Pouco tempo atrás, quase todas as empresas prometiam uma nova rotina pós-pandemia, de trabalho híbrido com dois a três dias de home office (HO) por semana.
Agora, já reduzem o tempo remoto a um ou dois dias e vêm cogitando voltar ao trabalho 100% presencial. Os argumentos variam: vão desde “flexibilidade demais tende a prejudicar a empresa” até “colaboradores 100% remotos terão perdas na carreira”. O novo livro do professor da Wharton School Peter Cappelli, The Future of the Office, corrobora ambos, inclusive. Mas será que esse redirecionamento vai dar certo?
O centro de liderança da Fundação Dom Cabral fez um estudo, em parceria com o Talenses Group, com 676 profissionais, homens e mulheres, de várias áreas e gerações. E apenas 5% dos colaboradores gostariam de voltar ao trabalho presencial como antes, com argumentos sólidos para preferir os modelos híbrido e remoto. Parece haver um risco real, portanto, de desalinhamento de expectativas entre as empresas e seus funcionários.
## Trabalho remoto: a avaliação madura
Setenta por cento dos entrevistados relataram ter ficado mais produtivos. As distrações iniciais foram sendo endereçadas ao longo do período pandêmico, e isso, somado ao não deslocamento, possibilitou maior concentração no trabalho. Um ponto de virada é que a dificuldade de “manter concentração no home office”, relatada por 34,5% dos entrevistados em pesquisa similar de 2020, caiu hoje para apenas 9,3% dos casos. Outro aspecto interessante foi essa reorganização em torno da flexibilidade. Perto de metade dos entrevistados (42,3%) adotou horários mais flexíveis de trabalho e isso os fez render mais. O almoço, por exemplo, que era sempre corrido, passou a ter uma hora ou mais para 45,4% deles, o que aumentou a produtividade depois.
Um dos principais problemas relatados em 2020 não foi percebido de maneira sistêmica em 2021. Se, em 2020, 60% dos profissionais diziam precisar comprovar entregas aos gestores, esse índice caiu para menos de 30% em 2021. Muito pelo contrário: 74,5% dos entrevistados classificaram a atuação das lideranças, nesse contexto, e sua adaptação a práticas remotas como “boa ou muito boa”. Isso significa que os líderes aprenderam a oferecer, a distância, “feedbacks confiáveis e de qualidade” (90% de respostas) e também “conversas de orientação e alinhamento” e a “disponibilização para apoio direto” (63,3% dos casos). A flexibilidade do líder para tudo isso parece ter contribuído para a percepção positiva. Prova disso é que 93,5% dos profissionais dizem se sentir bem alinhados com os objetivos e a estratégia de sua empresa/área.
A maturidade também é sentida na evolução dos ganhos associados ao home office entre o início da pandemia de covid-19 e agora. Enquanto na pesquisa de 2020 os maiores ganhos eram “passar menos estresse no trânsito” e o genérico “melhora na qualidade de vida”, em 2021 esses fatores passaram a ser “mais tempo com a família” e “poder se dedicar a projetos pessoais”.
A experiência positiva com o home office foi favorecida pelas diversas ações de comunicação realizadas pelas empresas. Em 77,5% delas tem havido eventos – como webinars, palestras, happy hour online e mentorias –, e estes são frequentados por 80,2% dos profissionais.
O ponto negativo mais destacado (por 85,1%) é o aumento da carga de trabalho e de cobrança.
## Voltar ou não voltar ao escritório?
Quanto a retornar ao presencial, a expectativa apontada pelo estudo é clara: para 73% dos entrevistados, o modelo híbrido – trabalhar alguns dias no escritório e alguns dias em casa – se adapta melhor a sua função, e 79% acreditam ser o melhor regime para a empresa como um todo. Menos de 5% dos trabalhadores veem o presencial como a melhor alternativa, e manter o home office integral é a opção de 9% dos entrevistados.
As respostas não variam nos critérios de gerações, níveis hierárquicos e sexo, porém há diferenciação de acordo com a função.
Os profissionais cujas atividades necessitam de menor interação física e que têm facilidade de acesso remoto a sistemas e ferramentas foram os que mais relataram ganhos de produtividade no home office. Deles, 42% desejam manter o home office integral e 56% preferem o regime híbrido – no caso das pessoas que trabalham com tecnologia da informação e ferramentais digitais (26% do total), 100% preferem o trabalho remoto. Já entre os profissionais de recursos humanos, no outro extremo, 83% julgam mais efetivo o regime híbrido, com presença regular nos escritórios, por sua atividade demandar contato constante com a empresa e mais proximidade com os demais funcionários. Em finanças, ocorre algo parecido. Manter o home office integral é a preferência de apenas 3% das pessoas dessa área.
