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Celulose: em busca da próxima inovação

Se há um segmento no qual o empreendedorismo de alto impacto se destaca no Brasil, é o de celulose. Inovando em nível global com a celulose de fibra curta a partir do eucalipto, o setor conseguiu construir um projeto articulado entre empresas, centros de pesquisa e instituições de financiamento que resultou na vantagem competitiva mundial. Agora parte para outra ruptura

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NNos anos 1950, o empresário Leon Feffer e seu filho Max, da Suzano, investiram em inovação para substituir a celulose importada pela de eucalipto, árvore vinda da Austrália, que apresenta uma série de vantagens: atinge a idade adulta três vezes mais rápido do que as árvores nativas –seu ciclo de vida é de sete anos–, vai bem em terrenos pouco férteis, não exige muitos nutrientes e defensivos agrícolas. Em parceria com cientistas, os dois desenvolveram a celulose de fibra curta brasileira, adequada ao papel para escrita e impressão, que agora é benchmark mundial. 

Hoje, o empresário Bernardo Gradin, da GranBio, não vê a celulose para fazer papel, mas para fazer combustível. O fundador e presidente dessa holding de biotecnologia industrial investe em inovação para transformar a celulose no etanol com menor pegada de carbono do mundo e mais competitivo em preço que o etanol de primeira geração, em conjunto com cientistas que usam engenharia metabólica, biologia sintética e genética. E a GranBio deve oferecer o açúcar celulósico (de várias espécies de árvores) como matéria-prima para as indústrias de biocombustíveis, bioquímicos e biomateriais. O que essas duas histórias, separadas por mais de 60 anos no tempo, revelam é um empreendedorismo inovador permanente na indústria de celulose brasileira. 

O sucesso comercial do setor confirma que o empreendedorismo de alto impacto dá resultado. O Brasil produz cerca de 15 milhões de toneladas anuais de celulose, cerca de 9% do total mundial, o que o torna o quarto maior produtor, segundo dados de 2013 da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), e o saldo da balança comercial brasileira especificamente com celulose só cresce –em 2013, foi de US$ 4,8 bilhões, 11% maior do que o de 2012. E mais: se olharmos apenas o crescimento do volume produzido, veremos que se deve principalmente a ganho de produtividade. Um estudo realizado na Universidade de Viçosa por Kaio Henrique Adame de Carvalho e outros pesquisadores, sobre a evolução da celulose no Brasil entre 1960 e 2007, mostrou que, do crescimento médio anual de produção de 9,87%, apenas 0,57% deveu-se à expansão de florestas; 9,30% são atribuídos a aumento da produtividade –por aperfeiçoamentos genéticos, melhores práticas silviculturais, avanços de mecanização, maior formação de mão de obra especializada em manejo florestal. Além de bons problemas para resolver, o que esse setor tem que os outros não têm? 

**OS DIFERENCIAIS**

O projeto vitorioso da celulose no Brasil é baseado na articulação em rede e na troca entre empresas, governo e universidades, com os envolvidos convivendo em um ciclo longo no desenvolvimento do projeto. (Vale lembrar que o governo concedeu incentivos fiscais ao setor durante 20 anos, entre 1966 e 1986.) José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado Brasil, a mais recente gigante do setor de celulose no País, complementa destacando a importância da primeira inovação, de Feffer, como motivação para criar uma mentalidade de pesquisa e desenvolvimento. “Recebemos apoio de linhas de financiamento públicas, o que é uma contribuição muito grande, mas as empresas precisam se apropriar mais e mais de seu destino, de seus programas de inovação, da pesquisa e desenvolvimento, e pôr também dinheiro privado nisso”, diz. 

A inovação a que o CEO da Eldorado Brasil se refere é sobretudo gerencial, seja na disposição de fazer escolhas arriscando-se nos trade-offs –observada, por exemplo, na decisão de trocar plantas nativas por uma exótica–, seja no compromisso com o longo prazo e com uma atuação internacional, que requer uma competitividade de nível mundial. 

Aí parece pertinente a explicação de Yukari Kane, autora do livro Haunted Empire, de que empresas lideradas por seus fundadores, como o Google, o Facebook, a Amazon e a Apple sob Steve Jobs, são mais poderosas gerencialmente, porque correm mais riscos para inovar e se comprometem mais com o sucesso de longo prazo. Foi o que aconteceu com a Suzano de Feffer, e é o que acontece com a GranBio de Gradin, que, assim como os norte-americanos citados, também valorizam o conhecimento científico e promovem ativamente a aproximação de suas empresas com a universidade, algo ainda relativamente raro no Brasil. Saber aproveitar as próprias forças também é sinal de boa gestão. Carlos Griner, diretor da Suzano Papel e Celulose, destaca que “o País reúne várias vantagens competitivas bem aproveitadas pelas empresas, como disponibilidade de terras produtivas, excelentes condições de solo e clima, florestas plantadas de ciclo curto, potencial de recuperação de áreas degradadas e baixos custos de formação e manutenção de florestas”. 

