Desenvolvimento pessoal
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Pioneiras do Brasil

Cidades de todo o País estão fazendo esforços e experimentos para ganhar inteligência, e aprendendo bastante, mas os desafios ainda são imensos.

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Quem circula pelas ruas de Porto Alegre já se acostumou com a falta de relógios públicos digitais. Os cerca de 50 terminais até estão lá, mas não funcionam desde junho de 2015, quando o contrato da prestadora do serviço expirou e não foi renovado. A gestão atual promete lançar uma licitação de novos modelos ainda em 2018 – 168  ao todo, que farão mais do que mostrar horário e temperatura; devem ter antenas de wi-fi com internet gratuita e câmeras integradas a uma central de vigilância. “O  número de câmeras na cidade pulará de 300 para 470, melhorando o monitoramento de crimes e do movimento social”, projeta Bruno Vanuzzi, secretário municipal de parcerias estratégicas. É a capital gaúcha querendo entrar na era das smart cities – as cidades inteligentes.

Em geral, a definição de smart city se refere a municípios que empregam inovações tecnológicas a fim de otimizar serviços públicos, gerar desenvolvimento econômico e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. “A smart city precisa ter uma aplicação exponencial de tecnologia e de conexão de dispositivos. Isso é o que torna o ambiente inteligente”, confirma Ailtom Nascimento, vice-presidente da Stefanini, multinacional brasileira de tecnologia da informação (TI) com diversos projetos na área. O caráter humano do conceito, porém, não pode ser ignorado, como parecem fazer muitos gestores públicos brasileiros. “Tem prefeitura colocando wi-fi nas praças e dizendo que a cidade é inteligente. As inovações devem obrigatoriamente trazer sustentabilidade e inclusão”, reforça Ademir Piccoli, consultor de negócios em TI e ex-presidente da Procergs, a estatal gaúcha de processamento de dados.

Tornar uma cidade inteligente não é nada simples, no entanto. Tanto não é que as tentativas de medir essa inteligência, feitas em diversos rankings, têm de ser vistas com ressalvas. “A cidade de São Paulo, por exemplo, onde se leva duas horas no trânsito para sair e voltar de casa, é considerada um destaque de mobilidade”, observa o especialista Eduardo Costa, diretor do laboratório acadêmico LabCHIS (Cidades mais Humanas, Inteligentes e Sustentáveis) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O mesmo acontece com Porto Alegre, carente até de relógios digitais, que aparece entre as cinco melhores do País em tecnologia e inovação.

“Uma smart city não nasce do dia para a noite. É preciso construir um legado de infraestrutura e entender a vocação do município”, orienta Amilto Francisquevis, assessor do Instituto das Cidades Inteligentes (ICI), entidade especializada em soluções para gestão pública. A prefeitura de Curitiba (PR), por exemplo, segue essa cartilha desde a década de 1980, quando pioneiramente iniciou seu projeto de remodelação urbana.

Uma das soluções de destaque da capital paranaense é a Central 156, um canal unificado de atendimento ao cidadão. A plataforma opera via telefone, chat ou internet e possibilita que o contribuinte faça solicitações ou busque informações sobre serviços. “Os requerimentos seguem um fluxo interno e são encaminhados para o órgão responsável. Facilita a vida da população”, diz Francisquevis. A Central 156 realiza até 5 mil atendimentos por dia e tem avaliação positiva superior a 93%. Criado em 1984, o serviço foi reformulado em 1999 e mantido pelas cinco últimas administrações – atestando a relevância de projetos que perpassem o mandato de um único gestor.

Apesar de não possuir uma política vertical de inovação, o Brasil tem outras experiências semelhantes à de Curitiba. Planos de longo prazo, incentivos à inovação e parcerias público-privadas, conhecidas pela sigla PPP, estão entre os principais impulsionadores dessas cidades, bem como a definição estratégica do modelo a seguir e a opção por priorizar a transformação de comunidades menores. **HSM Management** selecionou casos que ilustram as cinco características.

