Estratégia e Execução

Sua empresa não está só

A crise corporativa causada pela Covid-19 se comporta da mesma forma que a doença: espalha-se rapidamente, não escolhe suas vítimas e SE complica em quem já tinha a saúde frágil. dos riscos iminentes às perspectivas positivas, já há aprendizados que apontam para o futuro do trabalho

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> _O empregado não saiu pro seu trabalho_
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> _Pois sabia que o patrão também não tava lá_
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> _Dona de casa não saiu pra comprar pão_
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> _Pois sabia que o padeiro também não tava lá (…)_
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> _E o aluno não saiu para estudar_
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> _Pois sabia o professor também não tava lá_
>
> _E o professor não saiu pra lecionar_
>
> _Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar (…)_

Quando Raul Seixas e Claudio Roberto Andrade de Azeredo compuseram a música “O dia em que a terra parou”, na década de 1970, a crítica era social. Até ali, só quem viveu entre 1918 e 1920 havia visto seu direito de ir e vir ameaçado por conta de um vírus. A gripe espanhola, que infectou 500 milhões de pessoas e vitimou fatalmente entre 50 a 100 milhões, deixou aproximadamente 300 mil mortos no Brasil nessa época.

Mas quem poderia imaginar uma situação como essa que estamos vivendo com a pandemia de Covid-19? “Hoje, o maior risco de catástrofe global não se parece com uma bomba, mas sim com um vírus. Investimos muito em armas nucleares, mas bem pouco em um sistema para barrar uma epidemia. Não estamos preparados”, Bill Gates avisou. Em 2015, durante sua palestra em um TEDTalks, o bilionário fundador da Microsoft discorreu sobre o despreparo mundial para lidar com um inimigo invisível. Havia sinais, mas o mundo não deu atenção.

No atual cenário, não existe um dono da crise. O personagem (o agente causador) é um vírus altamente contagioso; e a voz passou a ser dos pesquisadores e cientistas. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) assumiu esse papel. Seu diretor-geral, Tedros Adhanom, é o porta-voz da ciência; e ele tem sido legítimo e brilhante”, avalia Gisele Lorenzetti, CEO da LVBA Comunicação e integrante do comitê compliance e governança da Legal, Ethics & Compliance (LEC).

Conforme o Barômetro Global Covid-19, pesquisa realizada pela Kantar entre os dias 13 a 16 de março, apesar de as empresas não estarem no banco dos réus desta crise, as marcas continuam sendo observadas de perto pela população brasileira. A maioria dos entrevistados concorda que as marcas devem informar sobre seus esforços para enfrentar a situação (88%) e sobre como podem ser úteis nesse novo dia a dia (86%), além de evitar explorar a situação do novo coronavírus para se promoverem. 

Conforme indica a pesquisa da Kantar, mesmo as organizações que não estão sofrendo com a paralisação de seu setor ou ainda com o excesso de demanda, deveriam tirar seus manuais de geranciamento de crise da gaveta. A ameaça à reputação organizacional é real e deve ser administrada.

Segundo o professor Dario Menezes, da ESPM e da FGV e também diretor da consultoria dinamarquesa de gestão e reputação Group Caliber, um processo de gerenciamento de crises existe para mitigar e prevenir problemas que representam perigo às pessoas e às empresas. Geralmente, os impactos são monitorados pela ótica econômico-financeira, porém seus indícios surgem primeiro no campo de imagem e reputação, com a perda do elo de confiança perante seus diversos públicos, o que gera atitudes como perda da fidelidade ou da advocacy (defesa institucional) por parte dos stakeholders. 

Só que a realidade das empresas brasileiras é preocupante. De acordo com Paulo Henrique Soares, diretor de comunicação corporativa do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), há uma pesquisa global sobre gestão de crise e comunicação com o empregado que revela o nosso despreparo. A pesquisa ainda está em curso, mas já mostra que 60% das empresas tinham um processo de comunicação de crise implantado, sendo que apenas 37% dessas consideraram-no efetivo, 51% parcialmente efetivo e 12% não efetivo. O especialista contou ainda para HSM Management que 33% das empresas não tinham comitê de crise; quanto ao manual de crise, 45% não tinham e 7% nem sabiam dizer sobre tal manual.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/62efca6b-3787-434e-8b00-f74bdef8de3b.jpeg)

**PREVENIR E AGIR**

“Construir um colchão reputacional é a melhor prevenção de crise; quanto maior o colchão, menor o impacto”, comenta Lorenzetti. “Isso porque, quanto mais alto o colchão, mais macia será a queda e maior será o impulso para voltar a ganhar”, complementa a especialista. E um estudo realizado após a crise financeira de 2008, pelo Reputation Institute, comprova isso. As melhores empresas do ranking da revista Fortune foram separadas pelo nível de reputação em dois grupos. Apesar de todas terem despencado na bolsa, as com reputação mais forte se recuperaram em seis meses e voltaram a crescer. Já as com reputação não tão expressiva precisaram de dois anos para a recuperação. 

Nesse contexto, o mapeamento de riscos entra como ferramenta indispensável para subsidiar o plano de crise. Quanto mais detalhado o mapeamento, maior clareza a empresa terá sobre situações que precisam ser monitoradas ativamente. 

Acidentes aéreos e tragédias evolvendo rompimento de barragens ilustram bem a forma mais adequada de utilizar uma matriz de riscos (veja figura abaixo). Como a própria história infelizmente nos mostra, a probabilidade de esses incidentes ocorrerem é de média para alta, e as consequências costumam ser extremas para as empresas. Por receberem a classificação de risco intolerável (região rosa da matriz), o time responsável pelo gerenciamento de crise deve desenvolver um plano detalhado sobre como a empresa deve proceder caso o risco se materialize.

