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Quanto vale uma mentoria?

Há quem pague até R$ 50 mil por sessões com mentores “famosos”. Será que precisa?

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Telêmaco viveu sua infância distante de seu pai Ulisses (ou Odisseu, em grego), rei de Ítaca, que havia partido para a Guerra de Troia. Anos se passaram e Telêmaco, ainda jovem, foi em busca do pai. Foi acompanhado do sábio e amigo de confiança da família, que cuidava do menino desde a partida do rei. Seu nome era Mentor.

Está no poema épico Odisseia, atribuído a Homero, a origem do mentoring, que vem ocupando espaço cada vez mais relevante no ambiente corporativo. Mentor foi responsável não só pela educação do menino, mas também por incutir valores, ajudar na formação do caráter e repassar sua sabedoria nos desafios e nos momentos de tomadas de decisão. 

Com a prática atraindo as empresas, criou-se um mercado de mentoria: cursos e treinamentos de formação, tecnologia de gestão de programas de mentoring, consultoria de implementação e serviços prestados por mentores profissionais. Mas a questão é: quanto vale uma mentoria? 

Os preços variam muito. Cursos de formação de R$ 1 mil a mais de R$ 10 mil; eventos que reúnem CEOs renomados com algumas sessões individuais por R$ 50 mil; implantação de programas de mentoria em empresas de R$ 50 mil a R$ 100 mil; contratação de mentor que cobra de R$ 500 a R$ 3 mil por sessão ou de R$ 40 mil a mais de R$ 100 mil por projeto.

“Tem muita coisa acontecendo. Preocupa-me algo que já começou, que é a banalização da mentoria. Foi assim que também começou com o coaching”, comenta Paulo Erlich, diretor da Erlich – Pessoas & Organizações, que implanta programas nas empresas e forma mentores.

“Os eventos de mentoria são bons na geração de ideias, que podem ser aproveitadas pelos participantes. Ao ouvir a experiência de alguém bem-sucedido pode-se ter insights para o sucesso, mas isso não é mentoria. A mentoria dura vários meses, vários encontros, há um envolvimento entre mentor e mentorado”, opina Rubens Pimentel, CEO da Trajeto Desenvolvimento Empresarial.

Um ponto fundamental aqui é que um programa de mentoria, com equipes bem treinadas e alinhadas ao objetivo da empresa, com gestão organizada e bem-feita, rende frutos. E é um processo relativamente longo, que prevê uma construção de relacionamento, ou seja, não se resume a algumas horas com um ilustre guru, por exemplo.

O mentoring serve para desenvolver novos colaboradores e líderes, preparar sucessores, fortalecer a cultura organizacional, incentivar a colaboração entre funcionários, atrair e reter talentos; e tudo isso impacta positivamente os resultados da organização.

Sua empresa precisa disso? Alguns dados indicam que a mentoria é uma importante ferramenta usada por empresas de sucesso. Cerca de 70% das que estão presentes na Fortune 500 têm programas de mentoria. 

“No Brasil, poucas têm práticas estruturadas, mas é impressionante a quantidade de empresas que têm em seus planos implantar programas de mentoring”, afirma Thiago Correia, cofundador e sócio da Top2You, que desenvolveu soluções de gestão de programas de mentoria, além de ter uma plataforma com 70 mentores e formar mentores e mentorados.

HSM Management comprovou que realmente há muitos programas de mentoria dentro das organizações. Vários ainda em estágios iniciais, que estão com iniciativas sendo lapidadas, enquanto outros em estágios bem avançados e muito estruturados, o que não acontece do dia para a noite. 

Das empresas consultadas, poucas têm mentores externos – e, quando os têm, são eventuais. “Se temos dois mentores, um interno e um externo, com as mesmas competências, o desempate é em favor do profissional da casa, porque ele conhece a cultura e os processos da empresa”, diz Erlich, que também atua como mentor de executivos.

