A briga é de gigantes. Enquanto grupos estrangeiros como Emmi, Lactalis, Lala, Leprino e até Coca-Cola disputam o mercado de derivados de leite no Brasil, uma empresa 100% nacional e familiar, ainda na primeira geração, destaca-se e continua a ganhar fatia de mercado. Como ela consegue?
Com 38 anos de existência, a Tirolez, companhia dos irmãos Cícero e Carlos de Alencar Hegg, cada um com 50% de participação, está confiante quanto à meta de crescer dois dígitos este ano, enquanto o setor revê, para baixo, os 4% previstos no início do ano.
Como? Afinal, sua operação não é simples. Hoje, a Tirolez tem um portfólio de cerca de cem produtos de fabricação própria e ainda distribui os da francesa Bel. Seus fornecedores são 1.570 produtores de leite e ela chega a receber 850 mil litros por dia. Tem 1.540 funcionários, em seis fábricas (em São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina) e um centro de distribuição.
O consumidor também não é simples. Daniel Asp, líder de business development da Nielsen, diz que os clientes estão mais conscientes na busca da melhor relação custo-benefício em suas compras. “O leite mostra isso. Enquanto há maior demanda pelas marcas de leite mais baratas, por exemplo, as vendas da opção sem lactose, mais cara, estão dobrando. O queijo segue a mesma tendência dos lácteos”, avisa.
A concorrência tampouco é simples, como já vimos, por conta das multinacionais e seu grande poder de fogo. Mas, para ele, há uma maneira de as empresas nacionais concorrerem com elas, como a resposta rápida a novos hábitos: hoje por exemplo há preferência por alimentos mais básicos em embalagens maiores, enquanto os supérfluos e caros vêm embalagens menores. O líder da Nielsen destaca ainda que o momento é de investir em divulgação, ponto de venda e lançamento de produtos, e olhar para os mercadinhos de bairro, nos quais o consumidor passará a fazer mais as compras por conveniência.
Tudo isso explica em que a Tirolez vem ancorando sua ambição de crescimento – em novas embalagens de queijos especiais em pequenas porções, em marketing, em novos canais. Mas a resposta para o êxito está, de verdade, no que viabiliza sua ação rápida nesses fronts. A explicação está em sua cultura, que remonta à família dos fundadores, ao enfrentamento de difi culdades e ao clima familiar, apoiado em valores humanistas, que é mantido até hoje.
**CULTURA DE GENTE**
Netos de cearense (Alencar) com suíço (Hegg), os fundadores Cícero e Carlos se orgulham de sua formação em termos de princípios e valores do aspecto humano, o que foi introjetado na cultura organizacional da Tirolez.
Tudo começou em 1979, quando Cícero Hegg, depois de ouvir as histórias do sogro do irmão Roberto, então produtor do queijo Vencedor, decidiu investir na área. Um ano depois, Cícero e o caçula Carlos adquiriam a indústria Franco, localizada em Tiros (MG), que tinha a marca Mineirão e apenas seis funcionários – uma dessas seis está até hoje na empresa.
Os irmãos assumiram o negócio já com um desafio; reconquistar os 34 produtores que forneciam 700 litros de leite por dia para a empresa produzir seus 70 quilos de queijo prato em barra. A Franco estava em dívida com eles. “Tivemos de romper a barreira de desconfiança”, relembra Cícero, que é o presidente.
Se o início foi promissor em vendas, porque a empresa vendia tudo o que produzia, a alegria durou apenas um mês. O preço do produto deixou de ser tabelado e o setor viveu uma das mais graves crises. “O mercado fi cou entupido de queijo por conta da alta dos preços e fomos do paraíso ao inferno – o prejuízo.” Levaria 15 meses até a retomada.
Em três meses, o prejuízo foi revertido e os Hegg conseguiram quitar a compra da Franco – pagaram 40% ao assumirem e o prazo era de 18 meses para acertar o restante. Mudaram a marca para Tirolez, em homenagem à cidade de Tiros. E, produzindo queijo prato em peças para fatiar e manteiga, sem marca, partiram para ampliar a rede de fornecedores.
