Inovação
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Os desafios do presenciar

Na busca pela inovação, algumas organizações têm procurado trabalhar as barreiras naturais criadas por nossa mente usando metodologias centradas no presencing, mas essas iniciativas enfrentam pelo menos dois importantes desafios

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> … poucos líderes entendem que uma de suas mais importantes tarefas é a de reconhecer, revisitar e transcender seus modelos mentais. Sem esse exercício constante, é pouco provável que a mudança e a inovação aconteçam em suas organizações. … modelos mentais podem gerar um profundo impacto no desempenho de uma corporação, porque funcionam como filtros que simplificam ou distorcem o que vemos e compreendemos.

_“Minha relação com minha mente pensante tem de mudar. Preciso ver seu condicionamento e perder toda a ilusão quanto a sua capacidade de perceber ‘diretamente’ aquilo que está além de seu funcionamento. O pensamento não consegue se abrir para outra dimensão, para o imenso espaço onde existe silêncio…”_

-Jeanne de Salzmann, A Realidade do Ser 

A afirmação acima talvez possa orientar uma reflexão sobre alguns desafios que, em minha percepção, estão presentes em uma vivência real e profunda de processos de criatividade e inovação, utilizando metodologias alicerçadas no “presenciar” ou no acesso a uma “fonte” para além do que chamamos de nossa mente e nossos pensamentos. 

Esses desafios estão presentes nos pressupostos que alicerçam vários importantes e sólidos referenciais metodológicos, como a teoria U, o diálogo gerador, as jornadas de aprendizagem, os trabalhos de inteligência coletiva para a inovação e tantos outros. 

Minha intenção não é de crítica ou negação desses valiosos referenciais, mas sim de evoluir em meu próprio processo de reflexão e aprendizagem, talvez contribuindo para o de outros que tenham interesse. As metodologias que consideram o presenciar como etapa essencial que deve ser vivenciada para que os resultados obtidos gerem uma real inovação têm como premissa fundamental um acesso a um estado ampliado de atenção e consciência. No entanto, alguns processos interiores devem anteceder e preparar o momento do presenciar. 

**1º DESAFIO: O DESAPEGO DO MODELO MENTAL**

Antes que alguém esteja livre para caminhar em direção a um estado de presença, é necessário um esforço (não usual) para olhar contextos familiares como se nunca os tivesse visto antes – uma suspensão do processo automático de downloading das percepções, interpretações, concepções e experiências passadas, entendendo que elas invariavelmente se interpõem entre o observador e o que é observado. Se isso não acontecer, o que se vê poderá não ser a realidade, mas sim aquilo que o filtro dos modelos mentais permitiu que fosse visto. Ou seja, o indivíduo deve evitar “baixar” o aplicativo de si próprio. Se não conseguir superar essa barreira, sua observação será predeterminada e superficial. 

E podemos estar certos de que os resultados do processo de inovação não serão tão inovadores quanto gostaríamos que fosse. Citando Alberto Caeiro, “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há ideias apenas”. A pesquisa e a literatura sobre modelos mentais estão repletas de exemplos de indivíduos que, condicionados pelo filtro de seus mapas mentais, não conseguiram “ver” e aprender com o novo. Muitas dessas experiências estão relacionadas a visitas de “benchmark”, onde os que procuram sair de suas organizações para aprender em contextos de inovação retornam “decepcionados por não terem visto nada de novo”. 

**COMO É O PROCESSO**

A suspensão de nossos modelos mentais é um processo complexo e de longo prazo. O ser humano é ferozmente zeloso daquilo que pensa e em que acredita, daquilo que sabe, por identificar o seu existir com o seu pensar. Isso pode ser verificado no “Penso, logo existo” de Descartes. Então, se ouso entrar em um espaço de não saber, de suspensão do “conhecido”, de parar o downloading, tenho medo de passar a não existir. 

Essa crença, profundamente arraigada no humano, é um dos principais obstáculos à observação isenta, que poderá posteriormente abrir as portas para um presenciar. Desde tempos imemoriais, os filósofos e sábios já alertavam os humanos para essa identificação que tinge nossa percepção do “real”. Platão radicalizou essa “advertência” com a Alegoria da Caverna; alertou que o que vemos são representações (sombras) da realidade e não a realidade. Portanto, somos prisioneiros de nosso mundo de representações, por acreditarmos cegamente nessas representações. 

