Empreendedorismo
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Ermenegildo Zegna e as estratégias da empresa familiar

Fórum HSM Family Business mostrou que a empresa italiana de moda mantém-se forte há três gerações tratando o ativo “família” como sua maior riqueza e discutiu como alavancar essa força

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“O principal ativo de uma empresa familiar é a família; depois, vem a marca”, afirmou Ermenegildo Zegna na palestra que realizou no Fórum HSM Family Business. Com essa afirmação, o CEO e representante da terceira geração da célebre marca italiana Zegna evidenciou aquilo que mais é valorizado no grupo que lidera: a família. Demonstrando orgulho em relação ao que recebeu de seu pai e ao que será capaz de entregar para a quarta geração, Gildo Zegna, como é conhecido, encarnou o “famillionaire” típico, aquele que acredita ter na família e não nos milhões sua verdadeira fonte de riqueza. 

O conceito foi citado por Cecília Russo e Jaime Troiano, especialistas em branding –que ofereceram outros exemplos de famillionaires, como os Antinori, produtores italianos de vinhos há 26 gerações–, e encontrou eco na plateia do evento. O caso Zegna levou à pergunta a que os especialistas do Fórum buscaram responder: se a família é um ativo operacional que potencialmente dá retornos como resultado de sua cultura e de decisões estratégicas ligadas à questão sucessória, como esse ativo pode ser maximizado? 

**ESTRATÉGIA: EMPREENDEDORISMO**

Um dos palestrantes, Joachim Schwass, professor do IMD, da Suíça, respondeu que a estratégia-chave para isso é manter vivo o empreendedorismo, o que requer a capacidade de transmitir paixão de geração a geração e criar funções diversificadas para que os membros da família assumam.  

Na visão de Schwass, a chamada “próxima geração” precisa ter liberdade para buscar sua paixão e traduzi-la em inovação, a qual levará ao crescimento. Ele aconselhou aos mais jovens: “Não se limitem ao que foi feito antes de vocês”. John Davis, da Harvard Business School, deixou claro o que seria um grande obstáculo ao empreendedorismo ao abordar a convivência entre gerações na empresa familiar –segundo ele, chegam a coexistir seis grupos geracionais no ambiente corporativo, o que leva potencialmente a conflitos. Gildo Zegna contou que trata essa questão com cuidado, mantendo encontros particulares com os jovens, considerados mais difíceis. “Eu mesmo, quando jovem, fui uma pessoa difícil, encrenqueira, e me lembro disso. Foi com a idade que passei a aceitar melhor os erros dos outros”, refletiu ele. Davis recomendou, ainda, que haja uma ponte entre as diferentes gerações, e é o que existe no Zegna Group, onde um comitê de jovens, aliado ao diretor de recursos humanos, auxilia os veteranos na comunicação. 

**ESTRATÉGIA: NEGOCIAÇÃO**

Douglas Stone, professor de negociação da Harvard Law School, propôs fortalecer o ativo “família” com a decisão de sair das conversas limitadas a fatos para aprofundá-las no nível dos sentimentos. Para Stone, polarizar o debate em “quem tem razão: você ou eu?”, como costuma acontecer, só aumenta as resistências ao diálogo e o grau do conflito. O poder reside em entender a visão do outro, reconhecer seus sentimentos como legítimos e investigar o que provoca a lacuna entre o que você pensa e o que ele pensa. 

Só assim se pode obter uma informação nova, sobre a qual trabalhar. “Por exemplo, se seu filho não quer trabalhar na empresa familiar, pergunte-se por que vocês desejam coisas diferentes”, ensinou o palestrante. 

> **Saiba mais sobre o Zegna Group**
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> O Zegna Group foi fundado em 1910 por Ermenegildo Zegna, filho de um relojoeiro, para fabricar tecido de lã. Mais de um século depois, é a marca de alguns dos ternos masculinos mais desejados no planeta, com mais de 500 lojas e presença em mais de cem países. Cada geração da família contribuiu para essa evolução, expandindo as operações e o portfólio de produtos. Por exemplo, com a segunda geração, de Angelo e Aldo Zegna, respectivamente pai e tio de Gildo Zegna, o CEO atual, houve o foco na moda masculina de luxo e a verticalização ganhou força. Eles decidiram incluir desde a criação de ovelhas até a confecção e o varejo no negócio. Assim, conseguiram ficar mais próximos dos consumidores e ampliar sua presença no mercado. “A integração é um ponto forte para nós, embora seja difícil orquestrá-la com 7 mil colaboradores. Ela nos permite ser mais flexíveis e exclusivos”, comentou Gildo no Fórum HSM. Com a terceira geração, de Gildo, ocorreram a consolidação da rede de varejo e a expansão em nível mundial, com as lojas globais, e também vieram os perfumes e os óculos. Dos cerca de € 200 bilhões destinados a artigos de luxo em 2013, segundo o Luxury Goods Worldwide Market Study, da firma de consultoria Bain & Company, a Zegna faturou mais de € 1,2 bilhão. E o que caberá à quarta geração? Quando a plateia do Fórum HSM perguntou por que o Zegna Group não cria a “Zegna Home”, de artigos para o lar, Gildo respondeu que seu sucessor poderá cuidar disso: “Cada geração tem de dar uma contribuição única ao negócio, como se construísse um andar a mais na casa e se concentrasse principalmente nele”.