> **O risco da GranBio**
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> Quantas empresas o leitor conhece que investem 45% de seu orçamento anual em pesquisa e desenvolvimento? Foi o que fez, em 2013, a GranBio, holding de biotecnologia industrial criada dois anos antes, em 2011. Isso mostra a firme aposta de seu fundador e presidente, Bernardo Gradin, ex-presidente da Braskem, do grupo Odebrecht, de que o etanol obtido da celulose será o mais competitivo do mercado. “Como esse etanol pode ser obtido de resíduos de palha e bagaço da cana-de-açúcar, com os rendimentos atuais, o Brasil pode aumentar em mais de 45% sua produção na mesma área agrícola”, diz Gradin, justificando o aumento de competitividade. 
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> Além disso, o etanol de segunda geração tem impacto ambiental mais baixo, devendo ser o combustível com menor pegada de carbono no mundo, segundo o executivo. A GranBio quer transformar o açúcar celulósico na matéria-prima mais competitiva e sustentável não só da indústria de biocombustíveis, mas das de bioquímicos e biomateriais, integrando toda a cadeia de valor, da biomassa à comercialização, o que lhe dá um imenso potencial de mercado. “Para fazer isso, estamos inovando em cada etapa da produção, como agregadora e integradora de uma cadeia produtiva sustentável que ainda não existe”, diz Gradin. Das quatro empresas que formam a holding, duas são dedicadas exclusivamente a P&D: a BioVertis desenvolve cultivares de cana-energia e outras espécies como fonte de biomassa e a BioCelere dedica-se à pesquisa de processos de fermentação, microrganismos e engenharia metabólica. 
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> A holding mantém mais de 20 parcerias com universidades, centros de pesquisa e empresas no Brasil, Estados Unidos, Holanda, Dinamarca e França. A biotecnologia é o caminho para o Brasil e para o mundo, na visão de Gradin. “O desenvolvimento da engenharia metabólica, associada à biologia sintética e aos avanços da genética, é uma das soluções mais promissoras para reverter os efeitos da mudança climática decorrente das emissões de CO2 , trazidas pelo uso de combustíveis fósseis.” Apesar de a demanda existente ser gigante (pela frota de veículos flex), Gradin confirma que está correndo um risco significativo. “É que acredito que o Brasil tenha tudo para ser uma potência nesse setor. ” O líder da GranBio não deixa de pedir que o País se esforce ainda mais para criar um ambiente que favoreça o risco de empreender e inovar.

> **O risco da Suzano**
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> Nos anos 1940, Leon Feffer, fundador da Suzano Papel e Celulose, enfrentava um sério problema de suprimento de matéria-prima para sua indústria de papel. A celulose que utilizava na época era importada e com fornecimento instável. Ele decidiu investir em pesquisas para o desenvolvimento de produção de celulose nacional, a partir do eucalipto, árvore folhosa introduzida no Brasil no final do século 19 vinda da Austrália. No início do século 20, o engenheiro agrônomo brasileiro Edmundo Navarro de Andrade trouxe o eucalipto australiano para o País para resolver a falta de madeira de uma companhia de transporte ferroviário e pensou em desenvolver a produção de celulose a partir da árvore, mas não levou a ideia adiante. A inovação começou quando Leon e seu filho Max se dispuseram a correr o risco de desenvolver experimentos e pesquisas com eucalipto nacional para substituir a celulose importada, como conta Jacques Marcovitch no livro Pioneiros e Empreendedores: a Saga do Desenvolvimento no Brasil. Nos anos 1950, Max Feffer liderou uma equipe de cientistas brasileiros na unidade da Suzano, e os experimentos foram finalizados e confirmados nos laboratórios da University of Florida, em Gainsville, EUA. Em 1961, 100% da celulose utilizada pela Suzano já era brasileira.

**ONTEM, HOJE, AMANHÃ**

Foi necessária paciência. Após a iniciativa da Suzano, o Brasil foi reunindo os elementos essenciais para impulsionar o rápido crescimento da indústria de celulose e papel no País: uma tecnologia de produção em grande escala da chamada “celulose sulfato”, plantações florestais de espécies de eucalipto selecionadas, grupos de trabalho tecnicamente avançados, sistema de inovação setorial amplo, disponibilidade de capital e política vantajosa. Isso foi conseguido no início da década de 1960, segundo estudo dos pesquisadores Hannes Toivanen e Maria Barbosa Lima-Toivanen, do Centro de Pesquisa Técnica da Finlândia. 

Então, a produção nacional de celulose de fibra curta aumentou e a indústria de papel praticamente eliminou a dependência da importação de celulose. De lá para cá, há um aumento de competitividade contínuo, com crescimento das exportações e redução sistemática dos custos, só que mantê-lo é um desafio constante. As empresas estão se mexendo, inclusive a mais jovem, a Eldorado Brasil, que começou a operar no final de 2012. Ela tem trabalhado com biotecnologia, marcadores moleculares e genoma do eucalipto. “Já começamos a olhar a questão da engenharia genética para poder, quando tivermos as certificações, começar a usar plantas modificadas geneticamente”, afirma Grubisich. 

