No Brasil, um trabalho com propósito é tão importante quanto o salário. Não se trata de uma afirmação vazia, mas de um dado que atesta que, marcados pela pandemia, os últimos dois anos transformaram profundamente o modelo de trabalho. Se há algo que as empresas estão aprendendo, ou tendo de aprender, é o que realmente importa para os colaboradores. Fatores intangíveis como propósito e a possibilidade de manter a autenticidade no ambiente profissional passaram a ser tão relevantes quanto o salário para o engajamento de seus talentos.
Essa e outras questões foram vistas em nossa pesquisa *Global Hopes and Fears 2022*. Baseada nas respostas de mais de 52 mil trabalhadores de 44 países, é um dos maiores estudos do mundo sobre a força de trabalho. Escutamos as pessoas para entender o que elas estão pensando e, assim, destacar as principais tendências na gestão de pessoas.
No Brasil, o tema “salário” chama a atenção, pois “receber uma remuneração justa pelo meu trabalho” ainda é o fator mais importante a ser avaliado por 83% daqueles que pensam em fazer uma mudança de emprego. Não é uma exclusividade nossa. Salário também é o principal fator no resto do mundo, porém com uma taxa menor, de 71%. No entanto, o engajamento desses profissionais em permanecer na empresa exige mais do que apenas um aumento.
Nesse contexto, o propósito do trabalho é tão importante quanto o salário. As pessoas não escolhem um emprego apenas pela proposta financeira ou possibilidade de crescimento na carreira. Para 81% dos brasileiros, trabalho gratificante é um fator fundamental no emprego. Ser autêntico no ambiente corporativo é visto como essencial para 78% dos respondentes. Essas constatações estão alinhadas com os resultados do mesmo estudo, feito em 2021, quando 75% das pessoas disseram que queriam trabalhar para uma organização que fizesse uma contribuição positiva para a sociedade.
Os profissionais de hoje buscam experiências enriquecedoras, que promovam a flexibilidade, com um ambiente corporativo aberto à inovação e à criatividade. Esses talentos procuram, cada vez mais, empresas com valores e propósito claros e alinhados com o que eles mesmos acreditam. Os brasileiros falam mais sobre esses assuntos do que em outros países: 93% dos participantes afirmam conversar sobre temas sociais sensíveis no ambiente de trabalho. No resto do mundo, a taxa é de 85%.
Alguns gestores ainda temem que discutir essas pautas no local de trabalho crie um campo minado. No entanto, essas experiências trazem um impacto positivo na construção de confiança e empatia entre os profissionais – o que também contribui para uma cultura inclusiva. No Brasil, 41% dos participantes dizem que a empresa oferece apoio para que trabalhem de forma eficaz com pessoas que compartilham pontos de vista diferentes. No mundo, são 31%.
## O poder da especialização
A atitude quanto ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal vem mudando nas novas gerações. As pessoas buscam uma relação de confiança com a empresa, o que é mais importante para os jovens, que têm mais medo de perder oportunidades na carreira e tendem a estar menos satisfeitos com o trabalho.
Já o medo da tecnologia como uma ameaça à existência de seus empregos está diminuindo. No Brasil e no mundo, somente 30% dos trabalhadores temem que poderão ser substituídos por máquinas nos próximos três anos. Em 2019, esse percentual era de 50%.
Os dados de nossa pesquisa destacam, também, o que chamamos de empoderamento da força de trabalho. Os profissionais com habilidades especializadas são mais requisitados no mercado – e eles sabem disso. Conforme nossas análises, eles têm maior probabilidade de pedir aumento salarial (43%) e promoções (41%) nos próximos 12 meses. A boa notícia é que esses profissionais tendem a recomendar sua empresa mais vezes do que outros funcionários.
No Brasil e no mundo, estamos enfrentando a escassez de talentos: há mais vagas de empregos do que profissionais com habilidades específicas no mercado de trabalho. Com isso, a pessoa especializada reconhece que, hoje em dia, possui poder de barganha em suas mãos, o que acaba sendo mais um desafio para as empresas. Esses profissionais estão mais confiantes em falar de remuneração e propósito, algo que mostra que as organizações precisarão repensar seu modelo de gestão de pessoas e sua cultura para lidar bem com esse cenário.