**VISÃO DE LONGO PRAZO**

Localizada no sul de Santa Catarina, Tubarão se destaca sobretudo na “inteligência” da energia renovável. A cidade tem cerca de 100 mil habitantes e possui uma das maiores usinas solares do Brasil, capaz de gerar 3 mil megawatts por ano – o suficiente para abastecer 2,5 mil residências. O projeto faz parte de um investimento conjunto entre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a companhia Engie, maior geradora privada de energia elétrica do Brasil.

O setor de energia, inclusive, é peça-chave do plano Tubarão 180 graus, programa que pretende transformar Tubarão na melhor cidade para se viver no Brasil até 2050. “Os segmentos de energia renovável, saúde e TI serão estratégicos para promover o desenvolvimento econômico daqui para frente”, confirma Alexandre Moraes, secretário de Planejamento do município. Algumas medidas do plano já foram colocadas em vigor. 

Em 2017, a prefeitura criou um comitê para regular as PPPs e aprovou uma lei de fomento à inovação, além de instituir um conselho e um fundo específico para o tema. Também está em obras um Centro de Inovação dedicado a pesquisas com foco no setor produtivo. O governo de Santa Catarina arcará com 80% do valor do laboratório, orçado em R$ 10 milhões. 

O estado, vale lembrar, possui uma política oficial de investimentos em smart cities. Trata-se do Cluster Catarinense de Smart Cities (Cluster SC2), lançado em dezembro passado a partir da parceria entre o governo e a multinacional de tecnologia Cisco Systems. A iniciativa deve potencializar a aplicação de soluções urbanas em cidades como Tubarão, Blumenau, Joinville e Florianópolis. Nesse sentido, a capital catarinense chama a atenção por sua vocação tecnológica. 

**INOVAÇÃO COMO PRIORIDADE**

A tecnologia da informação responde pela maior fatia do PIB de Florianópolis, a capital catarinense, à frente inclusive do turismo. São mais de 900 empresas no segmento, faturando cerca de R$ 6 bilhões por ano. Não à toa, a cidade é chamada de Ilha do Silício. O município possui um fundo que destina 1% das receitas para fomento da inovação e estuda a aplicação de uma lei de incentivo específica. “Os projetos inovadores aprovados poderão captar recursos com os contribuintes, com abatimentos de até 20% do valor no IPTU e no ISS”, explica Marcus Rocha, superintendente de ciência, tecnologia e inovação.

A cidade também dispõe de uma Lei Municipal de PPPs e pretende utilizar o expediente para instalar uma nova rede de iluminação pública, com sensores nos postes. A ideia é seguir o exemplo pioneiro de Belo Horizonte, capital mineira.

**MODELO DE PARCERIA PPP**

A parceria entre a prefeitura de Belo Horizonte e o consórcio BHIP, assinada em maio de 2017, prevê a modernização total do parque de iluminação municipal, com a troca das lâmpadas de mercúrio por luminárias de LED. Além disso, os 182 mil pontos serão equipados com sensores de telegestão, permitindo o acionamento remoto através de uma central. O novo modelo representará uma economia de 45% nos gastos com iluminação – hoje em torno de R$ 55 milhões anuais. Além de mais barato, o serviço deverá ter menores índices de falha e maior velocidade de manutenção.

O negócio fechado por Belo Horizonte tem ainda outras vantagens. Nas avenidas mais movimentadas, os postes contarão com bandas de transmissão de dados e poderão receber diversos acessórios, como sensores de leitura climática e dispositivos de controle do tráfego. A receita gerada pelos recursos será rateada entre a prefeitura e a concessionária – que receberá R$ 1 bilhão pelo contrato de 20 anos. “Belo Horizonte se torna a primeira capital brasileira a ter essa modernização em larga escala por meio de uma PPP”, ressalta Marcelo Bruzzi, diretor-presidente da BHIP. Na prática, a parceria mineira pode ser considerada uma referência mundial, especialmente pela velocidade do serviço.

A troca total do sistema será concluída até 2020. Em Los Angeles, onde a prefeitura adotou um modelo semelhante, a substituição dos 215 mil pontos levou sete anos. Chicago e Nova York também farão a atualização do parque de iluminação, com previsão de quatro anos para mudança de 250 mil estações. “As PPPs são um excelente negócio, pois a prefeitura tem como gerar recursos através da regulação, com resultado medido pelo cidadão”, avalia Eduardo Costa, do LabCHIS. 

