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Moonshots: conquistando a Lua

Assim como J. F. Kennedy uniu os Estados Unidos em torno da meta de levar o homem à Lua, uma empresa madura pode usar uma meta ambiciosa em seu setor para criar um novo modelo de negócio – antes que seja tarde | por Anita M. Mcgahan

Anita M. Mcgahan

É professora de gestão estratégica da Rotman School of Management, e professora visitante da Munk...

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Na área de gestão, o termo “moonshot” – o envio de uma missão à Lua – tem sido usado para descrever uma meta revolucionária em um horizonte de cinco a dez anos. A ideia é que uma missão lunar representa um objetivo tão arrebatador que motiva os stakeholders a lutar por sua realização – apesar das difi culdades e da complexidade no caminho para o sucesso. No Vale do Silício, por exemplo, o termo é reservado às inovações mais importantes: o microprocessador foi uma missão lunar, assim como o primeiro computador pessoal (Apple II), a internet e o iPhone da Apple. 

A questão é: uma organização estabelecida que já foi muito bem-sucedida pode adotar essa abordagem? Muitos estudos já demonstraram o valor de estabelecer metas de longo prazo do tipo moonshot, mas relativamente pouco foi escrito sobre o processo para implementar uma meta revolucionária assim.

Este artigo oferece insights para moonshots em organizações que buscam gerar uma ruptura em seu setor desenvolvendo um modelo de negócio novo. O objetivo é levar um negócio preexistente à beira da disrupção para um novo modelo de negócio que incorpore novas ideias e tecnologias. 

**UM CONCEITO HISTÓRICO**

O termo “moonshot” vem do discurso de 1962 do presidente norte-americano John F. Kennedy, anunciando que os EUA tentariam levar um homem à Lua e trazê-lo de volta com segurança para a terra até o fim daquela década.

Muitos estrategistas de empresas já analisaram esse discurso, considerado um dos mais motivadores da história, para identificar o que tornou o anúncio da missão lunar tão memorável, importante e unificador. Ele se destacou por sua simplicidade, clareza, importância e viabilidade técnica. 

Ao falar na Rice University em Houston em setembro de 1962, Kennedy vendeu a ideia de moonshot com argumentos que remontavam à própria fundação dos EUA como “Estado de vanguarda”. Kennedy alinhou a aspiração de colocar o homem na Lua com o princípio defendido pelos pioneiros que criaram os EUA séculos antes: usar a tecnologia para promover a liberdade.

O discurso foi sustentado por uma avaliação detalhada das chances de sucesso. Os conselheiros do presidente tinham determinado que, por mais que uma rota precisa para levar o homem na Lua em poucos anos fosse incerta, a tecnologia já existia. 

São essas características do discurso de Kennedy que os estrategistas usam para criar um moonshot: ser essencial para dar a continuidade à busca de um propósito; motivada por ambição e concorrência; inspirada e visionária. Uma missão lunar para uma empresa estabelecida é a rota para uma liderança sob condições culturais e tecnológicas radicalmente novas. 

**AS RAÍZES DA DISRUPÇÃO**

A ideia de disrupção surgiu com os conceitos defendidos pelo economista Joseph Schumpeter nos anos 1930–1950, desenvolvidos em seguida por estudiosos da mudança tecnológica nos anos 1960–1980. Segundo Schumpeter, em muitos setores, quando avanços tecnológicos criaram as condições para a inovação do modelo de negócio, empresas pioneiras que eram líderes em seus setores foram incapazes de se adaptar.

O conceito avançou em 1997, com o livro O dilema da inovação, do professor Clayton Christensen, da Harvard Business School. A ideia central da obra é a de que os principais clientes de grandes organizações costumam desencorajá-las a se adaptar tecnologicamente, pois empresas focam em criar mais valor para seus clientes-chave, e assim nem empresas grandes nem seus clientes têm interesse em alterar um sistema que trabalha em favor deles. Clientes de mãos atadas, porém – que não estão se beneficiando do sistema estabelecido –, são os maiores interessados na inovação radical. 

Essas ideias costumam ser expressas por uma curva S, como na figura abaixo. O eixo vertical representa criação de valor em um setor estabelecido, como, por exemplo, a indústria automobilística. Nesse modelo podemos entender a criação de valor como “a diferença entre a vontade do cliente de pagar por algo e os custos de oportunidade total do fornecedor”, como definem os autores Adam Brandenburger e Harborne Stuart. A criação de valor reflete a transformação de inputs em outputs valiosos. Se o eixo vertical remete à criação de valor, o horizontal representa o tempo ou, em alguns modelos, o investimento acumulado em pesquisa e desenvolvimento de um setor. 

