Falar do futuro tecnológico é, ao contrário do que muitos imaginam, falar de gente – nunca de tecnologias. Estamos vendo tecnologias exponenciais que, combinadas entre si, vêm mudando a feição da sociedade por meio dos benefícios e das evoluções que proporcionam às pessoas. E isso inclui o trabalho dessas pessoas, naturalmente.
Desde quando o homem esfregou dois gravetos e gerou fogo, as tecnologias criadas por seres humanos no presente contribuem para moldar seu trabalho futuro. Foi assim com a segunda revolução industrial (1850-1950), em que as pessoas viraram máquinas incansáveis de alta produção, submetidas a estruturas monolíticas hierárquicas, a processos sistemáticos e fragmentados, a um conhecimento também fragmentado por um trabalho baseado em especialidades profissionais.
Também foi assim quando, no bojo do fordismo, do toyotismo e do taylorismo, as pessoas abraçaram o mantra “tempo é dinheiro” e a cultura do curto prazo, sujeitando-se a pressões extremas, virando máquinas executoras de tarefas e de processos. Foi assim com a terceira revolução industrial, dos computadores, que aprisionaram as pessoas a planilhas, com a finalidade de produzir dados.
Agora, em poucos anos, veremos a capacidade de simulação de máquinas chegar a 6 mil petaflops (ou seja, 6 mil quatrilhões de cálculos por segundo). E os sistemas cognitivos que combinam a inteligência artificial e a robótica poderão ser muito mais eficazes do que os humanos. Onde ficarão as pessoas nas empresas? Continuarão prisioneiras de planilhas? Pouco provável.
A suspeita é de que três capacidades humanas começam a moldar o trabalho neste momento: o mindset da disrupção (de romper com o status quo), o mindset do paradoxo (de convívio com ele) e a capacidade de articulação e colaboração. Estamos assistindo ao início de uma forma de trabalhar nova, que talvez tenha seu apogeu quando as máquinas chegarem à singularidade, mas essas capacidades devem ajudar na transição.
Quando chegarmos à plenitude dessa nova maneira de trabalhar, as funções nas empresas se dividirão entre máquinas e humanos, que compartilharão as tarefas em estreita colaboração. Serão máquinas criativas usando a criatividade humana, que é o que chamo de “vida 5.0”, um conceito do humano aumentado. Também poderia observar que já está se desenvolvendo a quinta revolução industrial, que coloca algoritmos e os “androrritmos” (termo cunhado por Gerd Leonhard) lado a lado, no ambiente de convergência homem-máquina.
Será um mar de rosas? Não. Mas tem chances de ser melhor do que as formas anteriores.
## As novas habilidades
Todos têm noção do que é um algoritmo; ele já está na linguagem comum de todos, tudo pode ser expresso por um algoritmo, inclusive a vida. Em contrapartida, o grande desconhecido são os androrritmos, marcando o fato de que, quando os humanos entregarem às máquinas tudo aquilo que tiveram de fazer no lugar delas, terão tempo de ser simplesmente humanos, com suas melhores capacidades e skills, adequadas para o contexto que emerge.
Qual é o contexto? Os principais stakeholders do século 21 são as pessoas e o planeta Terra, já que o habitat humano precisa ser recomposto. Essas duas coisas pautam o espírito do tempo. Mas, por conta do crescimento exponencial tecnológico, este mundo traz desafios sem fim. Isso é tão visível e doído como uma fratura exposta. A razão? As estratégias da era industrial não foram desenhadas para o contexto Vuca, que coloca tudo em escala de agilidade supersônica, com alto poder de liquefação do que está à nossa volta, de ressignificação constante, de altíssima complexidade e de ambiguidade.
Em função desse contexto, as mudanças, sejam quais forem, deverão ser rápidas, profundas e altamente imprevisíveis. Além disso, sistemas complexos não apenas mudarão de um estado para outro em alta velocidade, como também estabelecerão um novo paradigma de mudanças contínuas.
