Estratégia e Execução
0 min de leitura

Intraempreendedorismo: lições das pioneiras

Algumas empresas começam a encabeçar o movimento no Brasil, entendendo que é preciso ir além do discurso motivacional; é necessário oferecer condições concretas para que a inovação aconteça

Compartilhar:

> Vale a leitura porque… 
>
> … o intraempreendedorismo, ou empreendedorismo corporativo, como costuma ser chamado, está sendo cada vez mais reconhecido como uma necessidade e até uma vantagem competitiva. … apesar disso, a maioria das empresas brasileiras ainda resiste à ideia de implantá-lo ou mostra ter dificuldades para fazê-lo; esta reportagem traz as soluções encontradas por aquelas que estão chegando lá.

O número de startups no Brasil saltou de 2 mil para quase 15 mil nos últimos três anos, causando forte dor de cabeça nos executivos das empresas estabelecidas. Eles sabem que estão sob ameaça, porque startups são muito ágeis para empreender e inovar e logo viram concorrentes perigosas nos produtos, nos serviços e nas pessoas. 

A única reação possível para as companhias maduras é aprender a empreender e inovar tão rotineiramente quanto uma startup. Para isso, precisam selar parcerias com startups e/ou fazer com que seus colaboradores se sintam como se estivessem em uma garagem, sem abandonar as obrigações do dia a dia. O desafio é dificílimo e não se resolve com recrutamento de gente de novo perfil  nem com discurso motivacional. Seu nome? Intraempreendedorismo, ou empreendedorismo corporativo, a nova galinha dos ovos de ouro da gestão. 

Já se sabe o que é preciso fazer para promover o intraempreendedorismo. Como ensinam Filipe Pessoa, consultor de empreendedorismo do Cesar, hub de inovação situado em Recife, e Arthur Garutti, executivo-chefe de operações (COO) da aceleradora Ace, os programas devem ter uma cartilha mínima:

**1.  Financiamento de longo prazo:** orçamento plurianual para as atividades intraempreendedoras, de pelo menos cinco anos. 

**2.  Apoio de cima:** patrocínio do CEO e da alta direção da organização. 

**3.  Expectativa de longo prazo:** em seis meses, muitas vezes o colaborador nem conseguiu validar sua ideia, e pode levar cinco ou dez anos para que o negócio comece a dar frutos. 

**4.  Metodologias de startup:** uso de metodologias que sejam aplicadas a startups em geral, como lean startup, design thinking, canvas da proposta de valor e outras; nada de optar pela ferramenta-padrão adotada na firma. 

**5.  Cultura de tolerância ao erro:**  a condição a ser imposta é que todo erro precisa gerar aprendizado. 

**6.  Estrutura adequada:** fazer um “puxadinho” para abrigar a nova ideia ou o novo negócio em algum departamento não funciona; no primeiro caso, deve-se criar um portfólio de investimentos em ideias selecionadas ligado à cúpula, como se fosse um portfólio de investimentos em ações, e, no estágio dos negócios, as startups precisam ser apartadas da empresa-mãe. 

**7.  Incentivo ao funcionário:** quem inova ou cria um negócio tem de ser recompensado financeiramente, seja com prêmio em dinheiro, com participação nos resultados ou com sociedade.

No entanto, mesmo com  esse conhecimento estando acessível, o número de empresas que praticam intraempreendedorismo no Brasil ainda é ínfimo, conforme os especialistas. A raridade, para Pessoa, não se deve exatamente à resistência em dividir os ganhos com os colaboradores, mas ao fato de o modelo clássico de intraempreendedorismo não ajudar os gestores a entregar aquilo pelo que são cobrados: resultados de curto prazo e riscos mitigados para manter a saúde financeira da organização. 

Como o consultor do Cesar pontua, as atividades intraempreendedoras, especialmente as voltadas para a inovação, proveem o contrário – resultados de longo prazo e incertos. “Mesmo que haja alguma atividade intraempreendedora em uma empresa, ela sempre será colocada em segundo plano”, avalia ele. 