A relação mentor interno e mentorado é a que traz ganhos mais tangíveis para ambos os lados, na opinião de Pimentel. “Temos o profissional mais experiente dentro da empresa como mentor e outro de alto potencial para se desenvolver; é quase uma relação de apadrinhamento. Isso reflete nos números da companhia”, diz.

Se o mentor é profissional da própria empresa, a gestão do programa fica mais fácil: a coordenação das agendas, o alinhamento à cultura e à estratégia corporativa, além de uma expressiva economia – já que mentores internos não recebem benefícios financeiros – são algumas das vantagens.

Entretanto, há quem considere que empresas sem contratação externa podem estar se privando de um ponto de vista diferenciado. “Acredito que o modelo híbrido (mentores interno e externo) é mais poderoso, porque o olhar de fora também agrega muito”, opina Correia. 

Entre as empresas ouvidas por HSM Management, enquanto o público-alvo (mentorado) é bem diverso, todas são unânimes em relação ao perfil do mentor, que não deve ter relação de trabalho com o mentorado, mas deve ter dedicação voluntária e precisa ser treinado antes de assumir esse papel. 

“O problema mais comum é se eleger um mentor interno sem prepará-lo em mentoria, quanto a regras e metodologia, o que compromete o resultado final”, diz Pimentel. Além disso, não há um modelo único, mas as empresas ouvidas também realizam avaliações, para ter dados principalmente qualitativos dos resultados. 

**PROGRAMA CONSOLIDADO**

Na Promon Engenharia, o Programa de Mentoração existe há 24 anos, e está disponível para 100% dos funcionários, do auxiliar ao gerente. A empresa conta com 205 pessoas em seu quadro efetivo, e 20% delas são mentores, que ocupam cargos de gestão de nível sênior e pleno, e que estão na empresa há mais de um ano. Para estagiários, há outro programa, em formato de comitê, com tutoria.

Entre os objetivos do programa, estão estimular o planejamento de carreira, mapear ações de autodesenvolvimento a partir do reconhecimento de forças e fraquezas, otimizar a performance individual, ampliar as redes de relacionamento e o conhecimento sobre a companhia, além de fortalecer a cultura e os valores corporativos. “O mentoring visa a realização profissional e pessoal dos envolvidos, com direcionamento à estratégia de negócios; e gera engajamento”, diz Gabriela Gaspardo de Souza, gerente de relações humanas da Promon.

Com adesão voluntária, cerca de 90% do efetivo já passou por algum ciclo. Desde o início, o programa tem evoluído, ora para ficar mais aderente às práticas do mercado, ora para incluir ferramentas, como a chamada praça de aprendizagem, em que os profissionais podem trocar suas experiências.

Em 2014, houve mais uma mudança, segundo a analista de relações humanas Bruna Cristina de Toledo Rufino. “Deixamos a estrutura e o processo mais transparente, por exemplo, em relação ao papel de cada um”, lembra. 

Souza explica que o modelo é de autogestão da carreira profissional. “Esperamos o protagonismo das pessoas, que podem escolher seu mentor, de acordo com suas necessidades e expectativas”, alega ela. O mentorado define até três opções de mentores, e o RH considera o desafio de cada um e forma as duplas, até para não sobrecarregar alguns, mesmo com a frequência dos encontros sendo livre.

Há sete anos, quando ingressou na Promon, Fabiana Garcia Porras, coordenadora de comunicação, tem sido mentorada. “O programa me ajudou bastante no alinhamento dos meus desafios, até porque o mentor tem uma visão mais sistêmica. O networking também foi fundamental”, conta. “Costumo dizer que não existe ex-mentor, porque o carinho é para sempre.”

Já na opinião de André de Carvalho Paro, gerente de ofertas e um dos mentores da empresa, um dos pontos fortes do programa é o compartilhamento com profissionais mais jovens. “Cada caso me ensina um novo repertório de caminhos e oportunidades para crescer e revigorar a trajetória de um profissional.”

