Liderança
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A outra IA – investigação apreciativa

Mais do que uma intervenção pontual, especialmente útil para momentos desafiadores como o atual, a abordagem de David Cooperrider já está se tornando um modelo de cultura em várias organizações

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> **Saiba mais sobre Vânia Bueno Cury**
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> A professora e consultora de comunicação estratégica e de facilitação e engajamento de equipes Vânia Bueno diz que a investigação apreciativa mudou sua vida. 
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> Bueno se envolveu com a abordagem em 2007. A agência de comunicação corporativa que havia fundado 15 anos antes passava por seu melhor momento – boa equipe, ótimos clientes e faturamento crescente –, mas ela não sentia o mesmo entusiasmo com o negócio e não entendia o que estava errado. Ao questionar-se sobre o que ela verdadeiramente queria, soube: “Eu queria continuar trabalhando com comunicação, tema que amo, mas não mais só para ajudar empresas a vender produtos e serviços. Queria comunicação para o desenvolvimento humano”, conta. Em quatro meses, fechou seu negócio e foi estudar na Weatherhead School of Management, EUA, onde a IA nasceu. Ela conviveu com David Cooperrider, Ron Fry, Richard Boyatzis e outros importantes mestres da área.

Você despende tempo demais só para resolver problemas? Gostaria de economizar a energia que você gasta para corrigir falhas, suas e dos outros? Então, a pergunta-chave é: será que há uma forma de promover mudanças, bater metas e colher resultados que seja menos difícil, mais leve e até prazerosa?

A investigação apreciativa (IA) acredita que sim e tem comprovações. No início dos anos 1980, o norte-americano David Cooperrider sonhou uma revolução positiva nas organizações, que batizou de “appreciative inquiry”. Na contramão da cultura do déficit na qual estamos imersos, em que damos atenção ao que falta e ao que dá errado, ele propôs uma pergunta essencial: “O que dá ‘vida’ aos sistemas humanos? Em outras palavras, quando nos sentimos mais vivos, o que gera essa ‘vida’?”. Não são os fracassos e as fraquezas tão valorizados; são nossas virtudes e fortalezas.

David Cooperrider estudava o comportamento organizacional quando começou a questionar esse padrão depreciativo iniciado com o modelo taylorista de gestão. Ele percebeu que o paradigma aplicado para a gestão de máquinas – o de, diante de falhas, identificarmos, consertarmos ou substituirmos peças – também passou a valer para as dinâmicas e as interações humanas. Então, enquanto outros especialistas em comportamento organizacional se dedicavam a entender as empresas como “problemas a serem resolvidos”, Cooperrider escolheu investigá-las como “mistérios a serem apreciados”, buscando o que dava certo para descobrir as forças e o potencial dos sistemas humanos. 

Suas primeiras descobertas foram apresentadas em 1985, na defesa de sua tese de doutorado orientada por Suresh Srivastva, cocriador da IA, na Weatherhead School of Management [de Cleveland, Ohio, nos EUA] – ainda hoje, considerada um dos melhores e mais inovadores centros de estudos de comportamento organizacional no mundo. Para sustentar sua tese e, depois, colocá-la em prática, Cooperrider se apoiou em cinco princípios: o construcionista, o da simultaneidade, o poético, o antecipatório e o positivo [veja quadro na página seguinte].

Antes de aprofundar o assunto, que acredito ser ainda mais obrigatório ante uma sociedade tão polarizada como é a nossa no Brasil atual, vale esclarecer que esses princípios não subestimam as dificuldades que as organizações enfrentam dia após dia, nem menosprezam a visão crítica. O que a IA faz é ajudar a aprimorar o discernimento, pondo na balança, ao lado dos aspectos negativos, também os positivos – estes, sim, ignorados na maior parte dos processos de mudança. Assim, a IA permite que decisões e ações sejam mais equilibradas e eficazes. 