O Human Smart City, conceito defendido por Costa, é uma formatação de cidade inteligente que tem no cidadão o epicentro das transformações. Uma das principais características do modelo é a conveniência de morar, trabalhar e se divertir na mesma região. A meta não tem nada de futurista, diga-se: a inspiração vem das vilas medievais, localizadas num raio de uma milha, e serviram como norte para a reforma urbana de Paris no século 19. Por isso, o conceito prega a remodelação de bairros ou regiões das cidades.

**NOSSAS CIDADES INTELIGENTES**

**TUBARÃO (SC)**

• 72 mil habitantes.

• Possui uma das maiores usinas de energia solar do Brasil.

• 99,9% dos domicílios têm energia elétrica e 98,6% contam com iluminação pública no entorno.

• Possui Lei de Fomento à Inovação e Conselho Municipal de Ciência, Tecnologias e Inovação; estabeleceu um comitê para PPPs e um Fundo Municipal de Inovação.

• Está construindo um Centro de Inovação para abrigar o LinkLab, um laboratório de pesquisas para o setor produtivo.

• Alinhado aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o Projeto Tubarão 180 graus pretende transformar o município no melhor lugar para se viver no Brasil até 2050.

**FLORIANÓPOLIS (SC)**

• 485 mil habitantes.

• Possui um dos maiores polos de TI do Brasil, com 900 empresas do setor que, juntas, faturam anualmente cerca de R$ 6 bilhões.

• 1 % das receitas do município é direcionado ao fomento à inovação.

• O  município está elaborando uma lei de incentivo com renúncia fiscal para projetos inovadores.

•Em 2002, inaugurou o Sapiens Parque, um centro voltado ao desenvolvimento de projetos para ciência, tecnologia, meio ambiente e turismo.

**VINHEDO (SP)**

• 75 mil habitantes.

• 80% da área urbana são cobertos por banda larga gratuita.

• Possui um programa que conecta todos os órgãos públicos em rede e facilita o acessos aos serviços.

• Taxa de homicídios: 0,5 a cada 100 mil habitantes, enquanto a média brasileira é de 30.

• Em 2016, aprovou a Lei Municipal de PPPs.

• Negocia concessões privadas para reestruturar seis equipamentos urbanos.

**BELO HORIZONTE (MG)**

• 2,5 milhões de habitantes.

• 92,52% da população têm coleta de esgoto.

• Há 400 m² de placas de energia solar para cada mil habitantes.

• Em 2017, aprovou um PPP com o consórcio BHIP para substituir 100% do parque de iluminação existente por lâmpadas de LED, com instalação de dispositivos de telegestão.

• A  parceria vai até 2037 e é a primeira realizada por uma capital brasileira nesse modelo.

**CURITIBA (PR)**

• 1,7 milhão de habitantes. 

• Desde os anos 1980 desenvolve políticas de integração de serviços públicos e mobilidade urbana.

• É considerada a cidade mais sustentável da América Latina pelo relatório Green City Index.

• Tem um ecossistema de inovação municipal – o Vale do Pinhão – que apoia diversas ações de desenvolvimento integradas ao planejamento urbano.

• Tem o programa “Cidade das Startups”, criado para capacitar e promover conexões entre empreendedores e a rede de inovação da cidade.

O projeto de mobilidade criado para a Broadway, em Nova York, é um exemplo disso. A região, marcada pela grande concentração de teatros e casas de shows, recebe quatro vezes mais pedestres que automóveis. Ao perceber isso, a prefeitura reduziu as áreas de circulação de carros e multiplicou as calçadas e ciclovias, respeitando a demanda da avenida. “Só se consegue transformar a cidade num lugar mais humano, inteligente e sustentável se começar por um bairro ou região”, acredita o professor da UFSC. Mas esse não é o único caminho. Há quem decida iniciar uma smart city inteira do zero.