**PROCESSO DE EXPANSÃO HIERÁRQUICA**

A Mapfre começou seu programa em 2014, com o diretor geral e diretores sendo mentores dos gerentes. “Deu tão certo que abrimos para outros executivos, que mentoram sempre dois níveis hierárquicos abaixo, mas de áreas diferentes”, conta Jisley Bontempo, superintendente de recursos humanos da empresa. Agora o programa visa o desenvolvimento de supervisores, gerentes e coordenadores; e a ideia é descer um nível na estrutura hierárquica a cada ano.

Os mentores recebem, durante o treinamento, um guia chamado Plano de Voo e participam de reuniões periódicas para combinarem entre si as melhores práticas e para trocarem experiências. Além disso, contam com ferramentas e apoio de business partners.

Para formar as duplas, todos recebem minicurrículos, em que há as habilidades, projetos e marcos de cada mentor, e os pontos que cada mentorado deseja desenvolver. “Incentivamos que o mentorado escolha um mentor com perfil diferente do seu, mas que tenha experiência em seu gap”, comenta Bontempo.

Com o mentoring, a Mapfre, que tem cerca de 4 mil funcionários no Brasil, percebe que aumentou a sinergia entre as áreas, mas outro ponto se destacou: “Comprovamos, estatisticamente, que as equipes dos mentorados apresentaram aceleração de desenvolvimento. Então, o benefício não fica só com o mentorado, mas replica para seus subordinados e impacta toda a cadeia em volta”, avalia a executiva.

**PROGRAMA QUE VISA TAMBÉM A SUCESSÃO**

A DPA Brasil, joint-venture entre Nestlé e Fonterra, tem há alguns anos um programa de mentoring para a liderança com mentores internos, segundo o diretor de RH da empresa, Frederico Gonçalves. Tanto mentores quanto mentorados são treinados por uma consultoria, mas o programa é acompanhado pela equipe de RH. 

Além de aumentar o sentido de pertencimento, e de compartilhar e manter viva a cultura da empresa, o programa também tem foco em sucessão – os principais gestores dão suporte ao desenvolvimento dos profissionais mais promissores. “Nós acreditamos que esse processo é rico até mesmo para o mentor, pois renova os conhecimentos a partir da troca de ideias e do reforço dos ensinamentos”, afirma Gonçalves.

**PELA CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE COLABORAÇÃO**

A Riachuelo implantou seu programa em 2018 para ajudar seus gerentes de operações (lojas) e comercial (produtos e compras) a transporem desafios e para construir uma cultura colaborativa. Os mentores estão em cargos de gerência regional e geral. No modelo da Riachuelo, há ainda supervisores, com papel de mentor das duplas para garantir o relacionamento e a metodologia, e para tirar dúvidas.

O primeiro ciclo, com duração de seis meses e cerca de 20 encontros, teve 14 duplas. Agora, está em curso o segundo ciclo, com 31 duplas. O mentoring está inserido no Liderar Riachuelo, programa de desenvolvimento de gerentes, que inclui também capacitação técnica e treinamentos online, facilitando o acesso aos profissionais que ficam espalhados pelo Brasil.

Inicialmente, o programa é indicado para gerentes de nível pleno e sênior – os de nível júnior ainda não são contemplados. “O mentoring vem para construir essa cultura de colaboração em médio e longo prazos. Entendemos que é uma construção, porque temos inclusive que conseguir construir isso de cima para baixo para sermos efetivos e perenes”, diz Mauro Mariz Gonçalves, diretor executivo corporativo de gente e gestão da Riachuelo. 

No curto prazo, o objetivo é desenvolver essas pessoas, trabalhando gaps de performance, fortalecendo os pontos fortes de cada um, além de acelerar a carreira. “Queremos colocar uma lupa sobre esses gerentes, porque entendemos que eles já têm potencial e queremos desenvolvê-los ainda mais”, completa o executivo.

