Saúde Mental
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Qual é, afinal, nossa relação com o tempo?

refletir sobre nossa percepção do tempo, À maneira dos Filósofos, pode nos ajudar a lidar com ele tanto ou mais do que as ferramentas de time management

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Somos obcecados pelo tempo. Talvez porque seja ele uma das nossas maiores fontes de estresse nos dias atuais. A rotina incansável, reuniões e atividades a serem cumpridas, prazos e cronogramas seguidos à risca e, mesmo assim, a sensação é de que o tempo está escorrendo por entre os dedos. E aí bate um sentimento de culpa e uma angústia difícil de digerir. 

Essa sensação de desperdício impõe a importância de entender nossa relação com o tempo. Esse tem sido um dos maiores problemas filosóficos desde a Antiguidade. Tarefa difícil de colocar em palavras, o significado do tempo é uma abstração. “Se ninguém me perguntar eu sei, porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei”, afirmou Santo Agostinho no Livro XI da obra Confissões, em uma das mais importantes reflexões sobre o tempo na história do pensamento humano. 

No documentário Quanto tempo o tempo tem?, disponível na Netflix, a diretora Adriana L. Dutra avança sobre essa questão nos dias atuais. O filme fala sobre a correria que vivemos em uma época de velocidade e urgência, em que “o futuro parece avançar sobre o presente”. A cineasta entrevista artistas, pensadores, filósofos e cientistas para descobrir essa relação do ser humano com o tempo. 

Em um dos depoimentos, o físico Luiz Alberto Rezende de Oliveira, curador do Museu do Amanhã, explica que o advento do relógio implementou a ideia de que o tempo consiste em uma sucessão de pedaços idênticos. Diferente do tempo natural, observado na astronomia, o tempo convencional passou a ter 24 horas fixas impostas pelo ritmo e pela disciplina da sociedade industrial. “A disseminação do relógio mecânico foi mais revolucionária do que a pólvora, que mudou o movimento, ou o papel, que mudou a memória, ou ainda a bússola, que mudou o espaço. O relógio mecânico mudou o próprio tempo”, afirma Oliveira. 

E desde então vivemos num estado de perpétua incompletude, em que não temos tempo suficiente para trabalhar, estudar, conviver com a família, assistir aos filmes que queremos ou ler todos os livros que compramos. A solução para isso é viver o presente como forma de nos apropriarmos do nosso próprio tempo. 

Para a professora de filosofia da organização Nova Acrópole do Brasil, Lúcia Helena Galvão, a consciência é o ingrediente mágico que nos permite dar vida ao tempo. Segundo ela, precisamos colocar cada coisa em seu lugar e no seu tempo. “Isso significa que as atividades não competem entre si, mas, pelo contrário, cada uma, em seu território-tempo, é soberana e absoluta, e poderá contar com a plenitude de nossa atenção, interesse e criatividade”, explica a filósofa. 

Para Galvão, assim nascem as obras que contribuem positivamente para a equação do tempo humano. Nesse sentido, tempo é construção. “Imagine a alegria de uma meta cumprida, o trabalho da equipe atingindo seus resultados, isso é qualidade, é momento oportuno”, observa. 

> **UM AUTODIAGNÓSTICO**
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> Como você distribui seu tempo durante o dia (em horas)?
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> Sono =
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> Alimentação =
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> Higiene pessoal =
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> Deslocamento =
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> Trabalho =
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>
> Agora, responda a três perguntas, lembrando que o dia tem 24 horas: 
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> • Sobra tempo? 
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> • Se sim, quanto sobra? 
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> • E quanto você gostaria que sobrasse para aproveitar oportunidades que apareçam, profissionais ou pessoais? 
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>
> Esse é um pequeno teste, proposto pelo especialista em produtividade Rubens Pimentel, que nos permite começar a pensar sobre o tempo em termos de “desejo e necessidade”, como cantaram os Titãs. 
>
> O autoconhecimento e a descoberta do que é verdadeiramente essencial para sua vida é o primeiro passo a ser dado em qualquer tentativa de domar o tempo, como diz Christian Barbosa, especialista em time management. Barbosa criou o método “ Tríade do Tempo”, com a divisão do tempo em três esferas: o importante, o urgente e o circunstancial – uma adaptação de propostas como a da matriz atribuída ao ex-presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower e a matriz da FranklinCovey [veja página 41]. Cada indivíduo possui uma tríade pessoal de distribuição de tempo pelas esferas, segundo Barbosa, e esta varia conforme fatores como idade, maturidade, condição social e cargo. Um teste de 18 perguntas é proposto por Barbosa no site http://www.triadps.com/TesteTriade/Teste, e ajuda você a entender sua tríade. (Mas você precisa compartilhar seus dados para receber uma avaliação por e-mail.) (ASS)