Começaram os experimentos. Na crise, a Tirolez fez uma tentativa de fazer um queijo mais barato, usando 8,5 litros de leite em vez dos 10 litros habituais. Mas os clientes reclamaram e o produto contradizia um dos pilares dos Hegg, que era produzir queijo que fosse apreciado na mesa da família. Foi preciso contratar uma técnica para “arrumar” o queijo. “Essa tentativa nos mostrou que não adianta trabalhar só com ambição e de forma precipitada.”
Veio a ampliação, paulatina, do mix de produtos e, em 1989, a empresa já tinha três fábricas. Nesse ano, resolveram lançar uma marca para o consumidor e contrataram pela primeira vez uma agência de publicidade para desenhar o “mascote” da marca.
Na década de 1990, mais intempéries. Além da crise da era Collor, a Parmalat chegou ao mercado e, com ela, a embalagem longa vida, promovendo mudança na captação de leite – até então, as bacias de leite precisavam fi car próximas dos grandes centros. O setor de queijo perdeu força junto aos produtores de leite, porque muitos se voltaram para atender o longa vida.
Mesmo assim, gradativamente, a qualidade do queijo brasileiro como um todo foi dando um salto, e com muita inovação. “O aprendizado foi de que o capitalismo não nos permite fi car parados. Precisa sempre estar crescendo, inovando, senão os outros ocupam seu espaço”, avalia Cícero. Entre as inovações, a empresa lançou a primeira linha de queijos light do mercado, em 1994, por exemplo. “Nossos desenvolvimentos são baseados em pesquisas, incluindo degustação, mas também com grande dose de intuição e vontade”, alega Cícero. A partir do Plano Real, a Tirolez chegou a registrar crescimento de até 33% em um ano.
No fi nal da década de 1990, a empresa começou a exportar. O próprio Cícero foi para uma feira no Japão, levando no avião uma geladeira de isopor lacrada com cerca de 20 quilos de queijo. E os produtos foram se expandindo gradativamente pelo exterior. Em 2004, Paulo Hegg, outro irmão, entrou para estruturar a área de trading. “A exportação servia também para nos trazer upgrade tecnológico. As exigências e as demandas de fora poderiam nos ajudar internamente, como em modificações de produtos ou para cumprir o que não era exigido aqui”, revela Cícero. Hoje, a Tirolez exporta para África e Ásia (incluindo Oriente Médio). Começa a trabalhar os Estados Unidos e planeja para 2019 ampliar a atual modesta atuação na América Latina.
Paralelamente, a Tirolez continuou inovando em produtos no Brasil, ao lançar o primeiro creme de ricota em 2008 e o creme de queijo minas frescal em 2010, além de modernizar embalagens. Aliás, tem sido frequente o investimento do marketing em novas embalagens, como as recentes que acondicionam queijos especiais, em pedaços menores inclusive. Além disso, prepara uma nova linha ainda este ano.
Resultado de tantos aprendizados, a Tirolez tem a maior carteira de queijos da indústria, incluindo a linha zero lactose mais extensa. Segundo a Nielsen, por exemplo, a marca é líder na categoria “cremes” (lançou o primeiro creme de ricota do Brasil, por exemplo e seu cottage está entre os mais consumidos).
O que explica o sucesso? Chama a atenção a rapidez nas decisões, mas Cícero atribui isso mais a uma cultura que foca as pessoas, em todas as esferas.
“Meu irmão e eu gostamos de gente. Sempre tivemos preocupação com as pessoas, tanto no aspecto de confiança quanto em reconhecer o valor de cada um.” Eles decidem rápido, sim, mas a cultura se enraizou.
**DENTRO DE CASA**
A coordenadora de gente e gestão da Tirolez, Alessandra Luz, reconhece a cultura. Simplicidade, humildade, brilho nos olhos e amor pelo que faz, características da família Hegg, são transportadas para a companhia. Algumas ações formalizam isso, como a ouvidoria (uma consultoria externa), que garante anonimato aos funcionários que fazem queixas, o estímulo aos estudos – em um ano, oito pessoas da fábrica em Tiros se formaram em curso superior e todas foram realocadas –, e o trabalho de empoderamento das pessoas. Nesse sentido, Luz destaca o ambiente de aprendizado e crescimento, com vários programas de capacitação e mobilidade interna.
