Desenvolvimento pessoal
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Os limites do “jeito 3G” de gerenciar pessoas

O que parecia uma técnica praticamente infalível agora pode ser um “dinossauro apavorado”; surge um novo equilíbrio entre execução e inovação

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Há quase cinco anos, deixei para trás uma carreira bem-sucedida no mercado financeiro para dedicar minha vida ao tema de cultura organizacional. Mais especificamente, ao que faz certas culturas serem incríveis e outras não. Você sabe o que determina isso?

Nessa jornada, meu primeiro passo foi estudar as culturas organizacionais que mais admiro. A primeira parada foi na cultura dos 3G (sigla para “os três do Garantia”, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que hoje controlam empresas como AB Inbev, Kraft Heinz e Restaurant Brands International, conhecida como Burger King). O resultado dessa pesquisa foi um livro que publiquei primeiramente nos Estados Unidos, e que sai ano que vem em português, chamado The 3G way, ou “O jeito de ser 3G”.

Além das empresas sob o guarda-chuva 3G, estudei também a GE, o Walmart, o Google, a Netflix e muitas outras culturas incríveis. E como não foi para virar autor que embarquei no tema, resolvi empreender, aplicando o aprendizado. Assim nasceu a Qulture.Rocks, startup que fundei em 2015, e que produz softwares e aplicativos para a gestão de desempenho empresarial.

Lá atrás, em 2014, o Jeito 3G parecia praticamente infalível. A tática era: investir em setores de atividades superprevisíveis, comprando empresas com marcas conhecidas e mal administradas, frequentemente sem acionistas controladores claros (ou melhor, controladas de fato por executivos que eram acionistas minoritários), com enorme ajuda de dívida barata. E essa tática vinha marcando gol atrás de gol para o trio empresarial.

Agora façamos um fast-forward para os dias de hoje. O jeito já não parece tão infalível. A cultura talvez não pareça tão incrível. Em maio deste ano, Jorge Paulo Lemann se declarou um “dinossauro apavorado” em conferência do Milken Institute. Foi além, e disse que vivia em um “mundo aconchegante de marcas antigas e volumes grandes, em que nada mudava drasticamente”, em que “você poderia apenas focar em ser mais eficiente e tudo ficava bem”. Disse mais: “De repente, nós estamos sendo desafiados de todas as formas. Se você vai a um supermercado, vê centenas de novas marcas na prateleira. O cliente já não quer sair mais de casa, quer tudo entregue na casa dele. Em cerveja, houve todas essas novas marcas [artesanais] entrando no setor. Estamos sendo afetados por tudo”.

Há limites para o Jeito 3G? É possível adaptar esse jeito de ser para a realidade empresarial de hoje, baseada em mudanças tecnológicas? Acredito que a resposta curta para as duas perguntas seja “sim”. E a resposta longa está em equilibrar a execução 3G com inovação

**DA MÁQUINA DE EXECUÇÃO…**

Os 3G criaram uma cultura que é uma máquina de execução. Vou explicar. Por meio do casamento entre a energia de Marcel Telles e a metodologia de Vicente Falconi – com raízes japonesas na gestão pela qualidade total, ou TQM –, a Brahma, e subsequentemente Ambev, InBev e hoje AB InBev, desenvolveram um modelo de gestão baseado no desdobramento de metas e projetos anuais agressivos para toda a organização, e que serve de base para pagamento de bônus para seus executivos.

Posteriormente, o modelo foi “exportado” para outras empresas do grupo, como as investidas pela então GP Investimentos, entre elas, a ALL – América Latina Logística e, mais recentemente, para as incursões da 3G Capital em solo norte-americano, entre elas, Kraft Heinz e Burger King, que depois virou Restaurant Brands International.

Segundo diversos ex-colaboradores dessas empresas, o modelo é remuneração fixa abaixo do mercado, e perto do topo de mercado para aqueles que batem suas metas. Ou seja, o percentual do pacote de remuneração oriundo dos bônus é grande, e sem ele o colaborador ganha pouco. Assim, a empresa desenvolveu uma cadência de metas que envolve até quatro meses de desdobramento e “catch-ball”. Esse processo envolve negociação interna para determinar metas e planejamento das ações a serem realizadas para que as metas sejam batidas, seguido do resto do ano em modo de execução e ajuste dos planos, baseados em reuniões mensais de resultado.