Ignorar o desejo dos profissionais por oportunidade e crescimento na carreira, e deixar de compreender o que importa para eles se engajarem, é perigoso no atual clima do mercado de trabalho. Isso pode afetar até mesmo a competitividade e a sustentabilidade dos negócios. A implantação de um programa de qualificação pode ajudar na crise de recrutamento. Embora o interesse nesse tipo de aprimoramento não seja novo, ele vem crescendo nos últimos anos.
Um dado que nos chamou a atenção em nossa pesquisa é que, globalmente, 40% das empresas estão fazendo up-skilling, ou seja, aprimoramento das habilidades e de conhecimentos dos profissionais. Porém, esse número no Brasil é preocupantemente inferior: somente 27%. Desenvolver pessoas para atuar nesse contexto complexo de mundo competitivo e em constantes mudanças é cada vez mais relevante para a produtividade dos negócios.
As pessoas querem e precisam se desenvolver no contexto digital e tecnológico, mas é importante lembrar também que, embora as conversas sobre o futuro do trabalho geralmente se concentrem na automação e na nova economia digital, o upskilling não se limita à tecnologia. O conceito pode incluir tanto hard skills quanto soft skills; ele foca habilidades digitais e humanas, que ajudam as pessoas a realizar melhor o trabalho. A aprendizagem não é um processo único: ela deve ser contínua e alavancada pela cultura organizacional.
## Demandas e desejos
O peso da tecnologia e da “revolução verde” no futuro dos empregos também tem destaque na preocupação dos profissionais. Apenas um terço das pessoas dizem que a empresa as ajuda a reduzir o impacto ambiental de seu trabalho. As pessoas estão demandando que as empresas mirem além do desempenho financeiro para abordar questões de ESG mais amplas, principalmente.
Uma parcela significativa dos profissionais não identifica uma preocupação de seus líderes com bem-estar. Essas mesmas pessoas não acreditam que sejam remuneradas de forma justa ou que podem ser criativas no ambiente de trabalho. Por isso, ao reavaliar suas estratégias de talentos, as empresas precisam levar em conta essas insatisfações. O papel do líder, hoje, é relevante nesse processo e precisará auxiliar as empresas a dar significado, humanidade e impacto social à força de trabalho. Em nossa pesquisa, notamos a importância que as pessoas dão ao sentimento de satisfação em relação ao trabalho e à capacidade de serem ouvidas por seu gestor.
O aumento na taxa de desligamentos voluntários é mais uma prova dessa nova realidade. Apesar do alto índice de desemprego, um terço das demissões registradas em março de 2022 no Brasil foram voluntárias, número recorde para um único mês, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Segundo levantamento global da PwC, 19% dos profissionais brasileiros e do mundo dizem estar extremamente ou muito propensos a mudar de emprego. Além disso, a pesquisa também aponta que 64% dos brasileiros pretendem pedir aumento no próximo ano, em comparação com 57% no mundo.
Ainda de acordo com a pesquisa, 68% dos brasileiros dizem que seu trabalho requer algum nível de treinamento especializado, e 40% percebem lacunas de competências (é a quarta maior taxa do mundo). Esses dados nos chamam a atenção e corroboram o fato de que poucas empresas no Brasil estão investindo no aprimoramento de seus funcionários, algo essencial para que as pessoas exerçam suas habilidades com excelência.
A ERA DIGITAL ESTÁ MUDANDO OS NEGÓCIOS e isso altera a forma como trabalhamos e pensamos. Para alcançar o sucesso, as empresas precisam contar com suas pessoas engajadas para contribuir. Isso só será possível com o alinhamento da estratégia de talentos à estratégia de negócios e com a comunicação transparente da abordagem de capital humano. Isso muda como as pessoas exercem suas atividades, como resolvem problemas, colaboram, inovam e como se relacionam com clientes internos e externos.