Há um longo caminho a percorrer, reconhece Gonçalves. “A Riachuelo tem atualmente cerca de 300 gerentes de loja. Como ainda não temos mentores para atender essa quantidade, nosso plano com o programa é de médio e longo prazos. Queremos para todos, mas precisamos de mais mentores”, completa. 

Entre os atuais mentores, está uma, que foi mentorada no primeiro ciclo. Era gerente de loja e traçou como meta ser promovida a gerente regional. Não só conquistou a posição como agora também é mentora. “O mentorado é quem define sua meta previamente. Ele tem autonomia e independência; é o protagonista de seu próprio desenvolvimento”, conclui o diretor de gente e gestão.

**QUANDO A PRÁTICA ESTÁ EMBUTIDA NA CULTURA**

A Movile, fundada em 1998, chegou a tentar estruturar um programa formal, mas percebeu que incluir essa prática na cultura organizacional fazia mais sentido no seu caso.

“Para nós, a pessoa deve ter um protagonismo, já que é dona de sua carreira e de seu desenvolvimento. Damos as ferramentas, destacamos que o ambiente colaborativo está na cultura da Movile e incentivamos cada um a dedicar parte de seu tempo para aprendizado”, conta Matheus Fonseca, analista de employer branding da Movile. 

A empresa não define quem será mentor e quem será mentorado, sequer define um número de encontros entre as partes. Fonseca diz que qualquer funcionário pode convidar outro para ser seu mentor e a relação dura quanto tempo for necessária e útil para os dois lados. Para a empresa, ter pessoas se desenvolvendo e conectadas umas às outras são os ganhos principais.

Atualmente com 2,3 mil funcionários, espalhados pelo ecossistema de empresas, como PlayKids, iFood, Sympla, Maplink e Zoop, todos têm acesso à plataforma My Academy, com cerca de 40 mil cursos online, incluindo alguns das universidades de Harvard e MIT.

Apesar da total liberdade, a Movile criou um programa de mentoria formal, voltado somente para os que entram na companhia. Ele nasceu com o programa de recrutamento de estagiários e trainees Mobile Dream, em 2016. Cada selecionado conta com um mentor, para ajudar na ambientação e na carreira, assim como para acelerar seu desenvolvimento.

O próprio Fonseca entrou na Movile pelo Mobile Dream. “Ter mentoria não é comum. Foi um privilégio, ajudou no meu amadurecimento, na visão estratégica e acelerou a curva de aprendizado”, conta ele. Hoje com 23 anos, assim que foi efetivado, no fim de 2017, convidou a diretora da área de gente, Luciana Carvalho, para ser sua mentora, uma relação que continua até hoje.

Eventualmente, há casos de mentoria externa na Movile, mas somente quando é necessário o desenvolvimento de alguma competência específica para C-Level, por exemplo. 

**MENTORIA REVERSA, É POSSÍVEL?**

Muitos filhos e netos desempenharam – e ainda desempenham atualmente – o papel de “mentores” de seus pais ou avós no uso de dispositivos eletrônicos, como smartphones e smart TVs, com suas inúmeras aplicações, certo? Por que, então, um jovem profissional, especialista em inteligência artificial, data analytics ou blockchain, não pode ser o mentor de um alto executivo com uma extensa experiência, mas que não domina todas as novidades tecnológicas?

É exatamente isso que o mercado tem chamado de mentoria reversa, quando o mentor é mais jovem do que o mentorado. Mas isso faz sentido?

“O termo mentoria reversa foi popularizado em 1999 por Jack Welch, então CEO da General Electric, quando colocou 500 de seus principais executivos com jovens para que aprendessem com eles a usar a internet”, conta Paulo Erlich. Um pressuposto falso, em sua opinião, que é compartilhado por outros especialistas.