Entre os programas, o de educação política da empresa, criado em 2002, é o que chama mais a atenção. “O programa busca trabalhar a capacidade de raciocínio dos colaboradores, visando torná-los mais críticos e conscientes de seus papéis sociais”, detalha a coordenadora de gente e gestão. Outro programa é o Despertar, criado há sete anos, que chegou a reunir 865 funcionários, dos atuais 1.540. “É uma experiência única; não conheço nada parecido”, garante Cícero, que informa ser espiritualista. Sob o comando de uma psicóloga, tem como objetivos trazer à tona o respeito, a escuta, a sinceridade e a felicidade.
A mais nova investida é o programa Saber, que tem por objetivo a educação formal de ensino fundamental e médio, criado após levantamento do nível de escolaridade dos funcionários. Em agosto, foi lançado na unidade de Lins, no interior de SP, e agora será estendido para as demais unidades.
Ações como essas levaram a Tirolez a figurar entre as 80 melhores empresas para trabalhar no ranking do Great Place to Work em 2016, na categoria de grande porte. E hoje? Na edição 2018, a Tirolez deixou de ficar entre as melhores, reconhece Cícero, pelo quesito comunicação. “Agora, estamos trabalhando nisso. Quando a empresa não ocupa espaço com a comunicação, a fofoca ocupa”, diz Cícero.
Ex-funcionários da Tirolez chegaram a reclamar de fofocas no site Love Mondays. Mas os depoimentos feitos em 2018 elogiam o clima organizacional e as oportunidades de aprendizado. No site Infojobs, um funcionário registrou, em setembro de 2018: “Ótima empresa, atenciosa com o funcionário, principalmente os gestores. Sempre em busca de novos conhecimentos para aplicar em treinamentos”.
**SETOR DISPUTADO**
No Brasil, há 2 mil laticínios com registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF), mas 10% deles respondem por 80% da produção total, de algo em torno de 1 bilhão de quilos de queijo ao ano. O faturamento estimado foi de R$ 18 bilhões em 2017, que representou uma produção de queijo 2% superior ao ano anterior. Em 2018, a expectativa era crescer 4%, frustrada pela greve dos caminhoneiros.
Nos últimos anos, a indústria brasileira de laticínios entrou no radar de investidores e players internacionais. Em 2017 o fundo norte-americano Arlon comprou 20% da cearense Betânia Lácteos, a mexicana Lala comprou a Vigor e a suíça Emmi passou a deter 40% da mineira Laticínios Porto Alegre, além de a italiana Granarolo ter comprado a paulista Yema e a Coca-Cola Brasil, a mineira Verde Campo. A francesa Lactalis comprou 100% da Itambé; o Cade aprovou, mas a Lala a disputa na Justiça (Vigor tinha parte da Itambé). Em 2018, a gestora de fundos brasileira Aqua Capital adquiriu o controle da catarinense Lac Lélo.
**ALGUNS DESAFIOS DO MERCADO**
O mercado de leite e derivados do Brasil apresenta desafios para uma empresa como a Tirolez tanto na ponta dos fornecedores, como na dos consumidores finais.
Na ponta do fornecimento, a produção de leite tem grandes números, mas pouca eficiência, fazendo com que a performance da supply chain segure a performance do negócio. Existem 1,17 milhão de produtores, com 25 milhões de vacas leiteiras, que geram 35 milhões de toneladas de leite (cerca de 36,2 bilhões de litros) por ano. O Brasil é o quarto maior produtor mundial de leite, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e sexto no ranking de todas as espécies leiteiras feito pelas Nações Unidas.