**DEFINIÇÃO ESTRATÉGICA**

Em Croatá (CE), o grupo italiano Planet está construindo a smart city Laguna, considerada a primeira smart city social do mundo. O empreendimento ocupará uma área de 330 hectares e oferecerá lotes para diferentes faixas de renda – incluindo unidades do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. É uma experiência similar à do distrito de Songdo, a 65 km de Seul, capital da Coreia do Sul, protótipo de cidade do futuro. Com apenas 6 km de extensão, Songdo começou a ser construído em 2005, uma parceria entre o governo do país e a Cisco. Toda a estrutura local é controlada por wi-fi, dos semáforos aos esgotos dos prédios residenciais, e prima pela ecossustentabilidade. O projeto deve estar concluído em 2020, quando Songdo poderá receber até 90 mil habitantes. Ao todo, o empreendimento demandará US$ 80 bilhões em investimentos.

Mazdar, nos Emirados Árabes, segue um conceito semelhante, bem como Palava, na Índia [veja entrevista neste Dossiê]. As experiências de Songdo, Mazdar, Palava e Laguna se enquadram no modelo greenfield – ou seja, cidades planejadas do zero, tal como uma planta industrial. Essa é uma das definições da consultoria PwC para diferenciar os modelos de cidades inteligentes; as outras são “renewal”, quando há o redesenho de uma estrutura já existente, e “retrofit”, relacionado com a implantação de um movimento social ou cultural que redireciona a região.

O município de Maringá (PR) estudou esses diferentes caminhos para traçar seu planejamento de smart city e optou pelo “retrofit”. Isso quer dizer que o movimento saiu da alçada da prefeitura e passou à sociedade civil organizada, por meio da associação comercial e industrial local. “Usamos data analytics para entender onde o foco do trabalho deveria estar”, explica Jerri Ribeiro, sócio da PwC Brasil, que assessora o projeto local. E, apesar de o município se destacar no agronegócio, o estudo descobriu que a vocação de Maringá está na área de serviços, de onde vem a maior fatia de seu PIB. A ideia é utilizar essa vocação como vetor do desenvolvimento da cidade inteligente.

**A VANTAGEM DO QUE É MENOR**

A pequena Monteiro Lobato (SP) pretende tornar-se um polo de economia criativa. O município de 10 mil habitantes foi escolhido pelo governo de São Paulo para sediar o primeiro projeto-piloto de smart city do estado. Uma das vantagens de estruturas menores, como a de Monteiro Lobato, é a possibilidade de criar laboratórios urbanos de inovação. As dimensões reduzidas dão agilidade e facilitam a operação dos recursos. Em nível global, até pequenos países, como Estônia e Singapura, têm essa vantagem, e, no caso de cidades grandes, segmentá-las em bairros ou regiões é um modo de facilitar o processo.

Entre outras cidades brasileiras de pequeno porte, um destaque particular é Vinhedo, localizada a 75 km da capital paulista. Com 75 mil habitantes, o município ostenta o 13º maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, e a tecnologia tem papel fundamental nesse desempenho. Cerca de 80% da área urbana possui banda larga gratuita e todos os órgãos públicos estão interconectados pelo programa Soluções Integradas Municipal. “Quem ganha é a população, que tem mais facilidade para acessar os serviços”, explica Gustavo Mattos, secretário de administração local.

A cidade começou a investir em inovação em 2009 e, em 2017, conquistou o primeiro lugar na categoria Segurança, Tecnologia e Inovação do Prêmio Connected Smart Cities, organizado anualmente pela Urban Systems, especializada em tendências urbanas.

**DOIS DESAFIOS EM ESPECIAL**

A adoção de novos conceitos, como o das smart cities, demora em qualquer lugar do mundo, mas há dois desafios particulares no Brasil. Um é o amadurecimento da tecnologia. “Ela não pode se tornar problema em vez de solução”, diz Hélgio Trindade Filho, diretor da Digicon, empresa de soluções de tecnologia para mobilidade urbana. Outro, ainda mais importante, é estrutural de gestão. “Falta uma cultura de planejamento e continuidade”, aponta Alexandre Moraes, de Tubarão.

As mais de 5 mil cidades brasileiras ainda têm um longo caminho a percorrer.  E tem de ser rápido.

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