“Vejo como um erro de semântica, não de conceito”, diz Thiago Correia. A idade do mentor, assim como seu nível hierárquico, não importa, e sim sua bagagem. “Como a mentoria é um processo de troca, depende do contexto para a definição do mentor, mas não da idade”, diz. Ele lembra que, quando trabalhou na Coca-Cola, o presidente mundial tinha um mentor na casa dos 30 anos de idade.

“O real significado de mentoria reversa é quando o mentorado se desenvolve tanto, que acaba virando o mentor do que até então era o seu mentor, ou seja, mentor vira mentorado e mentorado vira mentor”, explica Erlich.

Semântica à parte, o fato é que HSM Management encontrou empresas com mentores mais jovens do que mentorados.

Em 2017, a Mapfre teve a primeira turma de mentores jovens para mentorados mais seniores, incluindo aí o presidente. “A mentoria reversa começou no Brasil e agora é utilizada pela Mapfre globalmente”, conta Jisley Bontempo. O programa foi idealizado por conta da transformação digital, com o objetivo de os jovens levarem suas experiências com tecnologia para os executivos com mais idade. 

Já foram feitas duas turmas do modelo reverso, e há 25 jovens no papel de mentores na companhia. Ter a visão dos millennials passou a ter um maior peso dentro da Mapfre. Um bom exemplo foi um encontro de oito mentores jovens com três mentorados para que os mais novos dessem ideias e opiniões em um projeto específico, e muito foi aproveitado. 

A KPMG inicia no segundo semestre um programa em que 113 sócios serão mentorados por 113 millennials, que não ocupam cargos gerenciais. Antes disso, foi criado na empresa um comitê formado por oito jovens, com características diversas, que estão participando de todos os comitês da KPMG, com o propósito de influenciar de forma reversa, trazendo outra visão às reuniões.

Enquanto inicia essa turma, a KPMG dá um outro passo. Pela Aliança Toda Cor, da qual a KPMG faz parte ao lado de empresas como Dow, O Boticário, Microsoft, entre outras, está sendo desenhado um projeto em que millennials negros serão mentores de executivos brancos mais seniores, sendo cada um deles de empresas trocadas. 

Pelas iniciativas das empresas, tudo indica que novas propostas de mentoring estão sendo desenhadas. Tudo em prol do aprendizado.

**FOCO NAS MULHERES**

O mentoring tem se mostrado eficiente para fortalecer a participação de mulheres em cargos de liderança. O primeiro programa de mentoria da KPMG tinha o foco nas mulheres e, depois, a iniciativa se estendeu para outros públicos. Já no Grupo Algar, mentoria para mulheres veio depois da experiência de sucesso com outros programas voltados para diretores.

Em março de 2019, a Algar Tech implementou um programa só para mulheres. Nesse, são cinco mentoras e dez mentoradas, que se encontram uma vez por mês, durante um ano. “O diferencial da mentoria feminina é que temos foco nas necessidades que as mulheres enfrentam. Sendo assim, os temas tratados são voltados tanto para o empoderamento feminino quanto para questões estratégicas do negócio”, afirma Júlio Emmert, diretor de gente e gestão da Algar Tech. 

O programa pretende preparar as profissionais que estão em cargos de média liderança (coordenadoras e consultoras) para que possam competir com mais igualdade com os homens às vagas de níveis mais seniores. Elas foram escolhidas em um processo seletivo às cegas, o qual avaliou as soft skills e o desejo de crescer na carreira. “Atualmente temos 33% de mulheres em cargos executivos e nossa meta é chegar a 40% até 2021”, revela o diretor de gente.

A própria presidente da Algar Tech, Tatiane Panato, é mentora de duas mulheres e um homem, que atuam na Algar Telecom, na Algar Tech e no Grupo Algar. Além de poder fazer a diferença no desenvolvimento da carreira e no engajamento dessas pessoas, ela considera que ganha muito com a atividade: “Como mentora aprendo muito sobre a visão atual dos jovens e como gerir nesse novo mundo, melhorando a forma como lido com conflitos de gerações, engajamento no propósito, questões de diversidade etc.”.