Garutti concorda. Em sua opinião, os gestores só querem se iludir ao falar para o funcionário dedicar 20% de seu tempo a inovar. No fundo, sabem que as demandas de urgência atropelam o processo e o fazem perder o timing e a paciência de que qualquer empreendedor precisa para tocar um produto novo e validá-lo no mercado. 

Walter Ribeiro, coordenador do curso de administração da Universidade de Brasília (UnB) e diretor do Mackenzie DF, chama a atenção para um problema de origem: a centralização e a hesitação em delegar tão comuns nas empresas brasileiras dificultam mensurar o valor que um colaborador pode gerar. Algumas poucas companhias parecem estar encontrando o próprio jeito de mudar essa prioridade e vencer os dilemas – entre curto e longo prazos, entre eficiência e incerteza. HSM Management investigou as práticas de três e as compartilha a seguir.

**GRUPO ALGAR: SÓCIO MAJORITÁRIO**

Com 20 mil funcionários que atuam em telecomunicações, agricultura, tecnologia da informação, aviação, comunicação, hotelaria e outros setores, o Grupo Algar acaba de lançar a Algar Ventures, braço de investimento em novos negócios. À primeira vista, é apenas um meio para dialogar com o ecossistema de startups, mas a novidade é que vai abrir também ao colaborador interno a possibilidade de montar uma nova empresa para o grupo. Segundo Clau Sganzerla, vice-presidente de estratégia e inovação da Algar, os “associados” – como os funcionários são chamados ali – já tinham a chance de intraempreender ao apresentar ideias anualmente na Mostra de Inovação e receberem prêmios em dinheiro por elas – muitas foram incorporadas às operações internas. “Na Ventures, dependendo do nível de disrupção, o associado tem a oportunidade de se tornar um empreendedor efetivamente, dono de uma startup com financiamento da Algar.” 

Não foi à toa que o grupo mudou a prioridade. Nos 15 anos da mostra (que será mantida), as 960 sugestões dos colaboradores foram implementadas e trouxeram um retorno de R$ 400 milhões, ante um investimento de R$ 90 milhões – a taxa é superior a um para quatro. Só em 2016 já houve  55 projetos de funcionários aprovados e 35 protótipos, com investimento de R$ 14 milhões e expectativa de retorno de  R$ 50 milhões em 12 meses. 

A Algar Ventures, portanto, tende a ser um ótimo negócio, porque estimula ainda mais um intraempreendedorismo já existente, seja pela possibilidade de participação no capital, seja pela maior interação com o mundo exterior – por meio de contato mais próximo com a academia, com centros de pesquisa, com aceleradoras e com startups. “Percebemos que não conseguimos fazer tudo sozinhos”, explica Sganzerla. 

O modelo de corporate venture capital não será tradicional, com investimentos por participação. A Ventures investirá em outros fundos, inicialmente em uma fatia minoritária, e o valor total do investimento ficará em torno de 5% do lucro líquido anual do Grupo Algar, que, em 2015, foi de  R$ 200 milhões. 

O “detalhe” que pode fazer a iniciativa atrair muitos empreendedores internos é o percentual do funcionário na startup criada: ele será majoritário. 

Pelo envolvimento de um vice-presidente como Sganzerla  nas iniciativas de intraempreendedorismo, ainda fica evidente na Algar o apoio explícito da alta gestão.

**ENEL: APOIO DE ACELERADORA**

Assim como a Algar, a multinacional de energia e gás Enel investe em intraempreendedorismo em sua subsidiária brasileira, por meio de três diferentes programas. Atuante no País no campo de geração renovável e armazenamento de energia, redes inteligentes e mobilidade elétrica, ela tem a iniciativa Inspire Empreendedores, em que os funcionários apresentam novos modelos de negócio para a empresa e, se aprovados, passam a se dedicar integralmente ao desenvolvimento do projeto. Assim, tornam-se empreendedores e têm suas ideias aceleradas por um período de até 18 meses em um espaço externo de coworking, o que possibilita a troca de experiências com outros empreendedores. 