Foi o país que apresentou o maior crescimento de 2016 para 2017, 4%, e isso se deve a um aumento do rebanho e da produtividade, que subiu de 1.575 litros por vaca ao ano em 2014 para de 1.709 litros agora em média (ou 2.500 litros, segundo algumas fontes; nem os números são consensuais). De qualquer modo, isso ainda está muito longe dos 12 mil litros verificados nos Estados Unidos, o campeão mundial de produção, que produz 93 milhões de toneladas ao ano com apenas 40 mil produtores.
“A realidade brasileira é de muitos produtores pequenos, de subsistência,e pouco profissionalizados. A grande maioria sequer tem contabilidade, pega financiamento para custeio, mistura as contas do negócio com as da família”, conta José Rezende, um especialista no assunto que até há pouco liderava a área de consultoria em agronegócio da PwC. A oportunidade de alavancar a produtividade vem com a tecnologia; só a adoção de um sistema robotizado, no lugar da ordenha manual, aumenta a produtividade em pelo menos 20%, explica Rezende, que resolveu empreender nessa fronteira, como sócio da Terra do Leite, focada em produção leiteira com base na pecuária de precisão. Assim, mesmo na quarta posição, o Brasil ainda depende de importação para suprir a demanda do mercado interno e exporta pouco.
Na ponta do consumo, é preciso educar o brasileiro, que consome cerca de 5 quilos de leite ao ano, muito pouco se comparado aos 20 quilos da França. “Os laticínios precisam acordar”, diz Rezende.
**OS MAIORES DO LEITE**
Confira os “top 10” países produtores.
![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/df2f3a84-de21-4345-b7c6-856a4ba67e8c.png)
_Fonte: Food and Agriculture Organization (FAO), órgão das Nações Unidas. Inclui todas as espécies leiteiras, sendo vacas (83%), búfalas (14%), cabras (2%), ovelhas (1%) e camelas (0,3%)._
**EXPERIÊNCIA COM A GESTÃO AGRIDOCE**
A visita à sede da Tirolez em São Paulo é uma experiência acolhedora. Logo ao chegar, fui recebida com sorrisos, primeiro os da recepcionista e, na sequência, os de cada funcionário que chegava à empresa, enquanto eu era anunciada. Indo para a sala de reuniões, passei por um amplo espaço, sem paredes, onde os funcionários trabalham juntos, mas, naquele dia, tratavam de ver, tocar e experimentar alguns queijos fi nos que estavam chegando às gôndolas do varejo com novas embalagens.
Cícero Hegg, o presidente, bloqueou sua agenda e passou mais de três horas comigo. Durante a conversa, serviu-me vários tipos de queijos, dando uma aula sobre suas características e seus sabores. A trilha sonora da entrevista eram risadas vindas da extensa sala próxima, mostrando diversão no trabalho. Ainda tive a chance de passear pelas instalações com Hegg, que cumprimentava cada um que passava, chamando-os pelo nome, inclusive alguns que haviam acabado de ser contratados e estavam em treinamento.
A Roberto Marinheiro, gerente de TI, perguntei o que achava de trabalhar ali. Ele fez um rápido elogio e contou um episódio que não esqueceria: seu fi lho temporão havia fi cado gravemente doente e precisou ser internado. Ele queria ficar com o fi lho, mas tinha suas responsabilidades e tarefas profissionais. A Tirolez o aconselhou a esquecer o trabalho e se dedicar totalmente ao fi lho e pelo tempo que fosse preciso, o que se estendeu por cerca de 20 dias.
Eu conheci o lado doce da Tirolez. Isso me fez lembrar um artigo que a consultora Betania Tanure escreveu certa vez para a revista HSM Management sobre a gestão agridoce como um diferencial competitivo das empresas brasileiras. Procurei-a e pedi que analisasse a Tirolez. “Não conheço a empresa internamente e fazer uma análise seria leviano de minha parte, mas pelo que você me conta e por minhas leituras parece estar presente, sim, a perspectiva agridoce”, disse-me Tanure.
O que a especialista em cultura e organização chama de gestão agridoce? Empresas praticantes desse estilo gerencial têm o constante desafio de equilibrar opostos, como a revitalização (que diz respeito ao crescimento do negócio e ao atendimento, por exemplo) e a racionalização (onde entram as buscas por corte de custos e maior eficiência etc.).