A curva S mostra que um setor de atividade geralmente começa a atuar de forma empreendedora, com baixa criação de valor por um período. Uma vez que uma empresa disruptiva aparece ali, o valor criado pode aumentar de forma relativamente rápida, à medida que o setor evolui para atender um mercado de massa. A maturidade ocorre quando o ritmo da nova criação de valor atinge o ponto de retornos decrescentes. Isso acontece porque a capacidade estrutural do setor de gerar novo valor é tolhida pelos próprios insights que levaram à ruptura inicial. No caso da indústria automobilística, os insights são os sistemas relacionados com o motor a gasolina (de fabricantes de autopeças a postos de combustíveis). 

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Uma característica importante de maturidade do setor é que as empresas focam em conter seus custos, mantidos baixos quando elas se tornam grandes o sufi ciente para obter economias de escala nos processos que geram bens e serviços. Companhias líderes em setores maduros criam valor para muitos clientes exatamente porque se tornaram rotineiras e racionalizadas. A ascensão de sistemas interconectáveis de relacionamentos, incentivos, regulamentações, atividades e bens perpetua a estrutura do setor justamente porque muitos stakeholders estão envolvidos em seu sucesso.

Então, em resumo, por que a disrupção ocorre? Porque é incentivada pelo potencial para ultrapassar os limites de valor. São as ideias envelhecidas, e não as tecnologias ou os incentivos, como muitos pensam, que permitem a disrupção. 

Como ilustra a fi gura abaixo, o incentivo para a disrupção refl ete o potencial para aumentar signifi cativamente a criação de valor com ideias, tecnologias e abordagens que ultrapassam seus limites. Surge devido aos compromissos acumulados que clientes, fornecedores e até o próprio setor produtivo assumiram devido à estrutura estabelecida do setor 

A oportunidade de uma ruptura importante pode estar em avanços tecnológicos, mas é motivada principalmente pela consciência de que a tecnologia viabiliza um novo modelo de negócio – novas ideias que podem surgir devido à tecnologia, que cria um valor tão maior do que a abordagem estabelecida que vale a pena passar pela “dor” da disrupção. 

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**SOLUÇÃO “DO FUTURO PARA O PRESENTE”**

Em um artigo de 2013 da Harvard Business Review, intitulado “What a good moonshot is really for” (para que uma boa missão lunar realmente serve), Scott D. Anthony e Mark Johnson explicam que adotar um horizonte de planejamento “do fi m para o começo” é primordial à ideia de moonshot.

O argumento de Kennedy quanto à razão pela qual os EUA deveriam investir em enviar um homem à Lua se baseava na ideia de que o propósito do país seria atingido caso a meta fosse cumprida – e que seria colocado em perigo se fracassasse. Em qualquer organização, a missão lunar deve se basear no cumprimento de sua missão e na consciência de qual tecnologia utilizar em um horizonte de cinco a dez anos. Por que esse período? Esse é o tempo geralmente necessário para algo importante acontecer em um sistema.

Como a inovação de modelo de negócio é um processo experimental e mudanças tecnológicas desconhecidas podem ocorrer ao longo do horizonte de planejamento, é impossível especifi car os detalhes de uma missão lunar com precisão. Tudo que você precisa é saber a direção certa dos detalhes – com cerca de 75% de certeza – para iniciar uma conversa sobre inovação de modelo de negócio com stakeholders-chave que possam ajudá-lo a fazer tudo acontecer.

O passo seguinte é identifi car as etapas que vão encaminhá-lo para a missão lunar. Qualquer CEO de empresa com capital aberto que precisa cumprir metas de receita – especialmente se a organização está endividada e tem uma grande força de trabalho – enfrenta inacreditável pressão fi nanceira e operacional para obter valor vindo de fora de seus modelos de negócio estabelecidos. Para um líder encarregado de conduzir uma organização bem-sucedida ao futuro, é simplesmente impossível liderar com responsabilidade e se afastar de um modelo estabelecido ao mesmo tempo. 

Apesar disso, os CEOs devem encontrar um modo de lidar com a realidade excruciante de que as ideias que levaram ao sucesso de suas organizações – as tecnologias, modelos de negócio e arquitetura do ecossistema em torno da empresa – estão se tornando ultrapassadas. 

Então, por onde começar? 

De cara, é preciso ter uma visão do novo sistema e uma visão do processo para migrar do atual para um novo. 

(Como não começar? Contemplar mudanças que melhorariam o sistema atual não é um bom ponto de partida, embora seja tentador. Se tentar construir uma ponte para um futuro que não foi sequer pensado, você vai parar logo depois de começar a andar. É preciso ter a visão de um novo sistema, que seja possível com base em novas ideias, tecnologias e processos.) 