O modelo, altamente centralizado e robusto, funciona muito bem em uma indústria que até há pouco tempo demandou pouca agilidade de seus membros. De um lado, o ciclo anual é mais do que suficiente para a definição das metas, que eram raramente revistas e baseadas em décadas de indicadores e conhecimento. Os colaboradores, por outro lado, raramente despendem energia em algo que não esteja previsto nas metas, focando seus esforços no que realmente importa para alcançá-las. O incentivo econômico gera “foco de lazer” nos executivos, pois eles temem metas não batidas, que significam “dinheiro fora do bolso”.

Foi com isso que as empresas 3G registraram anos e anos de muito sucesso, principalmente quando medido por indicadores financeiros, como margens e rentabilidade. A Ambev sempre foi conhecida pelos investidores por seus resultados previsíveis e invariavelmente crescentes. Já sua “matriz”, a AB InBev, virou a gigante de hoje a partir de várias aquisições de competidores enormes e ineficientes (ainda que relativamente) e da implementação rápida de seu modelo de gestão nessas operações, o que gerava enormes “sinergias” de custos.

**…PARA A MÁQUINA TAMBÉM DE INOVAÇÃO**

Assim, chegamos aos dias de hoje e lembramos as declarações de Lemann, o “dinossauro apavorado”. O bilionário tem total consciência de que o modelo de execução que criou com seus sócios, o “Jeito 3G”, tem seus limites, e que estes vêm sendo testados diariamente. O maior deles é que o modelo de gestão baseado nas metas anuais e remuneração variável é excelente para aquisições alavancadas de negócios grandes e ineficientes, mas não conduz as pessoas à inovação e à agilidade.

Os ciclos anuais são longos demais para “startups enxutas” e conceitos afins, como **“MVPs”** (os produtos mínimos viáveis) e “pivotagens” (mudanças de curso). O bônus baseado nas metas leva ao foco excessivo nas lacunas que já são conhecidas, e garante pouca atenção à exploração do desconhecido – que é, justamente, o processo de inovação.

Assim, as empresas dos 3G vivem um dilema: o que fazer para equilibrar inovação e execução? O que fazer para manter seus negócios atuais eficientes e lucrativos, enquanto se incentiva a inovação e a tomada de riscos?

A meu ver, há dois grandes caminhos à frente: 

**• Rasgar o manual da gestão de desempenho tradicional.** Refiro-me a tentar fazer o que a GE fez há alguns anos, e que vem sendo posto em xeque com a demissão do seu então CEO, Jeff Immelt, que é esquecer a “Era Jack Welch” e começar algo novo, baseado em ciclos mais ágeis e menos centralização para toda a empresa. O modelo é ambicioso, e presume que um novo formato de gestão de desempenho é desejado para toda a organização.

**• Adotar o modelo “core x satélite”.** Nesse modelo, que batizei assim, o negócio central continua sendo gerido da forma tradicional, com metas anuais e remuneração variável diretamente ligadas ao atingimento das metas, mas outra cultura é “incubada” fora do negócio. Nessa cultura satélite, as regras do jogo têm de ser outras, com pouquíssimos vasos comunicantes com a nave-mãe.

A AB InbBev já vem dando passos importantes nessa segunda direção: sua aceleradora de startups e incubadora de negócios ZX Ventures, baseada em Nova York, é tocada por uma vice-presidência exclusiva e tem seus espaços físicos e modelo de gestão próprios. A metodologia de gestão por metas adotada pela ZX Ventures é baseada nas OKRs, modelo ágil de gestão por metas popularizado pelo Google. As OKRs são, em essência, metas bem menos ligadas à remuneração variável do colaborador (e portanto muito mais flexíveis e descentralizadas) e geridas em ciclos mais curtos, de dois a quatro meses. 

**UM NOVO JEITO**

3G Esse novo modelo, com um equilíbrio mais saudável entre execução e inovação, tem a vantagem de promover mais colaboração e maior fluxo de informações entre equipes, áreas e indivíduos. O satélite sai correndo à frente, inovando e gerando crescimento de receita, enquanto o core anda mais lento, roda eficiente e garante que o leite das crianças – ou melhor, o dividendo dos acionistas – seja entregue no prazo combinado.

Talvez ainda faltem inovações em gestão de desempenho para incorporar à cultura satélite do 3G, no entanto, que não OKRs. Talvez o próximo passo da ZX, como é conhecida internamente a iniciativa, seja a adoção de uma cultura de feedbacks contínuos e check-ins de desempenho mais frequentes, que promovam agilidade e correção de rota, além de mais proximidade entre uma gestora e suas lideradas.

Assim, o foco do processo todo de gestão de desempenho deixa de se resumir a notas e conceitos sob os quais cada colaborador é avaliado, e que antes alimentavam uma curva de crescimento forçada, para ser a promoção de conversas significativas de coaching e desenvolvimento entre todos na empresa.

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