à organização, o GD ajuda a mudar a cultura, reforçando a gestão baseada em dados e fatos. Resgata uma atitude proativa frente a problemas. Assim, apoia o desenvolvimento das equipes e das lideranças para assumirem a responsabilidades sobre desvios, o que também se conecta ao conceito de accountability.

Ao atacar os problemas rapidamente, o GD garante estabilidade operacional, reduzindo a variação, a sobrecarga e os desperdícios, gerando ganhos de capacidade, produtividade e qualidade, criando uma base sólida para a melhoria contínua.

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