Rascunhar as implicações da missão lunar para as capacidades, discussões e compromissos de que a organização precisa é suficiente para começar. Imprevistos inevitavelmente exigirão ajustes no caminho, mas no início é necessário criar um entendimento comum do que é possível para inspirar e guiar a mudança. Depois disso, refinar a missão lunar se torna um processo ao qual a equipe de liderança pode retornar de tempos em tempos. 

Uma vez que a missão lunar foi imaginada e o caminho, rascunhado, como seguir em frente? A resposta depende da situação específica que a organização enfrenta, é claro, mas geralmente surgem três pontos essenciais: 

**1. A equipe de liderança deve descobrir como alinhar os interesses de stakeholders internos e externos com a transição.** Um modelo de negócio de ruptura inevitavelmente levantará questões sobre os papéis de stakeholders – incluindo funcionários e fornecedores – que podem não ter inicialmente a capacitação, interesse ou intenção de participar da missão lunar. Como você traz esses stakeholders para o barco? Nos estágios iniciais de uma transformação, é fundamental identificar os modelos mentais das pessoas, suas dúvidas e preocupações, e as expectativas em relação à mudança. Em meus estudos sobre transformação, descobri que grandes líderes tendem a conversar tanto sobre como a mudança vai beneficiar stakeholders centrais quanto sobre a mudança em si. Motivar a mudança é um aspecto complexo e nevrálgico que tende a ser mais bem-sucedido quando a equipe de liderança opera com integridade de propósito e com compaixão em relação ao desconforto que a mudança causa.  

**2.O caminho da transição deve ser visto como um ecossistema e como um jogo.** Essa ideia amplifica o insight essencial do dilema da inovação, que enfatiza o papel dos clientes no processo de inovação. A chave aqui é reconhecer que seus melhores clientes, fornecedores, funcionários e gestores tendem a ser afetados por uma disrupção se o modelo de negócio de inovação der certo. Algumas parcerias simplesmente podem não ser sustentáveis nos termos do passado. Novos relacionamentos, compromissos e conexões são fundamentais. Estabelecer um caminho no sentido da conquista de uma missão lunar exige identificar esses parceiros e buscar seu apoio e envolvimento, mesmo se esse passo irritar e preocupar pessoas-chave do passado. 

**3. É preciso saber que o sucesso exige contratos e investimentos sensatos.** Para a abordagem ser sustentável, a criação de valor deve vir acompanhada de uma estratégia cuidadosamente desenhada para a captura de valor na organização. Não estou sugerindo que o investimento possa ser evitado – ao contrário. Companhias em busca de inovação de modelo de negócio têm de estar preparadas para investir em construir as capacidades necessárias a uma transição bem-sucedida. Mas, se não forem acompanhados de uma abordagem cuidadosa e perspicaz nas negociações contratuais, esse investimento não será sustentável – uma organização não pode continuar investindo sem sinais de que o retorno do investimento virá um dia. 

**4 ELEMENTOS ESSENCIAIS**

**Os elem**entos essenciais da missão lunar de Kennedy e os necessários para realizar mudanças em larga escala em companhias estabelecidas são os mesmos:

• aceitar que o sistema atual está comprometido;

• garantir a viabilidade do novo sistema, mas fazê-lo nos bastidores, já que as facetas precisas do sistema dependerão de resolver incertezas no futuro;

• providenciar para que a melhora potencial de criação de valor seja significativa e visível;

• saber que recursos em larga escala devem estar disponíveis para garantir a realização. 

Em suma, uma missão lunar deve ser grandiosa o suficiente para motivar conquistas que superem as barreiras técnicas e gerenciais, e amplamente abraçada por todos na organização. Acima de tudo, o risco de não mudar deve estar muito claro. A boa notícia? Como um moonshot não se define por sua distância da Terra e sim do “business as usual”, você nem precisa ir à Lua para se beneficiar de seus efeitos. 

**ENCONTRE SEU MOONSHOT EM CINCO PERGUNTAS**

1.Quais são os limites à criação de valor de seu modelo de negócio atual?

2.Que novas ideias – facilitadas pela tecnologia atual e pela ambição da próxima geração de líderes em sua organização – têm o potencial de dar forma ao valor de ruptura?

3.Quais são as implicações da missão, dos valores e do propósito de sua empresa à luz dessas novas ideias? Se sua organização não tivesse as restrições do passado, qual seria a melhor forma de cumprir sua missão nos próximos cinco a dez anos?

4.Com stakeholders-chave, você é capaz de identificar, em um horizonte de cinco a dez anos, uma meta inspiradora e inspirada que, se alcançada, cimentará a liderança de mercado da organização no futuro?

5.A meta é sufi ciente para levar os stakeholders a repensar seu envolvimento com a organização em novos termos? Há valor sufi ciente na meta para realizar a mudança necessária?

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