Thomas White, que liderou a telecom GTE [atual Verizon], esclareceu sua equipe ao apresentar a IA: “Não estou defendendo uma conversa burra e feliz. Não podemos ignorar problemas; só precisamos abordá-los pelo outro lado”. Será que os líderes brasileiros estão preparados para essa abordagem? 

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**UM BREVE PANORAMA**

“Liderança tem a ver com a criação de um alinhamento de forças que tornam as fraquezas de um sistema irrelevantes.” Quem disse isso foi Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna. Enquanto alguns ainda hoje questionam o impacto da abordagem apreciativa no mundo dos negócios, Drucker validou a teoria que acabara de conhecer em uma conversa com Cooperrider. Perceba que o velho mestre não fala em eliminar fraquezas como a maioria das empresas, mas em alinhar forças para que, com potencial trazido à tona, as fraquezas se tornem irrelevantes para o sistema como um todo. Fraquezas sempre existirão nos sistemas humanos.

São muito expressivos os resultados, sociais e financeiros, das intervenções de IA em empresas como Apple, Boeing, Fairmount Minerals, McKinsey, Sherwin-Williams, Verizon, Walmart, Avon, DTE Energy, Hunter-Douglas, McDonald’s e British Airways, entre outras. Com a IA foram executados os projetos mais diversos, para abordar questões de gênero e diversidade, aprimoramento no atendimento a clientes, desenvolvimento de novos produtos, melhorias na relação com a cadeia de fornecedores, criação de visão compartilhada, processos de inovação e cocriação de planejamentos estratégicos. A teoria também é aplicada em diferentes domínios, como desenvolvimento organizacional, psicologia positiva, estratégia corporativa, coaching, mentoring, design thinking, desenvolvimento sustentável e biomimética. A IA contribuiu ainda para a transformação de cidades, em projetos como Imagine Chicago, Imagine Nagaland (Índia) e Sustainable Cleveland 2019. 

E quanto ao Brasil? David Cooperrider tem uma relação muito especial com os brasileiros. É bastante comum citar como referência sua vinda a Curitiba em 1997 para a primeira ação de IA no país. Ele conta que recebeu o convite de Rodrigo Loures, fundador e então presidente da empresa de alimentos Nutrimental, para uma intervenção na companhia que vivia uma profunda crise organizacional. Com entusiasmo, fala de sua surpresa ao chegar ao evento onde esperava encontrar 50-70 participantes e ver na plateia todos os 700 funcionários da empresa. Foi ali, sem aviso, que aconteceu a estreia da IA com grandes grupos. O case é relevante também pelos resultados excepcionais: a criação de um novo produto – Nutry – 200% de crescimento dos lucros e 75% de redução nas taxas de absenteísmo no primeiro ano de gestão apreciativa. Em 2003, Rodrigo Loures assumiu a presidência da Federação das Indústrias do Paraná e a IA esteve muito presente durante os seus oito anos de mandato. 

Nesse período, David Cooperrider, Ron Fry, cocriador da IA, e Ilma Barros, a primeira brasileira a ter contato com teoria durante seu doutorado na Weatherhead, vieram ao Brasil muitas vezes para facilitar grandes eventos, como as edições do Global Fórum América Latina em 2011 sobre o papel das universidades e empresas na construção de um mundo sustentável. Com o apoio da FIEP, mais de 100 consultores brasileiros receberam formação em IA e têm aplicado a metodologia em empresas, ONGs e governos. 

Um grande marco para a IA aconteceu em 2004, quando David Cooperrider recebeu de Kofi Annan, prêmio Nobel da Paz e então presidente da Organização das Nações Unidas, a missão de conduzir a primeira conferência de cúpula do Pacto Global, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo. Com a presença de 500 CEOs das maiores empresas do planeta, o encontro tinha o desafio de engajar as corporações na adoção de dez princípios relacionados a direitos humanos, trabalho, meio ambiente e corrupção. O evento foi um sucesso e hoje o Global Compact conta com quase dez mil empresas signatárias em 160 países. “Sem a investigação apreciativa, teria sido muito difícil, talvez impossível, engajar construtivamente tantos líderes”, reconheceu Kofi Annan. 

