No final do ano passado, durante uma reunião de trabalho na sede de um parceiro nosso, fiquei sabendo que uma das profissionais envolvidas no nosso projeto em comum não iria continuar conosco. Ela havia sido fundamental no último ciclo, com orientações e pontuações perfeitas.
Ainda ali, presente na nossa reunião para falar do próximo ciclo do projeto, ela me contou que sua decisão foi natural, afinal, desde o primeiro momento ela não queria uma contratação formal. “Eu amei o projeto e queria contribuir, aprender, mas era algo pontual”, disse. “Na verdade, eu não queria nem o notebook da empresa para não criar muitos vínculos.”
A empresa queria contratá-la, mas ela sabia que sua vocação está na construção, no planejamento, na entrega de várias coisas em vários lugares. Sem lugar fixo. Sem amarras. Sem notebooks e carteiras assinadas. “Nos encontramos no ecossistema”, me disse ao se despedir.
Ao abraçar novos projetos, novos parceiros e dar pontapés em novos negócios, a profissional acima e tantos outros estão desenhando o novo plano de carreira.
Esse plano de carreira não está atrelado a uma organização, a um líder ou a um negócio, não segue a lógica linear pautada em degraus, promoções e benefícios. Não tem a ver com tempo de casa nem como meritocracia. Tem a ver com escolhas próprias, com busca de repertório, com aquisição de conhecimento. Tem a ver, claro, com propósito.
O desafio para os profissionais de RH
————————————-
Esse novo jeito de valorizar o trabalho tem desafiado muitos profissionais de recursos humanos que não sabem o que oferecer àqueles que não veem mais tanto valor nos cargos, nas promoções, nos benefícios e nas velhas promessas corporativas, que vão de desenvolvimento de longo prazo à estabilidade no emprego.
Depois de passar pelo desenho de cargos e salários, pelo desenho do plano de carreira e, posteriormente, da trilha de carreira, com a preocupação de incluir a carreira em Y e em W nesta jornada, os profissionais de RH têm agora uma nova missão: como desenhar a não carreira? Ou seja, como oferecer o melhor projeto para que a relação seja a melhor possível para ambos os lados?
Anticarreira como solução?
————————–
No livro Anticarreira, o headhunter Joseph Teperman (que também é [colunista aqui da HSM Management](https://revistahsm.com.br/columnists/joseph-teperman)), explica que o conceito de carreira ainda fixado no nosso modelo mental – aquele de subir degrau a degrau dentro de uma empresa — morreu (ou deveria ter morrido) nos dias de hoje.
“Anticarreira foi o termo que adotei para definir o oposto do conceito de carreira como caminho estreito. Anticarreira é um caminho amplo a ser desenhado por cada um de nós, com mais possibilidades, mais experiências e oportunidades, e que te permite crescer à medida que o mundo muda.
Uma das vantagens da Anticarreira é acabar com a fragilidade de ter um único trabalho”, afirma Teperman. Basicamente o conceito vivido pela personagem que ilustra este artigo.
A primeira razão para o velho plano de carreira deixar de existir é a derrubada de fronteiras em nossa vida. Num mundo que une cada vez mais a vida pessoal e profissional – situação acelerada pela pandemia – não faz mais sentido falar em plano de carreira, mas sim em plano de vida.
Uma vez que você não separa mais essas “duas” vidas, não é possível desenhar uma rota profissional que não inclua os outros aspectos da sua rotina.
No passado, costumávamos dividir a vida em três grandes etapas: a do aprendizado (primeiros 20 anos de vida); a do trabalho (próximos 35 anos) e a da qualidade de vida/aposentadoria (10 a 20 anos seguintes).
Nesta lógica linear (e estreita) você primeiro estudava; depois trabalhava e, lá no final da vida, é que você iria aproveitar o tempo para finalmente viajar mais, ler mais, assistir ou ficar mais com a família. É um filme que se repetiu em muitas vidas – e, infelizmente, ainda se repete.
Hoje, aprender, estudar, trabalhar e se divertir faz parte de um mesmo momento. Sem etapas. Sem antes e depois. O novo plano de vida precisa contemplar e valorizar tudo isso. Portanto, a primeira pergunta a fazer ao seu colaborador não é “que fase da vida ele se encontra”? mas sim “o que é mais importante para ele neste momento?”
Ao fazer essa pergunta, você derruba alguns estereótipos, como acreditar que os mais jovens sempre buscam crescimento rápido na organização e os mais velhos mais qualidade de vida, por exemplo.
Ok, mas como me preparar para esse novo conceito de carreira? Estude. Muito. Sempre. Diferentemente do passado, em que a etapa do aprendizado era a inicial de nossa vida, sendo substituída depois pelo trabalho, hoje essa etapa é contínua.
Até porque, pela velocidade das mudanças, o que você aprendeu na graduação e nos MBAs e especializações garantirá sua sobrevivência no ambiente corporativo por uns três, cinco anos – e não 35 anos como no passado.
O que as empresas precisam, o que os profissionais querem
———————————————————
O conceito de _**lifelong learning**_ coloca a educação em primeiro plano – o que é um alerta tanto para as empresas quanto para os profissionais. No caso das empresas, estas deveriam repensar seu modelo de recompensas, passando a oferecer mais desafios, conhecimento e experiência no lugar apenas de promoções, cargos e benefícios.
Por sua vez, os profissionais que querem ter uma trilha longa de sucesso e, principalmente, ter o poder da escolha em suas profissões, deveriam estudar continuamente, buscar novas fontes de aprendizado (dentro e fora da empresa), ser um sugador de conteúdo. Afinal, repertório passou a ser o novo currículo.
Ao acumular conteúdo, experiências e vivências – como a que nossa personagem buscava – você será um profissional cada vez mais completo e poderá escolher onde e quando e para quem compartilhar seu conhecimento.
Pode ser que seu propósito e plano de vida coincidam com o de uma organização específica que saiba enxergar e oferecer exatamente o que você busca. Pode ser que sua fonte de conhecimento e conteúdo irá levar à criação de um novo negócio ou a uma parceria.
A beleza da nova carreira é exatamente essa: oferecer vários caminhos e várias possibilidades, além de ser infinita. E isso dependerá cada vez mais de você – e cada vez menos da empresa.