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De baixo para cima

o projeto “Leroy Merlin Visão 2020” se aproxima de seu deadline como um caso bem-sucedido de planejamento colaborativo e de inovação participativa | por Sandra Regina da Silva

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Como se diferenciar em um mercado extremamente pulverizado, em que as pequenas lojas de bairro são 90% do todo, e com uma comoditização cada vez maior dos produtos? E como deveria ser a loja do futuro? Foi buscando as respostas a essas perguntas que a Leroy Merlin, líder do varejo de material de construção no Brasil, traçou em 2010 uma nova estratégia. Com a bênção da matriz francesa, nascia, nove anos atrás, a “Leroy Merlin Visão 2020”.

O projeto estabeleceu os seis pilares que precisavam ser abordados: resultados econômicos, relações com os clientes, equipe, produtos, serviços e sustentabilidade. 

Às vésperas de 2020, o impacto já pode ser mensurado. Houve aumento de faturamento e de market share, por exemplo. A Leroy Merlin, que chegou ao Brasil em 1998, era líder de mercado em 2010, mas com uma diferença irrelevante para a segunda colocada. Hoje, a rede detém 4,6% de participação em um setor que faturou no ano passado R$ 122 bilhões, 6,5% acima do registrado em 2017. A segunda colocada, a Saint-Gobain (Telha Norte e Tumelero), tem 3,9% do mercado, seguida por C&C com 3% e Construdecor (Dicico Sodimac) com 2,7%, segundo o ranking da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco). “Somos a loja preferida em 18 de 25 praças em que atuamos”, comemora Charles Schweitzer, head de inovação da Leroy Merlin. 

No pilar das relações com os clientes, vale citar algumas premiações de 2018. Por exemplo, a Leroy Merlin ganhou o selo “RA1000”, do site Reclame Aqui, como destaque no atendimento pós-venda. Em paralelo, foi considerada pelos consumidores como o melhor e-commerce e a melhor loja física no segmento em que atua, além de levar o prêmio de melhor CEO (para Alain Ryckeboer) na premiação Época Negócios-Reclame Aqui.

No que diz respeito à equipe, a Leroy Merlin ocupou a 17ª posição de melhor empresa para trabalhar na listagem da Great Place To Work (GPTW). E obteve a certificação Aqua-HQE de alta qualidade ambiental, pela construção sustentável das suas lojas. Tudo isso, é claro, requereu muito esforço. 

**O PROJETO E SUAS TRÊS FASES**

O projeto Visão 2020 pode ser resumido na criação de uma visão de futuro com metodologia colaborativa, que levou ao empoderamento do colaborador. Para Luis Rasquilha, CEO da Inova Consulting, que ajudou a desenhá-lo e a implementá-lo, isso o torna inovador. “Virou um planejamento de baixo para cima, além de ter se convertido em um benchmark de programa de inovação colaborativa no Brasil.”

Na prática, todos os 8 mil colaboradores das 28 lojas que existiam na época foram envolvidos, do auxiliar de logística ao presidente, na construção da estratégia de longo prazo. A cada ano, o trabalho foi desenvolvido em cinco a seis lojas, durante 12 meses. Segundo Weber Niza, diretor de transformação organizacional e humana & desenvolvimento responsável da Leroy, o projeto fez materializar a crença humano-centrista da empresa, “segundo a qual as pessoas fazem a diferença no negócio, e a colaboração e a coconstrução são a chave para sua responsabilização e seu engajamento”. 

O projeto teve três fases principais. A metodologia aplicada começou com um processo de entendimento da situação presente, quando os funcionários visitaram lojas de vários setores, conversaram com concorrentes e clientes. 

As pessoas que estavam no topo da hierarquia fizeram visitas em outros países; as de nível intermediário saíram de seus estados; e as de lojas foram para outras cidades. Em workshops, cada um compartilhava com os demais suas impressões e o que havia visto de inspirador. 

A etapa seguinte foi focada no futuro, quando os funcionários divididos em grupos escreveram cartas-tendências em que diziam como viam o futuro, suas crenças e indicavam as prioridades a atacar. “Cada colaborador nos ajudou a refletir sobre o que fizemos bem no passado, o que somos atualmente, com nossas forças e fraquezas, as tendências que mais impactam nosso futuro, e finalmente o que queremos ser e onde queremos estar no futuro”, comenta Niza. 

