Assunto pessoal

Não é o que se pergunta, mas quem faz a pergunta

A filósofa e consultora dinamarquesa Pia Lauritzen propõe uma dança de perguntar-e-responder, em que líderes e liderados troquem de lugar. Quatro medidas ajudam

Compartilhar:

Por volta do ano de 375 a.C., Platão, o filósofo grego, disse que devíamos ensinar para as crianças a maneira certa de fazer perguntas e de responder a elas. Isso acabou levando a uma crença de 2.400 anos de que algumas perguntas são mais inteligentes do que outras. E, pior, de que algumas pessoas têm mais direito a fazer perguntas do que outras.

A dinamarquesa Pia Lauritzen, filósofa, inventora, advisor de executivos e cofundadora de uma empresa de tecnologia, vem desconstruindo esse conceito. Em 2019, por exemplo, quando fez seu TEDx The Power of Questions, ela contou como isso começou – a dificuldade de comunicação com o filho adolescente, em que ela lhe fazia perguntas e não obtinha respostas, levou-a a pensar sobre quais seriam as perguntas certas para obtermos as respostas que importam em qualquer circunstância, inclusive no ambiente empresarial. Num artigo recente para a strategy+business, ela sugere que o problema começou justamente em Platão: as perguntas são sempre feitas pelos líderes, seja diretamente ou em surveys – e as respostas tendem a ser como as de seu filho adolescente – “hmm”.

Lauritzen mostra quão cristalizado esse hábito está na sociedade. Nos tribunais, nas salas de aula ou onde quer que haja notícias, temos um contrato tácito de que apenas advogados, professores e jornalistas têm o direito de fazer perguntas. Em um contexto de negócios, esse direito tem sido desfrutado principalmente por líderes corporativos e pelo RH. Os funcionários têm de responder a muitas perguntas – em surveys, entrevistas, sessões de coaching –, mas raramente são convidados a fazer perguntas proativamente.

Nos últimos dez anos, talvez desde um artigo de Chris Musselwhite e Tammie Plouffe publicado na Harvard Business Review a esse respeito, tem ficado cada vez mais forte o mantra de que “os líderes que fazem as perguntas certas obtêm as respostas certas para tomar as decisões certas”. Mas a verdade, garante Lauritzen, é que essa sabedoria convencional é falsa e pode prejudicar as empresas. O bom líder não deve privar os funcionários da oportunidade de fazer perguntas e refletir sobre suas funções; ao contrário, deve estimulá-los.
A filósofa, fundadora da Qvest (fala-se “quest”), uma plataforma para o alinhamento estratégico, propõe três caminhos para os líderes liberarem
o “verdadeiro poder das perguntas”:

## 1. Direcionar a atenção de todos para o mesmo problema ao mesmo tempo.
Se os líderes fizerem da reflexão parte do processo de tomada de decisão, há mais tempo do que você pensa para questionar iniciativas. Quando uma empresa vai lançar um novo produto ou processo, seus gestores podem, sim, buscar insights dos funcionários sobre o que está funcionando e o que precisa ser melhorado. Quanto menos tempo as pessoas em uma organização fazem perguntas, maior o risco de fazerem coisas que não têm impacto.

## 2. Convidar todo mundo a perguntar e ancorar as perguntas no cotidiano.
A crença de que existem perguntas certas e erradas está entranhada em tudo que fazemos; é preciso providenciar um detox disso. Quando medimos o engajamento dos funcionários, o desempenho, as surveys, estamos sempre partindo de perguntas feitas pelo RH e pelos líderes, em cima do pressuposto de que eles sabem quais as perguntas mais importantes. Para Lauritzen, abrir espaço para que todos façam perguntas aumenta o impacto. E esse exercício não deve ser desvinculado das preocupações cotidianas dos funcionários.

## 3. Usar os dados para garantir que todos estejam na mesma página.
Os dados conversacionais e comportamentais são analisados e compartilhados. Entre os dados observáveis, segundo Lauritzen, estão o tipo de pergunta, a frequência de palavras-chave, a distribuição de perguntas entre equipes e assim por diante. Uma ferramenta de inteligência artificial – como há na Qvest – ajuda a navegar nos resultados.

__HSM Management__ perguntou a Lauritzen como se consegue trazer essa visão para líderes comando e controle – que ainda seriam muitos nas empresas brasileiras, segundo os levantamentos. “Eu não acho que você consegue persuadir líderes de comando e controle a fazer isso. Você pode é aumentar a curiosidade deles e, assim, inspirá-los a adotar novas formas de trabalho”, disse ela, sugerindo três maneiras de fazer isso:
1. Identificar os problemas mais importantes com que estão lidando.
2. Compartilhar exemplos – mesmo internacionais – de como outros líderes de sucesso usam perguntas dos funcionários para resolver problemas semelhantes. (Lauritzen cita a fabricante dinamarquesa de bombas d’água Grundfos, cliente da Qvest.)
3. Desenhar um processo que torne fácil e sem riscos envolver os colaboradores na solução de problemas.

Como afirma Lauritzen em sua palestra no TEDx, perguntas e respostas podem gerar mais impacto se isso for parecido com uma dança em que os parceiros vão trocando de posição.

__Leia mais: [Uma nanoferramenta de equipe contra o burnout](https://www.revistahsm.com.br/post/uma-nanoferramenta-de-equipe-contra-o-burnout)__

Compartilhar:

Artigos relacionados

Transformação Digital
29 de abril de 2025

Italo Nogueira de Moro e Thiago da Silva Gonçalves

5 min de leitura
ESG
Brasil é o 4º país com mais crises de saúde mental no mundo e 500 mil afastamentos em 2023. As empresas que ignoram esse tsunami pagarão o preço em produtividade e talentos.

Nayara Teixeira

5 min de leitura
Empreendedorismo
Reinventar empresas, repensar sucesso. A megamorfose não é mais uma escolha e sim a única saída.

Alain S. Levi

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A IA não é só para tech giants: um plano passo a passo para líderes transformarem colaboradores comuns em cientistas de dados — usando ChatGPT, SQL e 360 horas de aprendizado aplicado

Rodrigo Magnago

21 min de leitura
ESG
No lugar de fechar as portas para os jovens, cerque-os de mentores e, por que não, ofereça um exemplar do clássico americano para cada um – eles sentirão que não fazem apenas parte de um grupo estereotipado, mas que são apenas jovens

Daniela Diniz

05 min de leitura
Empreendedorismo
O Brasil já tem 408 startups de impacto – 79% focadas em soluções ambientais. Mas o verdadeiro potencial está na combinação entre propósito e tecnologia: ferramentas digitais não só ampliam o alcance dessas iniciativas, como criam um ecossistema de inovação sustentável e escalável

Bruno Padredi

7 min de leitura
Finanças
Enquanto mulheres recebem migalhas do venture capital, fundos como Moon Capital e redes como Sororitê mostram o caminho: investir em empreendedoras não é ‘caridade’ — é fechar a torneira do vazamento de talentos e ideias que movem a economia

Ana Fontes

5 min de leitura
Empreendedorismo
Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

Ivan Cruz

7 min de leitura
ESG
Resgatar nossas bases pode ser a resposta para enfrentar esta epidemia

Lilian Cruz

5 min de leitura