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Segurança melhora com governança local

Mudanças no modelo de gestão das operações de segurança pública, com maior aproximação entre a polícia e a comunidade, integração entre os órgãos públicos e ênfase na prevenção, têm resultado na diminuição de delitos em experiências no Chile, na Colômbia e até no Brasil

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A segurança é um dos pontos mais sensíveis da gestão pública, por afetar diretamente a capacidade de sobrevivência de uma sociedade, de modo literal e do ponto de vista econômico. Em diversos países, o Brasil entre eles, esse assunto está na berlinda. Mesmo nessa complexa área, contudo, veem-se inovações em todo o mundo, apoiadas tanto no uso mais inteligente da tecnologia como no que se chama “governança local”.

**A UNIÃO PAULISTANA**

O Largo da Matriz, no bairro da Freguesia do Ó, é um dos pontos de referência para o paulistano que busca alternativas aos badalados circuitos gastronômicos e culturais da cidade. Com visual de interior, ganhou fama nos últimos anos e atraiu muitos frequentadores, e também a criminalidade. Entre 2011 e 2012, uma série de episódios de violência e desordem pública começou a tornar a região inóspita para as famílias que a frequentavam e a ameaçar os negócios. 

Em um primeiro momento, a Polícia Militar reagiu de forma-padrão, reforçando o policiamento ostensivo e as ações convencionais de segurança pública. No entanto, logo o comando percebeu que essas medidas não dariam conta do problema e surgiu a ideia de criar um modelo de gestão operacional que envolvesse outros órgãos públicos e moradores do bairro. 

Com base no conceito de governança local, o batalhão da Polícia Militar responsável pelo bairro desenvolveu uma nova proposta de gestão por equipes multidisciplinares, que contam com a participação de cidadãos voluntários, para estudar, elaborar e implantar soluções amplas para os problemas de segurança, batizando-a de “Gestão de Ordem Pública Local” (GOPL). Na fase do estudo, o primeiro passo do processo, identificaram-se causas e responsabilidades da criminalidade na área, dimensionando efeitos e consequências, realizando audiências públicas. 

Apontaram-se, então, soluções a ser aplicadas por três plataformas: serviço público, responsabilidade social e gestão governamental. Em seguida, foi nomeado um oficial da Polícia Militar como gestor da ordem pública local, para comandar a implementação das soluções. Na plataforma do serviço público, as medidas incluíram o trabalho de inteligência policial, a prioridade no atendimento ao disque-denúncia, a atualização das prioridades no patrulhamento e outras atividades saneadoras sob responsabilidade dos órgãos públicos, como nas áreas de trânsito e fiscalização do funcionamento de estabelecimentos comerciais e de lazer. Na plataforma da responsabilidade social, foram desenvolvidas ações de promoção dos direitos humanos e da cultura de paz nas comunidades locais. Buscou-se desestimular ambientes e fatores causadores de perturbação e de conflitos sociais. 

Também houve o incentivo à participação comunitária dos organismos sociais (família, escola, igrejas etc.). Na plataforma da gestão governamental, concentraram-se as medidas de promoção contínua e progressiva de diálogos entre as autoridades representantes das diversas esferas de governo, buscando o entrosamento das ações e planos nos níveis estratégico e político, por meio de comitês locais de trabalho integrado e audiências públicas. Em pouco tempo, a Freguesia do Ó voltou a sua qualidade de vida anterior, e a experiência do GOPL já está sendo replicada em outras comunidades. 

Na visão da Polícia Militar, o sucesso desse modelo de gestão compartilhado deve-se ao fato de os cidadãos se sentirem fortalecidos quando se envolvem com as autoridades públicas e participam da solução dos problemas locais. Também os servidores públicos sentem-se prestigiados, por serem respeitados e compreendidos no exercício de suas tarefas, inclusive nas ações fiscalizadoras. 

A adoção do GOPL na Freguesia do Ó ainda teve como efeitos colaterais o fim das aglomerações desordenadas de pessoas que consumiam álcool e drogas na região, a regularização da situação dos comércios locais e o estabelecimento de metas comuns e compartilhadas para o bem-estar do bairro. Agora, fora de um momento de crise, o desafio tem sido manter o processo, uma vez que os representantes da sociedade civil têm seus compromissos pessoais e não participam das reuniões com a mesma frequência que os representantes do poder público.

**MODELO COLOMBIANO**

A aproximação entre a polícia e a comunidade também foi a solução encontrada pela Colômbia para enfrentar seus problemas de segurança pública. O país converteu uma posição tradicionalmente reativa à questão para uma preventiva, e o fez em escala nacional. A Colômbia vivenciou entre 2000 e 2009 uma mudança brusca na preocupação com a violência, que migrou da ameaça terrorista contra o Estado para questões de delinquência urbana contra os cidadãos. 