Outro plano da Eldorado é a criação de um centro de tecnologia florestal, com um viveiro para 60 milhões de mudas por ano, que deve representar um investimento da ordem de R$ 100 milhões. “O objetivo é alocar cerca de 2% a 3% de nosso faturamento para pesquisa e desenvolvimento.” A Suzano, por sua vez, tem duas áreas dedicadas a pesquisa e desenvolvimento. Uma é voltada para a inovação, atuando na melhoria de processos industriais e no desenvolvimento de novos produtos, e a outra é de tecnologia florestal, que tem foco nas atividades no campo. Também o desenvolvimento de novos materiais florestais faz parte dos objetivos das pesquisas de maneira permanente na Suzano. 

Segundo Griner, boa parte desse esforço está concentrado na FuturaGene, empresa que a Suzano adquiriu em 2010 e cujo negócio é a pesquisa e o desenvolvimento genético de plantas, entre elas o eucalipto e o álamo, para os mercados de floresta plantada, bioenergia e biocombustíveis. “Alinhamos a biotecnologia da FuturaGene e a expertise da Suzano na área florestal para elevar a competitividade por meio de aumento de produtividade e proteção dos cultivos.” Fazer com que os colaboradores se sintam “donos do negócio” para sugerir melhorias, revisar processos e ajudar os colegas de outras áreas a fazer diferente, como se fossem os próprios empreendedores Feffer, tem sido outra preocupação da Suzano –e na maioria das empresas do setor, que sofisticam sua gestão a cada dia que passa.

> **Parceiros de pesquisa**
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> Na rede articulada entre empresas, governo, universidades e centros de pesquisa que fez da indústria de celulose no Brasil uma das mais competitivas do mundo, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo tem se destacado. Desde os anos 1940, o instituto, sediado no campus da Universidade de São Paulo, vem desenvolvendo estudos sobre celulose. 
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> Atualmente o conceito de biorrefinaria –segundo o qual as fábricas de celulose são uma excelente plataforma, no sentido de obter a máxima utilização da biomassa dos materiais lignocelulósicos– é um dos temas dominantes em relação a pesquisa e desenvolvimento e dá uma amostra de como se direciona organizadamente a inovação em conjunto com o ambiente acadêmico. “Os setores apresentam em cada época temas dominantes em relação a pesquisa e a inovação, e a comunidade técnico-científica volta-se preferencialmente para eles, até porque grande parte dos financiamentos para pesquisa gira em torno desses temas”, explica Maria Luiza Otero D’Almeida, do Laboratório de Papel e Celulose do Centro de Tecnologia de Recursos Florestais do IPT. 
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> Ela acrescenta que as parcerias com empresas de celulose e papel, ou de outros setores, costumam ser feitas para desenvolvimento de pesquisas específicas, que normalmente culminarão em inovações. “Essas parcerias são efetuadas na forma de projetos, nos quais estão envolvidos não apenas o IPT e a empresa, mas também um órgão financiador, como a Finep ou a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo].” Alguns projetos são grandiosos. 
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> Por exemplo, atualmente, o IPT está participando de um projeto que envolve as áreas de biotecnologia, nanotecnologia, microtecnologia e metrologia de precisão. Trata-se de uma iniciativa da Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), criada pelos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC) em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e com o apoio da Finep. “A Embrapii objetiva fomentar projetos de cooperação entre empresas nacionais e instituições de pesquisa e desenvolvimento para a geração de produtos e processos inovadores, e esses projetos podem atender uma única empresa ou um grupo de empresas”, informa Otero D’Almeida. 
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> O setor de celulose é, de certa forma, privilegiado. Desde meados do século 20, o eucalipto ocupa boa parte das atenções e empenhos de pesquisa no Brasil, de acordo com os pesquisadores Hannes Toivanen e Maria Barbosa Lima-Toivanen, do Centro de Pesquisa Técnica da Finlândia. E, embora o sistema de inovação setorial brasileiro mantenha uma distinção clara entre a pesquisa básica e a aplicada, os recentes avanços na biotecnologia e no genoma confundem as fronteiras. 
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> A pesquisa básica sobre eucalipto e celulose –cuja meta é o aumento da produtividade das florestas– é desenvolvida principalmente em três universidades: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Viçosa e Universidade de São Paulo. Já a pesquisa aplicada diz respeito mais aos laboratórios das empresas e a institutos de pesquisa como o IPT. Nos últimos anos,o esforço de P&D das empresas e dos institutos de pesquisa brasileiros em relação à celulose tem se pautado pela produção de etanol de segunda geração. 
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> “Existem atualmente duas rotas para produção de etanol a partir da celulose: a rota bioquímica e a termoquímica”, segundo Gerhard Ett, do Laboratório de Energia Térmica do IPT, que desenvolve as duas. “No Brasil, aproximadamente 90% das pesquisas seguem a rota bioquímica, mas ambas são importantes e podem ser complementares.” O IPT iniciou seus estudos na linha termodinâmica em 1970 e vem registrando expressivos avanços. Esse campo de pesquisa é dominado por China, Estados Unidos, Suécia, Holanda e Alemanha.

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