“Temos resultados muito positivos nessa iniciativa: foram sugeridas 64 ideias inicialmente, e elas se transformaram em oito propostas após organização dos colaboradores em grupos maiores. Selecionamos três projetos, e eles estão sendo acelerados pela Ace em um ambiente de coworking em Niterói”, conta o country manager da empresa, Carlo Zorzoli. 

A ideia é que, comprovado o potencial dos projetos no fim da aceleração, a Enel o integre a sua carteira e o funcionário criador do projeto comande a nova unidade e receba uma participação nos resultados do negócio. A empresa já está captando projetos para a segunda edição do programa. 

A segunda iniciativa da Enel se chama Inspire (sem complementos) e nela todos os colaboradores são incentivados a buscar novas soluções para desafios do dia a dia, a satisfação do cliente, a segurança ou a eficiência operacional. No programa, clientes e fornecedores também são envolvidos no desenvolvimento de práticas inovadoras, o que garante eficiência em toda a cadeia. 

“Por meio do programa Inspire, desenvolvemos em nossos colaboradores o senso de ‘donos do negócio’, e os resultados mostram isso: já tivemos a participação de mais de 600 pessoas criando 175 projetos que levaram a uma economia de cerca de R$ 100 milhões”, diz Zorzoli. 

A terceira iniciativa é o Programa de Inovação Inspire, que promove parceria e fomento a startups e inclui uma aceleradora própria, a Energy Star, para empreendimentos em estágio mais avançado na área de energia, lidando, por exemplo, com o negócio da geração de ener gia solar. Os funcionários intraempreendedores são inspirados não só pela existência da aceleradora, como pela possibilidade de eles mesmos a usarem. Outro aspecto do jeito Enel de promover o intraempreendedorismo é o encorajamento aos colaboradores, em qualquer programa, para utilizarem metodologias adequadas, como lean startup, design thinking, customer development model, canvas de modelo de negócio, canvas de proposta de valor ou qualquer outra que julgarem válida e necessária. Isso tudo é levado em conta na hora da avaliação anual, inclusive, uma vez que o funcionário inovador ganha avaliações melhores e tem maior chance de ser promovido. 

Se vale correr o risco? “Sabemos que é desafiador conciliar a atitude inovadora com a necessidade de resultados de curto prazo e o risco dos empreendimentos, mas também sabemos que só teremos uma cultura de inovação como parte de nosso DNA se enaltecermos os colaboradores que demonstram coragem de desafiar o status quo e proatividade”, afirma Zorzoli.

**ELEKTRO: PROJETOS E LABORATÓRIO**

A Elektro, distribuidora de energia que atua principalmente no interior paulista, organizou-se para adentrar uma fase de intraempreendedorismo mais avançado, que começa com o compromisso de dar autonomia e liberdade totais para que as pessoas busquem novas soluções. 

Entre as iniciativas, os líderes recebem projetos para resolver problemas relacionados com áreas diferentes das suas, a fim de terem um olhar diverso para as questões da empresa. Os colaboradores, por sua vez, contam com um laboratório de inovação, em que participantes de departamentos e perfis distintos se reúnem para, criativamente, solucionar algum problema ou aproveitar alguma oportunidade. 

No “lab”, como é conhecido, são feitas rodadas de inovação de curta duração, organizadas em quatro fases: entendendo o problema/oportunidade, sessões de ideação, uma etapa de colaboração coletiva para ampliar e melhorar a solução e uma fase final de prototipagem. A intenção é permitir que o funcionário empreenda desde o começo, idealizando e depois implantando a solução. 

“Já construímos uma solução inovadora para atendimento ao cliente em apenas três meses”, conta Luiz Flavio Xavier de Sá, executivo de projetos estratégicos da Elektro. Para ir além, a empresa está estruturando um novo programa que buscará aproximar colaboradores e startups que, futuramente, poderão prover serviços e produtos para a Elektro. 