Em 2010, o governo colombiano iniciou a implementação do Plano Nacional de Vigilância Comunitária por Quadrantes em oito regiões metropolitanas: Bogotá, Medellín, Cali, Barranquilla, Cartagena, Cúcuta, Bucaramanga e Pereira. Com o plano, a polícia nacional pôs em prática um novo modelo procedimental ao passar da tradicional ação reativa, com suas capacidades institucionais orientadas ao combate ao terrorismo e ao narcotráfico, para uma atitude preventiva, baseada na elaboração de diagnósticos dos delitos e contravenções praticados em cada comunidade. Com base nesse diagnóstico, que busca conhecer, identificar e analisar as dinâmicas dos crimes que afetam um território específico, traçam-se estratégias para solucionar as questões de segurança pública naquela comunidade. 

O plano colombiano teve um longo processo de gestação. Em 1993, foi definida a vigilância comunitária como norte da política de segurança pública no país. Com isso, várias mudanças estruturais e culturais foram feitas na polícia nacional, entre elas a criação de programas de participação do cidadão nas decisões e de uma polícia comunitária, já com os esboços de um serviço de vigilância setorial, comunal e de bairro. Surgiram também as polícias de bairro, que realizam patrulhamento a pé ou de bicicleta. 

Todas essas transformações se baseiam em uma metodologia de diagnóstico, formulação e cumprimento de planos de trabalho locais. O sucesso de tais experiências em algumas comunidades –como a Polícia de Bairro em Barranquilla e a Vigilância por Quadrantes em Santiago de Cali– inspirou o governo colombiano a, em 2009, traçar um plano nacional. 

Entre as características mais importantes dessas experiências bem-sucedidas estavam a designação de quadros permanentes de policiais para certos bairros ou comunidades, o que criou forte identificação da população com eles, e a melhoria da gestão dos serviços policiais em função da definição de uma área fixa e mais delimitada para ação e avaliação de determinada equipe. 

O Plano Nacional de Vigilância Comunitária por Quadrantes já está implantado em 115 municípios, beneficiando cerca de 27 milhões de colombianos (60% da população do país). Os primeiros resultados nas oito regiões metropolitanas mostraram uma redução de 10% nas taxas de homicídio e uma diminuição em torno de 50% nos casos de furtos de veículos e agressões físicas. 

O plano é regularmente avaliado: a mensuração de seu desempenho é feita por um organismo externo, a Fundação Ideias para a Paz. Pesquisas semestrais de opinião pública realizadas por institutos independentes como o Gallup ajudam a avaliar o trabalho da polícia. Os resultados animadores agora estão levando o governo colombiano a adaptar a experiência para a área da saúde.

> **O QUE É A GOVERNANÇA LOCAL**
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> forma de governar no nível mais próximo ao cidadão, a governança local inclui não apenas a máquina governamental tradicional, mas também a comunidade e suas interações com as autoridades. A tendência de governança local adotada mundialmente sustenta-se na descentralização do poder, que abre possibilidades para a ampla participação democrática das comunidades nas decisões dos governos, em diversas áreas, sendo as de segurança umas das principais. A experiência em diversos países mostra que, quando a efetiva descentralização e a governança local democrática avançam juntas, o governo local ganha autoridade, recursos e habilidades para fazer escolhas e agir de modo eficiente e responsável. os especialistas em gestão pública explicam que avançar nessa direção demanda promover o desejo e a capacidade das organizações dos cidadãos de assumir responsabilidades por suas comunidades e monitorar tudo o que é feito.

**A INSPIRAÇÃO CHILENA**

Inspirador do modelo colombiano, o Plano Quadrante de Segurança Preventiva da polícia metropolitana chilena –os carabineiros– começou a ser implementado em 1998. Ele traça uma estratégia operacional para ação dos carabineiros em cenários urbanos, com a finalidade de reduzir a criminalidade e a sensação de insegurança do cidadão por meio de uma atuação mais eficaz e eficiente da polícia. Um dos objetivos principais do plano chileno é também estreitar as relações entre os carabineiros e as comunidades onde atuam para que haja melhor intercâmbio de informações de interesse policial. 

As autoridades utilizam os quadrantes –áreas com até 25 mil habitantes– como base para destinação dos recursos de segurança pública. São consideradas informações como a quantidade de pessoas que ali vivem e circulam, as taxas de delitos e a demanda de recursos policiais por quadrante. Uma das metas é oferecer um índice de cobertura policial similar em cada quadrante. A ação policial comunitária do plano foca quatro pontos: patrulhamento preventivo localizado, atenção imediata às solicitações da população, fiscalização de estabelecimentos e cumprimento de ordens judiciais. O plano chileno inspirou o colombiano, mas há diferenças expressivas entre as duas inovações. 

Enquanto no Chile a estratégia enfatiza a relação direta cidadãos-policiais para o intercâmbio de informações de interesse policial e está implementada apenas em áreas com altas taxas de criminalidade, na Colômbia o plano já está implementado em todas as jurisdições das áreas metropolitanas do país e é voltado para a geração de uma atuação integral da polícia em cada quadrante. Ou seja, a inovação colombiana avançou sobre a chilena ao propor uma corresponsabilidade da sociedade civil e a estratégia participativa de fato.

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