De maneira geral, as empresas estão alinhadas com as preferências dos profissionais: 75% delas anunciaram a adoção do regime híbrido nesse retorno (preferido por 73% das pessoas). O indicador sobe a 85% para a área de RH e cai para 62% para as de operações/tecnologia.
## Qual o nível de flexibilidade na volta?
Trinta e dois por cento das empresas da nossa amostra ainda não se posicionaram em definitivo sobre o que será esse retorno, uma proporção que pode refletir o que está acontecendo no Brasil. Nessas organizações, dois terços de seus trabalhadores preferem um regime híbrido de trabalho e um terço quer só home office. Descobrimos quatro fatores relevantes para o processo de decisão:
__1. Níveis de experimentação e aprendizados.__ Para 60% dos profissionais, as organizações não enfrentam mais problemas de adaptação ao trabalho remoto – ou seja, o grau de efetividadade do home office é elevado. Nesse cenário, a retomada do trabalho presencial integral traz o risco de se jogar fora todo esforço e os aprendizados quanto a novas dinâmicas de trabalho, assim como investimentos – tanto em capital humano quanto físico – para ajudar os colaboradores a trabalharem em casa com mais eficiência. Propomos, então, algumas perguntas para nortear tais decisões:
– Quanto dinheiro a empresa e seus funcionários investiram em infraestrutura de HO?
– Quantas horas a empresa e seus funcionários investiram para aprender a trabalhar em casa de forma eficaz?
– Quanto desses investimentos e aprendizados podem trazer benefícios e ser fontes de vantagem competitiva depois da pandemia?
__2. Maturidade das práticas de gestão.__ Quase 84% dos profissionais acreditam que suas lideranças se adaptaram bem à gestão remota; 74,5% consideram que a comunicação com a gestão é “boa ou muito boa”; e 70% afirmaram ter recebido feedbacks de desempenho. Chama a atenção que 90% dos respondentes desse grupo consideraram suas avaliações “boas ou muito boas.”
Houve reforço das práticas de gestão. O número crescente de empresas que renunciaram a algum controle, negociando acordos e adotando avaliação de performance mais a partir das entregas e menos pelo controle de tempo, mostra que não há razão para descartar o regime híbrido de imediato. Use as seguintes perguntas para avaliar a maturidade das práticas de gestão:
– Como suas equipes se sentem em relação a sua forma de avaliar o trabalho e os resultados de maneira remota?
– Suas equipes se sentem bem alinhadas com as atividades de sua empresa?
– Como você avalia o desempenho de suas equipes no regime de trabalho remoto?
– Como você considera sua liderança no regime de trabalho remoto?
__3. Novas formas de trabalho.__ Pense em como o trabalho é realizado para decidir a melhor frequência de híbrido para sua realidade, frente ao desafio de redefinir atividades e funções mais críticas. Mesmo com a produtividade sendo mantida, há fatores que interferem nela, e um dos que têm mais peso, segundo a pesquisa, é a necessidade de contato e cooperação – algo que diminuiu no trabalho remoto, segundo 44% dos entrevistados.
Ao determinar o grau adequado de flexibilidade em sua empresa, busque identificar as funções e tarefas mais críticas do negócio, os impulsionadores principais de produtividade para as atividades críticas, as funções-chave que as equipes executam e as necessidades de energia, foco, coordenação e cooperação. Em seguida, considere como esses motivadores serão afetados por mudanças nos arranjos de trabalho em relação ao tempo e ao local.
__4. Preferências dos funcionários e responsabilidade com a saúde mental.__ Excesso de trabalho e dificuldade em separar vida pessoal e profissional têm proporcionado níveis de estresse inéditos. Tanto é que 18% dos entrevistados querem que a empresa auxilie os colaboradores a separar vida pessoal e trabalho.
Seja como for, é necessário adotar ao menos práticas que mantenham a saúde mental dos profissionais. Para definir o pós-pandemia, deve-se lembrar que a capacidade de uma pessoa operar com produtividade máxima e se realizar no trabalho varia drasticamente de acordo com a percepção de que as preferências pessoais são respeitadas, de que se tem mais controle, autonomia, bem como influência nas decisões e responsabilidades.
Ao definir as melhores configurações híbridas para suas equipes, pergunte:
– Como é o seu espaço de trabalho e contexto familiar no home office?
– Qual frequência você acredita ser a ideal para trabalhar em home office?
– Quais são os principais fatores que afetam seu bem-estar?
Não HÁ resposta única para o que fazer nesse cenário. Cada empresa precisa descobrir a sua – os dados e as perguntas deste artigo devem ajudar. Mas uma coisa é certa: quem achar o modo de gerir melhor seu capital humano será, com certeza, um pioneiro do mercado no futuro.