“Com esse modelo de empreendedorismo, queremos aumentar significativamente nossa capacidade de estimular a inovação”, conta Xavier de Sá. Vale ressaltar que os funcionários são premiados por suas iniciativas e estas também os distinguem nas avaliações de desempenho. Quanto à cúpula, a da Elektro diz enfatizar continuamente a bandeira do intraempreendedorismo.

**UMA PONTE**

O dia a dia da organização, em que a eficiência é mandatória, constitui um mundo bem diferente desse do empreendedorismo e inovação. Para haver intraempreendedorismo, é preciso construir uma ponte entre os dois mundos. 

Esse papel cabe, em geral, ao CEO, mas aceleradoras externas, como a Ace, podem ajudar a desempenhá-lo. A ponte, garante Garutti, costuma trazer ganhos para ambos os lados, porém ela não será construída se não houver um processo de sensibilização e “evangelização”, palavra típica do meio. A sensibilização começa quando as companhias percebem o que está acontecendo. “Contamos para as empresas tradicionais que mesmo as mais jovens e com modelos de negócio recentes já estão preocupadas em desenvolver novas linhas de receita por causa da velocidade da economia e isso faz soar o alarme; elas veem que podem estar muito atrás”, diz Garutti. 

A evangelização é o que fará a companhia sair do modus operandi do dia a dia para dar autonomia total e apoio a seu pessoal, a fim de que questione os processos estabelecidos e olhe de maneira diferente para os problemas. “É preciso dar referências para que o colaborador suje as mãos, para que arrisque”, lembra Garutti. A alta direção da empresa tem de dar as referências, mas interferir o mínimo possível. Esse apoio equivale a uma mentoria. 

Uma vez convencidas do que precisam fazer, as organizações podem optar por reduzir o gap de empreendedorismo com a ponte da aceleração corporativa, similar à aceleração feita para startups, porém adaptada a projetos intraempreendedores de companhias estabelecidas. Estudos internos da Ace sugerem que um processo de aceleração corporativa pode ser até quatro vezes mais rápido quando comparado com o tempo que uma grande empresa geralmente leva para validar ideias por conta própria. 

**POR ONDE COMEÇAR**

A grande lição que as companhias estabelecidas estão aprendendo com as startups é concentrar-se em problemas de mercado reais. Elas têm de trazer essa habilidade para dentro de casa. A armadilha é que esse foco depende de atividades intraempreendedoras, e intraempreender também depende de as empresas conseguirem focar as dores do consumidor. O que acontece primeiro? É tudo simultâneo.

Pelo menos quatro inimigos, contudo, têm de ser obrigatoriamente vencidos para que o intraempreendedorismo floresça: a cultura de erro zero, a impaciência em relação a custo, a não disposição de dividir os ganhos e a alienação do CEO. Como lembra Walter Ribeiro, “a expectativa de erro zero mata o espírito empreendedor em qualquer organização”. 

Ele também diz que “só é caro o que não dá nenhum retorno e, com o conhecimento adequado, o retorno é garantido”. Compartilhar resultados e participação é essencial para estimular os funcionários a mostrar a firmeza de propósito da companhia. E a visão de liberdade empreendedora tem de partir realmente do CEO ou não contaminará positivamente toda a cadeia de gestão, como é necessário. Quem talvez vença mais rápido os inimigos são as médias e pequenas empresas, que, segundo o professor da UnB, tendem a ser um laboratório muito bom para desenvolver o empreendedorismo corporativo, se montarem o time certo. 

O intraempreendedorismo ainda é mais exceção do que regra, mas isso pode mudar rápido, à medida que mais gestores enxergarem nele a nova galinha dos ovos de ouro.

> Você aplica quando… 
>
> … cria programas ambiciosos para promover o intraempreendedorismo, sensibilizando toda a organização para o tema. … vence os quatro principais inimigos do empreendedorismo corporativo, usando a ajuda de uma aceleradora externa se for preciso: cultura de erro zero, rejeição ao custo, divisão de ganhos e alienação do CEO.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Sua empresa pratica o carewashing?

Uma empresa contrata uma palestra de gerenciamento de tempo para melhorar o bem-estar das pessoas. Durante o workshop, os participantes recebem um e-mail da liderança