**ESTRATÉGIA: TRANSPARÊNCIA E TREINO**

Um obstáculo significativo à maximização do ativo “família” está na dificuldade de manter a lealdade, especialmente dos mais jovens. Segundo John Davis, pesquisas indicam que a geração Y tende a ser menos leal às organizações do que outras gerações. Reverter isso deve ser um objetivo. A receita de Davis inclui ser transparente com os mais jovens –em relação aos critérios de promoção e aos papéis de cada um– e, principalmente, oferecer o que eles adoram –treinamento. “Inclua treinamento em etiqueta de negócios e formalidades sociais, comunicação e escrita”, recomendou. E acrescentou: “Coloque-os em equipes para promover o aprendizado, inclusive com pessoas de outras faixas etárias, e fortaleça a cultura da família nos negócios”. Gildo Zegna salientou que não há nepotismo em sua empresa, mas meritocracia, e que os jovens da família devem competir com jovens talentos de fora, o que faz com que tenham de estudar muito e construir uma carreira. 

Conforme o CEO, eles podem conquistá-la trabalhando para uma das iniciativas sociais do grupo, que incluem a ZegnArt e a Fondazione Zegna. Ele disse mais: a razão fundamental da responsabilidade socioambiental empresarial na Zegna é dar essa possibilidade aos jovens e manter a família unida, preservando seus valores. Gildo Zegna ilustra ele mesmo o treinamento. 

Formado em economia pela University of London e tendo estudado na Harvard Business School, orgulha-se do que aprendeu em sua passagem pelos Estados Unidos quando tinha 27 anos e assumiu a Zegna naquele país, pelo qual viajava vendendo e errando. Essa experiência foi a que realmente o motivou a ter papel de liderança nos negócios familiares, função para a qual o pai já o preparava. “Meu pai foi iluminado. 

Ele entendia a importância da gestão na empresa familiar quando ninguém falava disso e me convidava para as reuniões que tinha com um professor de Harvard que havia contratado.” Agora, o filho de Gildo passa uma temporada no exterior no mesmo treinamento. Já teve um pequeno negócio na Inglaterra e hoje dirige sua empresa de tecnologia em Palo Alto, na Califórnia. 

Segundo expectativa manifesta por seu pai, catapultará o e-commerce da grife. Para o professor Schwass, a concepção do sistema familiar em três esferas –família, propriedade e negócio– permite que haja cargos para treinar os membros da família, que podem ser executivos, conselheiros, guardiães de ativos imobiliários, participantes de comitês familiares, responsáveis por fundações. Schwass reforçou, contudo, que aprender no mundo lá fora é parte fundamental do treinamento. “É preciso oferecer aos jovens oportunidades de fazer experimentos separados da empresa familiar sem deteriorar o capital da família em uma iniciativa que pode dar errado, até dando-lhes um adiantamento da herança.” 

**ESTRATÉGIA: SÓCIO-INVESTIDOR** 

Ter investidores externos também é uma estratégia, tanto para a empresa estabelecida como para as recomendáveis startups da família. Sobre estas, Michael Roberts, consultor e autor, sugeriu que o empreendedor aproveite o know-how familiar para mostrar aos capitalistas que eles poderão perder menos apostando nele, já que perdem dinheiro em 70% dos negócios. A recomendação de Roberts é estabelecer etapas para o início do negócio (para o desenvolvimento de uma inovação, por exemplo) e, a cada etapa, provar que o risco do investidor foi diminuído. Assim, o valor do negócio vai gradativamente aumentando e, em vez de o investidor colocar todo um montante de uma só vez no empreendimento, ele pode parcelar conforme as etapas se completam e o aprendizado da startup aumenta. E a necessidade de capital externo tende a aumentar de acordo com a fase em que a empresa familiar se encontra. Eduardo Gentil, sócio da Cambridge Advisors to Family Enterprise, confirmou em sua palestra que contar com capital externo pode ser providencial para realizar a visão da família, mas ter um sócio-investidor também pode acarretar desvantagens que precisam ser minimizadas, tais como a necessidade de compartilhar controle com o sócio e prestar contas a ele, a dificuldade de implementar a visão e a missão, a possível perda de agilidade e, eventualmente, condições de saída do sócio-investidor que prejudiquem a empresa familiar. 

**ESTRATÉGIA: MAIS MULHERES**

A importância de envolver as mulheres da família no negócio familiar foi destacada pela primeira vez nesse Fórum HSM Family Business. O arquétipo feminino, ligado à geração e manutenção da vida em nossa cultura, está presente nas empresas nos papéis ligados a criação, continuidade, cultura organizacional e preservação, como explicou Cecília Russo, do Grupo Troiano de Branding. Já o princípio masculino é voltado para a ação no mundo, daí sua atuação nos papéis de estratégia, ruptura, expansão e construção. A empresa que reconhecer essa complementaridade e procurar espelhá-la em seus quadros só tem a ganhar, segundo Russo. No Zegna Group, Anna Zegna, irmã do CEO Gildo, está à frente da Fondazione Zegna. Gildo comentou em sua palestra que há mais mulheres do que homens em sua família e que elas têm funções diversas nos negócios. No grupo, um terço dos cargos principais é ocupado por mulheres, familiares ou não. 

**ÊNFASE NA RIQUEZA OPERACIONAL**

O braço operacional do sistema da empresa familiar é responsável por 68% da riqueza da família, segundo dados apresentados por John Davis referentes a levantamento de 2011. Ou seja, não são as aplicações financeiras que mais rendem, mas o negócio em si. As empresas brasileiras, no entanto, precisam aprender a ser mais lucrativas. Vikram Bhalla, sócio do Boston Consulting Group especializado em empresas familiares de mercados emergentes, apresentou a análise de 2006 a 2010 que evidencia que, apesar de crescer a taxas maiores do que a média, a empresa familiar brasileira perde para a não familiar em margem Ebitda (17%, ante 30%) e retorno sobre ativos (5,1%, ante 7,8%).

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