A experiência fortaleceu em Cooperrider a crença de que a visão apreciativa permitiria que grandes desafios como o aquecimento global, a crise energética, a desigualdade social e a extrema pobreza pudessem ser compreendidos como oportunidades valiosas para os negócios e para tornarmos o mundo mais pacífico, próspero e justo. Por isso, ele lançou o The Fowler Center for Sustainability e o BAWB – Business as an Agent of World Benefit, plataforma em que empreendedores e empresas podem registrar suas iniciativas positivas e impactos na gestão, no meio ambiente e na comunidade, para gerarem inspiração, coragem e energia para as mudanças necessárias no mundo. 

Não é menos relevante a contribuição da IA para a United Religions Initiative (URI), onde o método facilita, desde 1996, o diálogo entre os mais importantes líderes religiosos do planeta dando apoio à unificação e à colaboração entre as religiões. Cooperrider é também ativo no Imagens e Vozes de Esperança, movimento global por uma mídia mais apreciativa. 

Recentemente, Cooperrider se juntou a Martin Seligman, considerado o pai da psicologia positiva, no esforço de acelerar a expansão do projeto que Seligman denominou “educação positiva”. O objetivo é levar às escolas do mundo todo disciplinas que eduquem para o bem-estar, com foco em apreciação, afeto, compreensão, respeito e aprendizado mútuo. 

> **Ciclo dos 5 Ds**
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> Este é, sem dúvida, o modelo de intervenção de IA mais utilizado e conhecido. Sendo uma pesquisa-ação, a intervenção acontece sobre uma questão social e envolve os participantes de maneira colaborativa. Tendo o diálogo e a curiosidade como bases, é ideal para a formulação, o planejamento e a execução de mudanças estratégicas e pode reunir dezenas, centenas e até milhares de stakeholders em um processo criativo aplicado em até quatro dias de interação, que incluem entrevistas em pares, compartilhamentos em grupos e em plenárias, prototipagem de soluções e plano de ações.
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> Nesse processo, as etapas consideradas mais importantes são a 1 e 2, a definição do tópico afirmativo e da pergunta mobilizadora.
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**NA PRÁTICA**

Os princípios de IA são aplicados por meio de modelos de intervenção e ferramentas de gestão. Há muitos deles, porém vou me deter nos mais conhecidos e aplicados, que são dois: o Ciclo dos 5 Ds, o método de investigação apreciativa para grandes grupos, e o SOAR, uma versão apreciativa da matriz estratégica SWOT [veja os quadros nas próximas páginas].

A base de todos é sermos expostos a perguntas positivas, seja no contexto organizacional, seja no pessoal, pois aí é que podemos abrir novas veredas para o autoconhecimento. A IA funciona como uma “lente” que nos permite enxergar e compreender a realidade de maneira mais ampla e precisa. Esse novo olhar amplia as possibilidades de gerar profundas transformações nas pessoas e em suas relações consigo mesmas e com o mundo. 

 Em geral, não há fronteiras para quem aplica a IA – ela vale para a vida profissional e também para a vida pessoal. Para muitas pessoas, a IA se tornou uma postura diante da vida. Compartilho aqui o depoimento de parceiras “apreciativas” sobre o impacto prático da IA:

Janine Saponara, Brasil, jornalista, fundadora da Lead Comunicação e mãe. “Um empresário visionário me indicou a David Cooperrider por ter, apreciativamente, visto em mim o empreendedorismo otimista que me é nato. A certificação em IA me trouxe a segurança para usar, com propriedade, a metodologia que eu, sem saber, usava: dar asas à curiosidade + sonhar + planejar + correr atrás e entregar o que fosse possível, sem sofrimento. Gostei tanto que contribuí para que finalmente o Manual de investigação apreciativa, a bíblia da área, existisse em português. 