Já uma pandemia deveria estar num quadrante de baixíssima probabilidade, certo? “Sim, mas vimos o surgimento do vírus na China, que foi passando para outros países. Não demos a devida importância aos sinais”, pontua Valéria Café, diretora de vocalização e influência do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Como o despreparo era geral, o que fazer então para administrar a crise em curso? Para Menezes, no atual cenário as empresas devem transformar o discurso de propósito em ação, ou seja, “exercer e cumprir as promessas feitas”. Fazer comunicação “de” e “para” todos, demonstrando que a empresa está engajada em ajudar a solucionar as dificuldades do País. [Veja mais na reportagem da página 36.]

Para o professor, o tema gerenciamento de crises ainda tem muito a evoluir. “Vejo qualquer crise sendo tratada de forma que não revela a forma de pensar da organização. Também vejo outras que prometem algo e não cumprem, gerando uma pré-crise para elas mesmas.”

Menezes vai além: “Muitas decisões são tomadas por emoção. Falta assertividade. Há ainda dificuldade de serem responsivos. É difícil para empresas focadas no curto prazo terem o mapeamento dos riscos possíveis e um trabalho contínuo para mitigá-los. É preciso construir a marca com olhar no longo prazo.”

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**ASPECTOS POSITIVOS**

“Nas últimas semanas observamos o florescer de uma grande quantidade de empresas adotando práticas mais conscientes e humanizadas com a intenção de oferecer uma alternativa à crise. Uma atitude de extremo amor, carinho e atenção para com o próximo”, comenta Pedro Ernesto Paro, CEO e cofundador da Humanizadas. Para disseminar essas boas práticas, Paro realizou um estudo que resultou no relatório “Práticas emergentes dos negócios em resposta à crise da Covid-19”. Para baixar o conteúdo completo desse relatório, basta captar o QR Code no final desta reportagem.

“Empresas como O Boticário e Natura mudaram suas linhas de produção para processar e envasar milhares de litros de álcool em gel para serem doados a hospitais públicos. Já no setor de moda, empresas como Malwee e Reserva passaram a produzir jalecos e máscaras de tecido, também para doação. São centenas de organizações, se não milhares, se mobilizando para ajudar em um cenário de extrema incerteza para todos. E isso precisa ser destacado”, avalia Paro. 

“É a primeira vez que a Terra para. A realidade que vivíamos não existe mais. Neste momento, não temos mais o aspecto de futuro, só o presente”, avalia Tania R. Sanches, psicoterapeuta e coach, que lembra que “o isolamento é social, mas não emocional; por isso, vemos as pessoas olharem mais para o outro”.

Segundo Sanches, foi essa desaceleração e o olhar para o outro que trouxeram à tona os espíritos de solidariedade e humanidade, de querer colaborar e compartilhar. Será que tais experiências deixarão um legado? “Não aprender nada seria irracionalidade do ser humano. Eu torço para que todos saiam com uma cabeça e uma perspectiva diferente. Pelo menos, nos aspectos de respeito e tolerância, deixando de lado o apego ao ‘ter’ e dando mais valor ao ‘ser’”, responde a psicóloga. 

**O FUTURO DO TRABALHO**

A crise ainda impacta o modelo de trabalho, mas de formas diferentes. André Souza, CEO da Futuro S/A, divide as organizações em três níveis: 

1. As com gestão mais moderna, já acostumadas ao trabalho remoto, ao uso de tecnologias e ferramentas digitais. Essas são menos impactadas. 

2. As com sistema de gestão em transição, que testavam modelos mais modernos. Elas devem ter seu processo rumo ao futuro do trabalho acelerado neste período. 

3. As com gestão tradicional, que enfrentam as maiores dificuldades. “Os líderes dessas empresas não sabem o que fazer. Em vez de avançarem, elas podem até ter potencializados elementos que já existiam, como a falta de autonomia e de inspiração. É difícil, porque não dá para preparar tudo de um dia para o outro”, avalia Souza.

Para ele, algumas competências ganharam importância. “A adaptabilidade, por exemplo, está sendo colocada à prova, tanto das pessoas quanto do modelo de negócios; assim como a flexibilidade.” Além disso, a hora é de intraempreender. “Esta crise é única, não temos referências anteriores; então, é natural que a empresa se volte para as pessoas com ideias diferentes”, completa ele.

Daí pode vir o impulso para o que Souza chama de hibridização de mercados, que são empresas diferentes competindo em diversos setores, tal qual a evolução na forma de atuação da Amazon, por exemplo. 

No pós-crise, o especialista acredita que o home office deve ser adotado mais frequentemente, mas a liderança, principalmente a mais sênior, vai precisar ser preparada para liderar equipes remotas Ações com propósito também devem ser ainda mais reforçadas e valorizarão as companhias. Souza ainda prevê que alguns segmentos, além da tecnologia (inteligência artificial e dados), vão crescer muito. Entre eles, negócios voltados aos desafios do planeta, como as healthtechs e edutechs. 

Até o fechamento desta reportagem, a recomedação de distanciamento social no Brasil permanece rigorosa e não há clareza de quando as coisas voltarão ao normal. Se é que voltarão. O “novo normal” tem sido um termo bastante utilizado para o que nos espera neste futuro próximo, ainda que ninguém saiba ao certo o que ele significa. 

[Baixe o relatório “Práticas emergentes dos negócios em resposta à crise da Covid-19”.](https://revistahsm.com.br/post/praticas-emergentes-dos-negocios-em-resposta-a-crise-da-covid-19)

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