Ver a realidade parece muito simples, e todos nós acreditamos que o fazemos de forma competente em nossas rotinas diárias. Até achamos que vemos a realidade “muito melhor” que outros. Muitas de nossas frases diárias revelam isso: “Você não está enxergando com clareza”. Bem indicou Guimarães Rosa: “O princípio de toda pior bobagem é um se prezar demais o próprio de sua pessoa”. Infelizmente nós o fazemos. E com frequência comprometemos nossos tão almejados objetivos de inovação nas organizações.

**A ARTE DE (RE)PERCEBER REALIDADES** 

Para começarmos a compreender que nossas certezas absolutas nos paralisam e nos fazem insistir em preservar o que “já conquistamos” em nossas organizações, temos de ter clareza que o interior projeta a si mesmo no exterior e então nós o vemos. 

Muitas vezes, fazemos esforços frenéticos e inúteis para mudar contextos externos, sem percebermos que foram nossas crenças que os geraram. Se não tivermos o tempo e a disciplina para enxergar e transformar a estrutura subjacente ou o lugar interior, responsável pelas realidades que criamos, nossos pontos de alavancagem para a inovação serão limitados ao nosso conjunto já armazenado de percepções. 

O resultado pode ser pífio. Como talvez não consigamos criar o novo, acabamos por utilizar nossas conhecidas abordagens para “resolver problemas”. 

É claro que muitos problemas podem e devem ser resolvidos com a aplicação direta do conhecimento já existente. Porém, se os problemas forem de uma complexidade dinâmica (aqueles em que causa e efeito são sutis, a natureza das relações sistêmicas é conhecida de forma imperfeita e intervenções que parecem óbvias podem produzir consequências não óbvias), a aplicação de experiências e dados do passado não será de grande serventia para resolvê-los. 

Nesses contextos, temos de suspender o conhecido e não aceitar soluções já testadas no passado. É onde a aplicação dessas novas metodologias pode ser extremamente positiva. É quando podemos praticar a arte gentil de sentir e (re)perceber realidades, como indicava Pierre Wack, um dos criadores da famosa metodologia de Planejamento de Cenários na Shell. Wack era incansável em seu processo de aprender a ver as coisas diretamente como elas são – não acreditando, imaginando, especulando, e sim vendo.

**2º DESAFIO: O PRESENCIAR**

Presenciar é uma capacidade crítica para confrontar o umbral do vazio. Presenciar pode nos dar acesso à real fonte interna de criatividade e vontade. Mas pressupõe uma entrega ao não saber, para nos aproximarmos do desconhecido, abrindo as portas da percepção. E não conseguiremos fazer isso enquanto estivermos dominados por nossa sintaxe e nossos repertórios, nossa ansiedade pela segurança e conforto de categorizações e rótulos, como explicado no primeiro grande desafio. 

Há cerca de 12 anos, desenvolvi uma metodologia que chamei de Círculo de Perguntas. Minha intenção: disponibilizar aos líderes uma prática direcionada à formulação de questões genuínas e um mergulho em espaços de “não saber”, criando novas aberturas para futuros ainda não explorados, mas que podem apresentar-se por meio de uma investigação coletiva das questões. 

Minha percepção é que, sem perguntas essenciais, os líderes estarão sempre sujeitos à repetição de soluções já desgastadas, estreitas, conduzindo suas organizações e sociedades por caminhos que podem ter funcionado no passado, mas que não lhes permitem vislumbrar as necessidades inesperadas que estão sendo indicadas e demandadas na dinâmica complexa de um mundo acelerado e “interfaceado”. 

Ao praticar essa metodologia, e já o fiz com mais de 2 mil gestores e colaboradores em organizações que assessoro, percebo, sim, avanços na disposição para acessar espaços de não saber, mas também muita insegurança para abrir mão do já experimentado no passado, das certezas dadas pelo conhecimento do “assunto” investigado. Percebo que um dos maiores obstáculos é abrir mão da certeza de que o modo em que operamos até agora nas organizações nos conduziu a resultados positivos. 

**A MENTE NÃO CONHECE, APENAS ORGANIZA**

Para avançarmos em inovação, obtendo um real benefício desses referenciais metodológicos que estamos explorando, temos de reconhecer que a mente não é um instrumento do Conhecimento, mas somente um organizador do Conhecimento. Manoel de Barros, nosso genial e inspirador poeta, talvez tenha intuído e colocado em seu devido lugar esse organizador: “Meu fado é de não entender quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades”. 