A revitalização, na Tirolez, parece estar apoiada em uma característica forte da cultura brasileira – o aspecto relacional. “Os funcionários gostam da Tirolez, envolvem-se emocionalmente, têm paixão pelo trabalho”, diz Tanure. É um engajamento valioso. Mas esse aspecto pode ter um lado difícil também, segundo a especialista. “É mais difícil implantar meritocracia em um ambiente assim.”
E o lado acre? Em sites de avaliação de empregadores, encontrei muitos elogios que sugerem a doçura da Tirolez, mas também há queixas – que citam, por exemplo, fofocas e discordâncias sobre a carreira. O gatilho para isso muitas vezes está nas ações de racionalização de uma empresa. Como diz Tanure, “se um profissional não tem boa performance, precisa receber feedbacks duros”. E algumas pessoas ficam bastante insatisfeitas ao receber feedbacks duros.
Contei, então, sobre o programa de educação política da Tirolez e Tanure elogiou enfaticamente a iniciativa. “Esse movimento de criar espaços para discutir o papel do cidadão faz falta em nossas empresas; criá-lo é algo típico de executivos estadistas, que olham o bem comum além dos muros de sua organização.” Tanure contou que apenas 5% dos executivos de alto escalão no Brasil são estadistas, um percentual que, em sua visão, precisa aumentar.
A boa notícia para a Tirolez é que cada vez mais pessoas buscam empresas com maior consciência – e com o doce do agridoce.
**DO LADO DE FORA**
O “gostar de gente” da Tirolez se estende ao ponto de venda e aos fornecedores. “Convivíamos com os queijeiros de uma forma muito simples, aprendíamos como apertar a massa e chegar no ponto”, relembra Cícero. Mas não é algo do passado; é algo alimentado e que evolui. Natali Irineu, gerente de laticínios dos Supermercados Mambo, diz que o relacionamento com a fabricante já era bom, mas ficou melhor ainda nos últimos meses. Isso lhes permitiu evoluir em ações promocionais, em mix e em atendimento em lojas com equipe de promotores, segundo Irineu. A marca ganhou exposição.
Já com os fornecedores de leite, a construção da base do relacionamento, em 1980, é mantida até hoje. “Desde aquela época, os produtores de leite viram que éramos coerentes com o que dizíamos. Na crise de 1992, quando notamos que não conseguiríamos pagar o que havíamos prometido e sempre cumprido 12 anos antes – que era o valor igual ou maior do que o da Nestlé, a maior compradora –, conversamos com eles sobre redução e pedimos apoio. Três ou quatro meses depois, voltamos a pagar melhor.”
Hoje, a política leiteira da empresa garante que, preço a preço, não perde produtor de leite para ninguém; e ainda agrega valor com o tratamento diferenciado. A relação da Tirolez com os produtores de leite é muito próxima, confirma Carlos Hegg, sócio-diretor. “Há mais de 30 anos, fazemos esse trabalho de extensão rural com os produtores, porque a qualidade do queijo é diretamente proporcional à qualidade do leite. Então, essa proximidade é favorável no incremento da qualidade da matéria-prima, e também eleva a produtividade dos produtores.” Há corresponsabilidade da Tirolez pela qualidade da matéria-prima. “Por exemplo, temos uma equipe de veterinários, que visita periodicamente os produtores de leite, ajudando-os a manter os animais saudáveis.”
Afonso Carlos Pessoa, da Fazenda Progresso, fornece para a Tirolez há 30 anos. Conta que o relacionamento com a companhia é até hoje muito bom e confirma que recebe apoio. “Eles me dão suporte em qualidade, modernização, gestão. E faço parte do programa Balde Cheio (metodologia de transferência de tecnologias e de capacitação da Embrapa), no qual a Tirolez arca com 30% dos custos”, ressalta Pessoa. Antônio e Vanusia Silva, da Fazenda Baixada Fria, também elogiam a capacitação dos funcionários da Tirolez, para a qual fornece desde 2006, principalmente na gestão de qualidade do produto. “A coleta de amostra e conferência de qualidade é feita constantemente e com eficiência”, dizem eles. “Embora haja acompanhamento do valor do litro de leite, os valores oscilam e os impostos são inflacionados, e também os incentivos são mínimos.” Um fornecedor com relacionamento mais recente, que prefere não ser identificado, afirma que a Tirolez é exigente e que outros laticínios muitas vezes pagam melhor. Ou seja, relacionamentos mais longos de fato importam.