Essa segunda etapa durou até 2015. “Não é algo trivial fazer os colaboradores participarem de alguma forma do exercício estratégico, mas o produto desse esforço tem um retorno de investimento inestimável”, diz Niza. “Participar desse processo transforma as pessoas, na medida em que coloca cada um como protagonista na condução da empresa”, avalia. Entre os ganhos, Niza destaca o aumento da autonomia e do engajamento das equipes, melhoria do clima organizacional e da estabilidade (hoje, seu turnover é menor do que o do mercado de varejo em geral), maior número de colaboradores considerados em evolução e com potencial. Houve ainda melhoria da competência de coach facilitador dos líderes, que serviram como formadores/treinadores no processo, assim como o aumento de sua competência de liderança.

Na terceira fase, foi lançada a plataforma Inova Leroy Merlin e o Fórum de Inovação, para materializar o conceito de inovação colaborativa, na qual os colaboradores oferecem suas ideias de melhorias para o negócio. 

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**Tecnologia a serviço do ser humano**

A ambição, lá em 2010, era ser uma empresa que surpreendesse o cliente no atendimento. Ainda não se falava em transformação digital. Entretanto, o cenário mudou e a área de TI passou a ter ainda mais importância para o projeto Visão 2020. “Passamos por uma digitalização, no decorrer de cinco anos finalizados em 2018, que englobou do back-office ao 

supply chain, passando pela contabilidade”, conta Ari Silva, líder de digital data e inovação da Leroy Merlin no Brasil. 

Com todos os sistemas, da matriz e das lojas, tornados amigáveis para funcionários e clientes e conversando entre si através de APIs (interfaces de programação de aplicações), a Leroy Merlin se posiciona como um “home center omnichannel”, promovendo para o consumidor a mesma experiência no ambiente físico ou na internet, seja no mobile ou no desktop.

Silva garante que o cliente Leroy Merlin é reconhecido pelo sistema em sua individualidade, e recebe recomendações ao gosto dele. No final do ano passado, houve mais um salto, ao lançar um marketplace. Com ele, muitos itens podem até ser comprados no site e retirados na loja.

A área de digital data e inovação também teve papel relevante no desenvolvimento e operacionalização da plataforma Inova. “Nosso sistema é robusto, com a vantagem de ficar na nuvem e ter acordos que permitem a expansão diante de qualquer aumento de demanda”, diz o líder. Isso é importante para dar suporte à recente abertura da plataforma a clientes, fornecedores e parceiros.

“Nós temos, de verdade, paixão pelos seres humanos e sempre faremos todo o possível para ter a preferência deles. Isso inclui dar respostas surpreendentes e oferecer as mais agradáveis experiências”, destaca Silva, que está na companhia há 21 anos e ajudou a abrir as primeiras lojas no País. (S.R.S)

**PLATAFORMA DIGITAL E FÓRUM**

A Plataforma Inova Leroy Merlin funciona assim: o colaborador inscreve sua ideia na plataforma. Todas as sugestões são avaliadas e selecionadas a partir de critérios, como se são de fato uma inovação, se mexem nos ponteiros de algum dos seis pilares do projeto Visão 2020 e se são realmente escaláveis. 

As ideias escolhidas são automaticamente inscritas no Fórum de Inovação, uma espécie de pitch criado pela companhia em 2015. No ano passado, por exemplo, 104 colaboradores tiveram ideias selecionadas para o Fórum.

Um comitê executivo, composto por 15 membros, elege, a cada Fórum, dez projetos a serem implementados e escalados por todas as lojas. Os idealizadores são os responsáveis pela implantação de suas ideias, podendo destinar 20% do tempo de trabalho para isso, com a ajuda dos colegas da empresa.

“Isso muda a cultura hierárquica tradicional”, pontua o CEO da Inova. “Entre 2015 e 2018, cerca de 35% dos colaboradores deram suas contribuições.” O engajamento tem sido acima do esperado: até agora cerca de 2,5 mil ideias foram cadastradas na plataforma.

Uma ideia de funcionário que sugiu na plataforma e foi escalada, por exemplo, foi a criação de um “espaço família”, disponível hoje nas lojas que são mais frequentadas por jovens casais com filhos. Esses não precisam mais sair apressados para esquentar a mamadeira ou a papinha da criança, por exemplo, porque encontram um local com infraestrutura, incluindo micro-ondas. 

Outra ideia da plataforma escalada foi uma mudança na área de retirada de mercadorias. Um colaborador observou que os clientes que compravam muitos itens várias vezes improvisavam com o que tinham à mão para amarrá-los. Então, sugeriu ofertar no local o que a Leroy Merlin chama de “produtos de amarração de carga”, como cordas, fitilhos, ganchos e equipamentos afins. E isso fez as vendas dessa família de produtos crescerem 161%.