O próprio Einstein escreveu: “E certamente temos de ter o cuidado de não fazer do intelecto o nosso deus; ele tem músculos poderosos, mas não personalidade. Ele não pode liderar, pode apenas servir”. Joseph Jaworski comenta, em seu livro Sincronicidade, o caminho interior da liderança: 

“Existe uma fonte muito mais profunda e vasta da realidade, que está amplamente isolada da experiência, das representações e até mesmo da compreensão humana direta”. Indica, citando Lee Nichol, que “quando a mente está silenciosa, transcendendo o ego, algo além do pensamento começa a operar – um conhecimento que é original. É uma consciência dissociada da nossa visão de nós mesmos ou de mundo”. 

> **Saiba mais sobre Maria Cristina d’Arce**
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> Consultora há mais de 30 anos nas áreas de gestão por competências, educação corporativa, tecnologia de desempenho, pensamento e planejamento estratégico, Maria Cristina d’Arce é sócia-diretora da Quartet Labe Consultoria Técnica, que tem entre seus clientes empresas como Natura e Brasil Foods. 
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> Há 15 anos atua no uso e disseminação de um conjunto de teorias e práticas ligadas ao presenciar, como fundadora e líder da Society for Organizational Learning (SoL) no Brasil. Esse grupo, sob a liderança e orientação de Peter Senge, originou-se no Massachusetts Institute of Technology para desenvolver o campo de conhecimento do aprendizado organizacional. 
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> D’Arce desenvolveu, por exemplo, a metodologia Círculo de Perguntas, que tem por objetivo ensinar os líderes de negócios a criar abertura para futuros ainda não explorados que podem ser acessados por meio de perguntas. “No processo, os participantes percebem que vivem em uma ansiedade permanente para ‘dar respostas’ antes mesmo de saberem quais são as verdadeiras perguntas e que, se mergulharem em estratégias sem antes formular perguntas genuínas, correm o risco de pouca ou nenhuma inovação, fazendo ‘mais do mesmo’”, explica.  
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> D’Arce está ligada aos especialistas mundiais sobre o tema. Foi responsável pelo projeto, estruturação e revisão da edição brasileira dos livros Presença, de autoria de Peter Senge, Otto Scharmer, Joseph Jaworski e Betty Sue Flowers, e Como Resolver Problemas Complexos, de Adam Kahane, e traduziu, com Ricardo Arce, Sincronicidade, de Joseph Jaworski. A especialista é Ph.D. pela University of Toronto, Canadá, na área de medidas, avaliação e aplicação de computadores.

**NO SILÊNCIO INTERIOR, OS PENSAMENTOS SÃO BLOQUEADOS**

quando abordam a criação do novo, que ainda não se fez presente, mas que poderá emergir da mente silenciosa que habita a expansão e nos conecta ao conhecimento real. Esse conhecimento original, que não reside em nossos modelos mentais, é o que possibilitará a criação do novo. No entanto, construir essa capacidade, nos facilitadores e participantes de processos e metodologias que nela se alicerçam, é um desafio, porque ela tem como pré-requisito um estado de silêncio interior. E quantos de nós temos a bênção de, pelo menos por alguns minutos, acessar esse estado? 

Carlos Castaneda indicou: “O silêncio interior foi definido por Don Juan Matus como o estado natural da percepção humana, no qual os pensamentos são bloqueados e todas as faculdades humanas funcionam a partir de um nível de atenção e consciência que dispensa o funcionamento de nosso sistema usual e rotineiro de cognição”. E continuou: “Não existe forma de escolher por sua própria vontade… o silêncio interior seleciona escolhas para os guerreiros, com precisão e sem nenhuma possibilidade de erros”.

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> Você aplica quando… 
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> … precisa criar o novo, abrindo mão do que já foi experimentado no passado, “soltando” as certezas dadas pela experiência e pelo conhecimento anteriores. … tem de “mergulhar” em espaços de “não saber”, criando aberturas para futuros ainda não explorados.

**CONCLUSÃO INCONCLUSIVA**

Espero que essas reflexões possam ser apreciadas como uma forma de estímulo e encanto com a longa jornada interna que podemos empreender para estarmos cada vez mais aptos a realizar as transformações tão essenciais neste momento turbulento de nossa sociedade.

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