No mundo corporativo, o resultado da IA é tão bom, que alguns clientes que contratam facilitações da minha consultoria se surpreendem: não entendem como em tão pouco tempo conseguimos tirar tanta informação e gerar tanta integração entre os times… Outros, que confessam desacreditar na dinâmica no início, depois do processo rendem-se aos resultados obtidos. 

Na vida pessoal, tive o privilégio de aplicar os conhecimentos da investigação apreciativa na educação de um de meus filhos, que tem a Síndrome de Asperger. O resultado não poderia ser melhor. Como ele foi valorizado durante toda a sua infância e adolescência, hoje cursa filosofia na Universidade de São Paulo (USP), namora e se relaciona muito bem com as pessoas. Tem uma autonomia exemplar.”

Marge Schiller, Estados Unidos, professora, escritora, consultora e ativista. “No início dos anos 1990, eu era executiva em uma grande empresa norte-

-americana. Era um período em que se discutia a ilegalidade do assédio sexual existente nas empresas. Naquele momento percebi que estávamos falando muito sobre ‘as coisas que não desejávamos’, mas nada era dito sobre ‘o que queríamos’. Então, em um evento, conheci David Cooperrider. Quando ele perguntou para o grupo por que despendíamos tanto tempo e energia com aquilo que não queremos, eu percebi imediatamente que aquilo fazia sentido para mim. Na época, sempre que eu chegava ao escritório, havia uma fila de problemas para resolver. Eu digeria aqueles problemas como quem come rápido uma comida ‘pelando’ e terminava o dia exausta e desanimada, porque sabia que na manhã seguinte tudo se repetiria uma vez que minha capacidade de resolvê-los nunca era suficiente. 

Inspirada pela IA, resolvi parar de focar os problemas e de procurar o que não funcionava, e passei a trabalhar com o que poderia dar certo – foi transformador.

A imagem que melhor retrata meu entendimento da IA aconteceu no dia do ataque às Torres Gêmeas, em 2001. Eu estava na sede de uma grande companhia em Nova York conduzindo um treinamento para 70 executivos quando fui informada da catástrofe. Evidentemente parei o que estava fazendo e me ofereci para cuidar da filha de uma funcionária que excepcionalmente estava no escritório naquele dia. Enquanto passeava com a menina pela companhia aconteceu algo extraordinário: quando nos aproximávamos das pessoas que choravam, elas paravam imediatamente de chorar; as pessoas paralisadas voltavam a interagir ante aquela criança de 4 anos. Ela era a própria imagem da esperança e do recomeço. 

Hoje me autodefino como uma ‘avó profissional’ e trabalho intensamente para mudar os padrões de relacionamentos entre gerações, dentro e fora das organizações. Escolhi aprender com as crianças e sei que a IA pode nos ajudar a transformar os estereótipos e os preconceitos que nos separam. Quero fazer isso porque creio que só será possível construir o mundo que queremos se formos construí-lo juntos.” 

> **SOAR x SWOT**
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> O SOAR é a versão positiva da matriz estratégica SWOT, já bastante conhecida e utilizada pelas empresas. Há duas diferenças essenciais entre elas: 1. Na matriz SOAR o foco é integralmente positivo. 2. A versão SWOT é usualmente respondida apenas por pessoas em posições estratégicas, enquanto a SOAR valoriza a diversidade e a participação de representantes de todas as áreas e papéis.
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**O PRÓXIMO PASSO**

Com implicações em todos os aspectos organizacionais, a IA é uma metodologia com um histórico de crescimento significativo. Porém ainda são muitas as organizações que não a adotam. E mesmo as que já a utilizam o fazem, na maioria dos casos, como uma ferramenta de intervenção pontual.

Neste momento de tantos desafios e em que prevalece a sigla IA de inteligência artificial, é preciso fazer a investigação apreciativa evoluir para modelos de cultura que contagiem o mundo dos negócios, e também o da educação, o da saúde e o do viver bem. Faça como eu e inspire-se por este texto budista: 

“Não existe o ser ou o não ser/ Não existe o vir ou o ir / Tudo o que existe é uma profunda apreciação do que é.”

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