Panato participou em 2018 do programa As Executivas do Amanhã, da Exec – iniciativa de mentoring para universitárias. “Foi uma troca incrível. É impressionante como o aprendizado é mútuo e enriquecedor para ambas as partes”, diz ela. “Em um mundo dinâmico e flexível, onde tudo é integrado e a ansiedade é enorme, refletir sobre carreira, dificuldades femininas e propósito é fundamental para a escolha de qual jornada você quer traçar”, completa.

O programa da KPMG existe há mais tempo. Patricia Molino, sócia-líder de people & change e líder do Comitê de Inclusão e Diversidade da KPMG no Brasil, acompanhava o boom de estudos e pesquisas sobre equidade de gêneros, uma década atrás. Entendeu que um fator importante para o empoderamento feminino é que tivesse o patrocínio da liderança, e que uma forma de isso acontecer era por meio do mentoring. 

“As pessoas bem-sucedidas têm mentores”, afirma Molino. Então, há cinco anos, ela desenhou um programa piloto de mentoria para mulheres na KPMG, com 12 duplas. Nessa época, a maior dúvida entre os mentores homens era: “E se ela chorar?”. Hoje, querem saber como motivar, desafiar e provocar as mentoradas para avançarem na carreira, relembra Molino. A segunda turma saltou para 30 duplas – na última foram 107 duplas. 

“Nosso modelo de mentoria para mulheres foi replicado para a ONU”, conta a executiva, com orgulho. A ideia também passou a ser adotada pela matriz e agora está relacionada à estratégia global da companhia.

“O programa se tornou grandioso”, diz Luciene Magalhães, sócia-líder do Human Capital Committee da KPMG no Brasil, que é uma das atuais 27 mentoras da companhia, número que saltará para 56 até o fim deste ano, além de 120 mentores homens. “É uma forma de desenvolvimento para os dois lados. É indescritível a sensação de ver gerentes que mentorei agora virando sócias”, completa ela.

Três anos atrás, a KPMG ampliou o programa Mentoring for You para toda a liderança, incluindo homens, e criou um programa para os sócios recém-promovidos. Com os projetos, Magalhães diz que ocorre uma mudança que afina a cultura com as melhores práticas, além de aumentar o engajamento, já que os envolvidos acabam conhecendo outras áreas, desafios e formas de trabalhar diferentes do que cada um está acostumado. 

A empresa se prepara para dar um salto ainda maior no mentoring. Para isso, está investindo este ano em ferramentas, para permitir encontros a distância, para mensurar a satisfação e o progresso dos envolvidos. Planeja ainda trazer sócios aposentados para serem mentores, em um modelo remunerado, com as vantagens de estarem em uma etapa de vida com mais tempo e mais calma.

**COMO SE TORNAR UM MENTOR**

Há vários cursos e eventos, com as mais diversas durações, começando por um dia. O título de alguns parece prometer transformar o participante em mentor. Apenas ouvir um dos maiores mentores da atualidade não vai fazer a pessoa ser capaz de desempenhar  bem o papel de mentor, se ela não tiver alguns requisitos prévios. “Eventos curtos ajudam a dar uma visão geral do que é a mentoria, mas não preparam o indivíduo para os desafios enfrentados ao longo de um processo que dura meses”, opina Rubens Pimentel.

Paulo Erlich, por sua vez, acredita que um profissional possa sair preparado para atuar como mentor depois de um treinamento de curta duração. “É diferente do coaching. O mentoring é muito simples e, por isso, é tão encantador. Para ser mentor, a pessoa precisa ter algumas características, que representam cerca de 90% do necessário. Tendo isso, só precisa aprender a metodologia e as poucas ferramentas”, alega ele.