> **É PRECISO CONCILIAR CRONOS E KAIRÓS**
>
> por Carlos Júlio
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> Séculos antes de Cristo, os gregos já entendiam a complexidade do tempo. Em um esforço para contemplá-la e traduzi-la para os mortais comuns, criaram duas divindades para dar corpo às duas facetas do tempo: Cronos e Kairós. 
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> Cronos é o deus do tempo que se conta. O tempo tal como o conhecemos, contado em dias e noites, que compõem anos divididos em estações nas quais se planta e se colhe. O tempo inevitável e irrevogável. Segundo a mitologia, Cronos devorava seus filhos assim que nasciam. Mas o caçula, Zeus, escapou e cresceu longe da influência paterna. 
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> Mais tarde, Zeus voltou e fez Cronos vomitar os cinco filhos que engolira – e, ao vencer o deus do tempo, virou imortal como os irmãos. Começou o governo de Zeus sobre o mundo.
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> Zeus teve filhos com várias divindades e uma delas foi Tique, deusa da fortuna e da prosperidade, que lhe deu Kairós. Segundo a mitologia, Kairós era um jovem belo, com asas nos ombros e nos joelhos, ágil e atlético. Para os gregos, Kairós simbolizava o tempo que não pode ser cronometrado, que se refere aos momentos que se eternizam na memória. Um tempo livre, que não se mede em horas, dias e meses, e sim em experiências. Os gregos acreditavam que Kairós era a única divindade com potencial para derrotar o poderoso Cronos, e por isso dedicavam a ele especial apreciação.
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> O conflito entre esses dois tempos, Cronos e Kairós, tempo externo e interno, está na raiz da ansiedade, a grande doença do mundo moderno. Quem não entender e não souber conjugar a dinâmica entre eles correrá um risco real de sabotar a própria vida e carreira. 
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> Medimos o tempo há milhares de anos e o que sabemos dele? Passamos a vida divididos entre dois tempos, sem saber como conciliá-los. Afinal, o tempo de Cronos, a exemplo da divindade mitológica, é um tempo tirano, que nos persegue com seu chicote cobrando execução e pontualidade. O tempo de Kairós é o tempo que desejamos, com qualidade, realizações, felicidade; mas, como o deus que simboliza, é fugaz, volátil. 
>
> A poeta brasileira Adélia Prado foi uma que compreendeu Cronos e Kairós como antagônicos e escreveu: “… a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos”. 
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> Podemos dominar Cronos com uma agenda meticulosa e cumprida à risca, mas isso não garantirá nossa felicidade, porque ela precisa de Kairós. É nesse equilíbrio delicado que conquistamos uma vida mais feliz. 
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> Então, o que fazer, na prática? Tudo depende de uma decisão pessoal. Assim como pensa em Cronos, você deve sempre perguntar-se: onde está seu Kairós? Como você cuida dele?
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> * Estes são os highlights adaptados do livro O que eu não posso deixar de fazer hoje?, de Carlos Júlio, a ser lançado em março pela Planeta.

**A INTEMPORALIDADE**

No livro O paradoxo do tempo, o psicólogo Philip Zimbardo, da Stanford University, descreve que o modo de perceber o tempo é único para cada pessoa. Segundo Zimbardo, isso afeta profundamente nossas escolhas e pode determinar o êxito profissional, o bem-estar psicológico e a saúde física.

Como já havia descrito o grande físico alemão Albert Einstein na sua Teoria da Relatividade, a passagem do tempo depende do ponto de vista do observador. O exemplo clássico é aquele do astronauta que viaja para o espaço e, quando retorna ao planeta Terra, vê seus amigos mais velhos do que ele, o que evidencia que o tempo é relativo. 

Numa época em que a evolução tecnológica e a internet dissipam o espaço/tempo, a noção de passado, presente e futuro se torna difusa, sem uma separação clara. Por exemplo, um evento que acontece em qualquer lugar do mundo é visto de forma instantânea e simultânea na TV, no computador e no celular. Mas o excesso e a fragmentação, ao invés de incitarem a ação humana, geram efeito contrário: produzem ansiedade e paralisa diante de tantas variáveis e escolhas a fazer. 

Nesse contexto, a ideia de intemporalidade é bem-vinda. Para o escritor e jornalista Steven Kotler, autor do livro Roubando o fogo, tudo o que se liberta do espaço temporal vira uma experiência tão profunda que altera nosso comportamento. 

Kotler cita um estudo publicado na revista Psychological Science sobre uma série de experimentos nos quais os participantes vivenciaram um momento intemporal. É o que os pesquisadores descreveram como o “agora profundo” – quando o ser humano instaura toda a sua energia no momento presente. “Ao desencadearem a sensação de intemporalidade, os participantes sentiram que tinham mais tempo disponível, mostraram-se menos impacientes e mais dispostos a oferecer ajuda aos outros, preferiram experiências a bens materiais e relataram um aumento da satisfação com a vida”, explica Kotler em seu livro. 

Para a filósofa Lúcia Helena Galvão, esse é o tempo em que nos deslocamos em direção à plenitude da condição humana. Para ela, isso nos aproxima do eterno, daquilo que se coloca acima do tempo, sobre a montanha de potencialidades cuja posse consciente nos faz merecermos o título de humanos. Nesse sentido, “precisamos de um renascimento do humanismo que saia do mecanicismo e traga o foco do ser humano sobre a consciência da própria vida”. 

**A CONSCIÊNCIA QUE ILUMINA**

Iluminar o tempo com a nossa consciência nos permitiria ter meses de 30 dias, dias de 24 horas, horas de 60 minutos, sem a sensação de angústia de que o tempo está escorrendo por entre os dedos. 

Poderíamos sentir a vida inteiramente mesmo com as tarefas e tensões cotidianas ou com os ruídos da comunicação instantânea. Ao viver plenamente o presente, conseguiríamos nos apropriar do nosso próprio tempo e capturar instantes de eternidade com as próprias mãos.

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