**DESAFIOS ATUAIS E FUTUROS**
Cícero sabe que o papel da liderança não é algo fácil e ele tenta se aprimorar. Tinha muito forte, por exemplo, a característica de ouvir e buscar o consenso, e precisou aprender a dar o rumo ao negócio. Agora, um desafio tem sido aprender a dar espaço, a delegar e cobrar por isso, deixando de ser centralizador. “Mas estou sendo surpreendido pelas pessoas; elas conseguem fazer mais do que elas mesmas pensam”, comemora.
Um desafio sempre presente é entender as tendências e as demandas dos consumidores. “As grandes [concorrentes] têm muito dinheiro para entender essas tendências. Nós, não. Então, temos de nos apoiar em nossa gente e em nosso conhecimento da cultura brasileira”, diz Cícero, que enfatiza acreditar que o queijo é o alimento do futuro. Uma dessas tendências tem sido a de embalagens menores, seja pelo fato de as famílias hoje serem menores, seja para permitir mais experimentação.
Também permanente é o desafio de fazer os funcionários trabalharem como um time engajado. Para isso acontecer, eles são os primeiros a conhecer novos produtos e campanhas antes de serem lançadas para o mercado, segundo a gerente de marketing Luiza Hegg. Além disso, há várias ações de endomarketing, que costumam envolver as famílias dos funcionários. Um bom exemplo foi a festa do Dia das Mães em 2017, quando as mães foram convidadas a conhecer o local de trabalho dos fi lhos. “Elas ainda receberam vídeos com depoimentos dos fi lhos em um momento cheio de emoção”, lembra Luiza.
Mais um desafio, esse especialmente relevante em empresas familiares, é a sucessão do comando. Apesar das investidas das gigantes mundiais, os fundadores querem que a Tirolez seja uma empresa feita para durar e, para isso, pretendem criar o conselho de administração sob o comando de um conselheiro independente. A ideia é que fi quem no já existente conselho consultivo, não deliberativo, enquanto a cadeira de presidente-executivo será um dia ocupada por alguém preparado para a função, que pode ou não ser da família Hegg. Para desenhar o processo de transição, a empresa contratou recentemente a consultoria Höft Bernhoeft & Teixeira.
Até lá, a sociedade dos irmãos Hegg continuará a ser como tem sido nesses 38 anos. “Passamos por momentos de extrema dificuldade, com crises e anos econômicos desafiadores; e todos foram superados”, afirma Carlos. Ele valoriza a sociedade e diz que os perfis se complementam. “As decisões sempre foram tomadas em consenso entre nós, e isso é fundamental para o sucesso de qualquer sociedade”, completa o diretor.
A Tirolez não divulga valores de faturamento, lucro ou investimentos. Neste caso, informa que os investimentos são frequentes e destinados a aumento de capacidade, processos, equipamentos, lançamentos, mecanizações e automações, além de atendimento às normas. O destaque atual vai para a automação, sempre para elevar a produtividade. “Estamos nos preparando para dar um salto maior”, comenta Cícero. Apesar de não dar detalhes, ele informa que já há até o início de aproximação a uma startup, para aprendizado mútuo.
De 2007 a 2016, a Tirolez viveu anos de desempenho muito bom, o que incluiu distribuição de bônus para todos da empresa. Em 2017, ela não cresceu nada, pois a opção foi por resgatar a rentabilidade. Em 2018, a expectativa continua a ser crescer dois dígitos, como mencionado no início deste texto, mas não é uma meta fácil, como admite Cícero. E depois? “Tenho a esperança de o Brasil voltar a crescer já em 2019, até porque não tem outro jeito, e aí cresceremos junto.”