Se por um lado a opinião sobre o tempo de preparo é divergente, a necessidade da prática é unanimidade entre os especialistas, bem como as características essenciais para um mentor poder ajudar o mentorado a atingir um objetivo. São elas:

Experiência, bagagem profunda – É imprescindível ter conhecimento e ter vivência no cenário, nos desafios ou nos gaps do mentorado, para conseguir efetivamente ajudá-lo a se desenvolver e a transpor as barreiras. O mentor deve prover um suporte ao mentorado, por seu conhecimento prático, por já ter passado por uma série de experiências, mas também pode dar suporte nos âmbitos moral e pessoal.

Escuta ativa – “Eu diria que escuta ativa é o combustível para os relacionamentos, mas há falta disso nas relações humanas. É quando uma pessoa ouve de forma profunda, empática, com atenção total a quem fala, é um momento de doação para o outro. O mentor precisa escutar o que o mentorado diz e também o que não diz. Com escuta ativa, a pessoa se torna mais capaz de fazer boas perguntas e contribui para que o mentorado faça boas reflexões”, explica Erlich.

Disposição em ajudar e abertura à prática de troca de experiências – O mentor deve ter o desejo genuíno de compartilhar sua bagagem para ajudar no desenvolvimento da outra pessoa. E ainda tem que ser aberto à experiência que o mentorado tiver para compartilhar.

Ter tempo – Para ser um mentor efetivo, é preciso ter tempo para se dedicar ao mentorado. Sugere-se que as conversas sejam previamente agendadas e que, de preferência, não sejam interrompidas por ligações e/ou mensagens de celular.

Além desses fatores, recomenda-se que os encontros entre mentor e mentorado (ou mentee, como preferem alguns) devem ser  realizados em ambientes seguros. Por exemplo, as conversas nunca são gravadas. Também não é recomendável que os dois tenham alguma relação hierárquica, porque o relacionamento tem foco na colaboração, e nunca de poder ou subjugação. 

Cabe ao mentor orientar, ensinar, provocar reflexões, inspirar o mentorado, dando apoio e incentivando-o a seguir seu caminho com autonomia e independência. Lembre-se: Mentor, em Odisseia, não fazia as coisas por Telêmaco e, sim, encorajava-o a fazer por conta própria.

**MENTORES DE JOVENS CARENTES**

Já que o mentoring traz tantos benefícios aos funcionários das empresas, por que não derrubar os muros das companhias e levar essas vantagens até as comunidades carentes? Foi assim que a DPA criou outra vertente, o Mentoring Voluntário. Nele, os mentores interessados passam a atuar com jovens universitários de baixa renda, com o auxílio da Comunidade Empodera! Com o objetivo de inclusão desses jovens no mercado de trabalho, os executivos da DPA os ajudam em assuntos de carreira e na preparação para processos seletivos.  

A DPA tem verificado que depois da mentoria, esses jovens ficam mais autoconfiantes, reconhecem melhor seus potenciais e muitos montam um plano de desenvolvimento de carreira. São seis encontros (presenciais ou online), com o auxílio de uma plataforma que permite o acompanhamento das atividades.

Karina Wohnrath, gerente de RH da DPA, já esteve no papel de mentorada, e se tornou mentora de um jovem do projeto de voluntariado. Em agosto, esse rapaz começou como estagiário na própria DPA. Ela conta que ele ficou emocionado quando soube de sua aprovação no processo seletivo. Outros mentorados entraram em empresas como Google, Cargill e Johnson & Johnson.

Se cada jovem beneficiado com o Mentoring Voluntário replicar sua experiência daqui a alguns anos, a DPA pode ter plantado a semente para a criação de um círculo virtuoso. Melhor ainda se outras empresas e profissionais se inspirarem nessa nobre iniciativa, que só reforça o valor intangível que os programas de mentoria são capazes de gerar no médio e longo prazo. Sem bala de prata, apenas gerando aprendizado mútuo a mentores e mentorados, em uma relação de troca e de compartilhamento de experiências.

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