Então, quais as habilidades específicas requeridas das pessoas nesse contexto?
A primeira é a capacidade adaptativa. Ela conta muito, claro, mas não se sustenta sozinha. Atreladas a ela estão a polimatia (erudição, ou amplo repertório de conhecimentos), a visão sistêmica, a gestão rizomática do conhecimento (ou seja, o conhecimento não tem começo, fim ou centro, e sim conexões imprevisíveis entre os diferentes conteúdos), o darwinismo digital (que é a capacidade de evoluir continuamente no ambiente digital) e o futurismo estratégico (acompanhado do design do futuro).
Seguindo com a lista, podemos incluir como skills o propósito muito claro, a curiosidade, o pensamento crítico, a imaginação e o fiction thinking e, obviamente, a paixão e a intuição. Sobre paixão, o filósofo Gilles Lipovetsky reforça que o luxo do futuro será o luxo do amor irrestrito sobre o que escolhemos fazer. Sobre intuição, o escritor John Naisbitt chama a atenção para o fato de que, quando há muita informação, deve-se buscar um lastro humano para equilibrá-la, que é a intuição.
Somamos, portanto, sete habilidades, ou doze, se contabilizarmos as cinco capacidades associadas à adaptabilidade.
## A sociedade da imaginação
Basta nos determos em algumas dessas capacidades, como o pensamento crítico, a imaginação e o futurismo, para entender por que temos uma sociedade 5.0 a caminho, e a razão pela qual esta tem sido batizada de “sociedade da imaginação”.
Não é difícil deduzir que, com a abundância de soluções promovidas pelas tecnologias, se colocadas a serviço das pessoas, preserva-se a humanidade. Dito de outro modo, quanto mais tecnologia aportada tivermos, mais humanos seremos – ou, pelo menos, deveremos ser.
O pensamento crítico dos humanos, com seu poder da análise da ambiguidade, é o que forma, quando somado à enorme capacidade de simulação das máquinas, a base da quinta revolução industrial, que, por sua vez, aponta na direção da sociedade 5.0 – uma sociedade completamente centrada no ser humano e suas necessidades.
A imaginação para mudar o mundo e a criatividade para materializar o que foi imaginado são, segundo o Keidanren (a CNI japonesa), o que determina que a sociedade 5.0 será a sociedade da imaginação. Contribuem para isso não apenas o fiction thinking, como já adiantamos, como também o futurismo e o design do futuro – e essas skills ganham uma força sem precedentes.
Como sempre diz o professor e influenciador Peter Bishop, estudar o futuro será tão importante quanto estudar história. Agora, pergunto ao leitor: todos tivemos professores de história, mas você conhece alguém que tenha tido professores de futuro?
O coach de liderança e relacionamentos David Burrus (que de burro não tem nada) costuma de dizer que, agora, é imperativo aprender a nova competência de “antecipar o futuro com precisão”.
## A transição começou
O futuro mora em um lugar escuro que precisa ser urgentemente iluminado com nossa criatividade e imaginação. As respostas não estão mais no passado, e sim nas mudanças que deverão ser propostas para antecipar outras mudanças. Como chegaremos lá?
Essa transição tende a exigir muito das pessoas, e dos gestores em particular. Aí voltamos às capacidades que citamos no início deste texto: articulação/colaboração, o mindset da disrupção e o mindset do paradoxo.
Só posso terminar este artigo citando a sabedoria de dois futuristas de primeira linha. Um é o grande e pioneiro autor Alvin Tofler, para quem “a mudança é o processo pelo qual o futuro invade nossas vidas”. Outro(s) são os Racionais MCs, que cantam para a gente não “esperar o futuro mudar a vida, porque o futuro será somente a consequência do seu presente”.
Quem quiser um lugar (de trabalho e carreira) ao sol no futuro tem de fazer exatamente isso: pegar o futuro em suas mãos e moldá-lo. É esse o lugar dos humanos daqui para a frente.