“As ideias que causaram mais impacto nos resultados da Leroy Merlin vieram dos colaboradores da base, porque as pessoas na linha de frente têm a sensibilidade aguçada por se relacionarem mais com os clientes no dia a dia”, diz Rasquilha.

Em 2018, a plataforma Inova Leroy Merlin deu um novo passo e abriu-se também para os clientes, os fornecedores e todo o mercado. Agora, qualquer pessoa pode votar em ideias e inscrever as próprias. Neste segundo caso, se obtiver pelo menos 80 likes – a plataforma é como uma rede social –, ganha um brinde (minidrone, caneta 3D ou caneta de pintura elétrica). Se a ideia for aprovada, pelos mesmos critérios das ideias dadas por funcionários, vai participar do próximo Fórum de Inovação e ainda leva um vale-compras de R$ 500,00. E se chegar às ideias “top 10” do ano, lista com as escolhidas pelo público interno e externo da empresa, ganha outro vale-compras, no valor de R$ 2 mil.

Essa abertura foi um movimento de adequar ao ambiente digital uma política que a empresa já adotava nas lojas físicas. Na reforma da loja de Interlagos, por exemplo, clientes da região foram convidados a dar sugestões e dali saíram ideias como de ter um espaço kids perto das cerâmicas, bancos em lojas grandes para descanso, ilhas de carrinhos dentro das lojas. 

**VISÃO E ENGAJAMENTO EM ALTA**

Que inovar é uma premissa para estar no mercado, todos sabem. Mas se não houver a inclusão da inovação na visão estratégica e na gestão, a empresa não consegue fazer qualquer transformação. Essa é a opinião de Flávia Bendelá, professora do núcleo de inovação do Ibmec Rio de Janeiro e especialista em estratégia de inovação e liderança. Para ela, o sucesso obtido pela Leroy Merlin é consequência do estabelecimento de uma meta e de uma visão de longo prazo e, ao mesmo tempo, de um movimento forte de engajamento da equipe. 

“A grande base para uma transformação está em entender os movimentos e antecipar as tendências. A Leroy Merlin preparou os colaboradores, proporcionou a visão do mercado, e mostrou o que queria alcançar e o valor de tudo isso”, analisa Bendelá. Ela destaca que a estratégia de colocar os funcionários como parte do processo, dando autonomia e voz a eles, foi o que criou a crucial visão intraempreendedora.

Para Bendelá, outro grande acerto foi abrir a plataforma de inovação para o mercado. Com isso, os gestores da companhia passaram a ouvir ainda mais o cliente, cocriando ações e soluções. “Isso amplia também a base de conhecimento. Mas não adianta ter big data sem ter uma gestão inteligente do conhecimento para priorizar as questões – sejam as mais viáveis, sejam as mais rentáveis”, pontua.

A professora do Ibmec tem participado de um grupo de inovação aberta e nota como isso resulta em soluções mais aderentes ao mercado. Ela defende que há ganhos especialmente significativos quando a abertura se dá em três frentes: além dos consumidores/usuários, envolve startups e pesquisadores. “O processo de gestão disso é denso e complexo, mas traz muito valor agregado”, completa Bendelá.

A professora ainda destaca a preocupação com sustentabilidade na Leroy Merlin. “É um grande mote tornar o negócio sustentável em todos os sentidos – inclusão, RSE, autossustentabilidade etc.” (S.R.S.)

**CULTURA DE DONO**

O espírito de dono se instalou na Leroy Merlin mesmo antes da plataforma e do Fórum. Em 2012, um jovem que trabalhava no caixa de uma loja viu uma idosa com dificuldade de empurrar o carrinho de compras e manter seu cachorrinho sob controle, e sugeriu um carrinho pet, hoje em todas as lojas da rede. 

Mas esse espírito continua a ser cotidianamente cultivado. “Nossos colaboradores são multiespecialistas preocupados em atender bem o cliente, para vender um parafuso ou um produto caro”, conta Schweitzer. O cultivo dá certo também porque inclui a remuneração. Para que não haver tentação de focar vendas de valor mais alto, a companhia não paga comissão individual por venda. Premia sempre o progresso por equipe.

**O FUTURO**

A cultura está enraizada, mas, e o futuro? Afinal, em 2019, a Anamaco projeta crescimento de 8,5% para esse mercado. A Leroy Merlin prevê tomá-lo com melhorias contínuas em toda a operação. Uma Visão 2030 ainda é incerta, mas um aspecto importante desse futuro é a sustentabilidade. A companhia vem tocando iniciativas significativas na área, como a da economia circular e a da classificação de produtos responsáveis.

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