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Você tem estratégia de problema perverso?

O futuro tende a ser repleto de problemas inéditos e difíceis de definir, que o planejamento tradicional não consegue abordar: é preciso usar a construção de cenários para enfrentar ao menos dois tipos de incerteza

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> **Vale a leitura porque…**
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> … nos tempos atuais, marcados pela complexidade e pela incerteza ,os chamados “problemas perversos” (aqueles sem definição clara e amplamente aceita) preocupam cada vez mais os gestores. … o potencial surgimento de um problema desse tipo já é abordado nas estratégias de algumas organizações, como USPS e FedEx. … a resistência aos problemas é o caminho natural – e fadado ao fracasso. … o processo de elaboração da estratégia para lidar com problemas perversos precisa ser aprendido.

Entre os gestores e a viabilidade econômica de suas empresas existem, hoje em dia, dois obstáculos fundamentais: a complexidade e a incerteza. Isso não é novidade. O novo é o entendimento de que muitas das técnicas usadas pelos gestores para lidar com esses obstáculos, como os planos de contingência e as análises das cinco forças, concentram-se em administrar a instabilidade e limitá-la, mas não ajudam a enxergar futuros alternativos. Resultado: acabam ocorrendo variações extremas de incerteza e complexidade e, quando estas interagem, aparecem os cada vez mais famosos “problemas perversos” [wicked problems, em inglês]. São problemas cuja definição não é clara nem amplamente aceita e que, por isso, não podem ser resolvidos pelos meios tradicionais, pois estes exigem definições claras. Tenho abordado problemas perversos estratégicos com líderes de empresas do mundo todo, e essa experiência me faz acreditar que a estratégia para atacá-los deve ser tratada praticamente como se a estratégia fosse perversa [indefinida].

**MUDE DO  FEEDBACK PARA  O FEEDFORWARD**

Entre as melhores ferramentas que as empresas contemporâneas podem usar para criar “estratégias perversas” estão os sistemas feedforward. 

O que é isso? Planejamentos e sistemas de controle tradicionais dependem substancialmente de sistemas feedback, porque aprendem com a experiência passada e com a análise do desempenho real em relação ao que foi planejado. No ambiente atual, os sistemas feedback tradicionais tornam-se inadequados, por conta de rupturas entre futuro e passado. Sistemas feedforward, por sua vez, conseguem lidar com essa dissociação, uma vez que orientam os líderes a fazer escolhas hoje com base em um futuro antecipado, sem necessariamente depender de experiências passadas. A técnica primária de planejamento que se aplica aos sistemas feedforward é a “construção de cenários”. Na década de 1990, Hugh Courtney, da McKinsey & Co., e seus colegas ofereceram uma taxonomia de quatro tipos diferentes de incerteza que influem na construção de cenários, dos quais destaco dois, que a prática me mostra serem mais importantes para as empresas atuais:

> **Os problemas perversos**
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> As cinco características essenciais de um problema perverso, que tornam as tradicionais abordagens de solução de problemas impotentes nesse território, são:
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> 1. O problema é difícil de definir, além de não ter precedentes.
> 2. Há múltiplos stakeholders importantes com valores conflitantes e prioridades que são afetadas pelo problema detectado e pelas reações a ele.
> 3. Existem muitas causas aparentes para o problema detectado, e elas estão inextricavelmente interligadas. 
> 4. É impossível ter certeza sobre qual solução é correta ou melhor; não há uma regra.
> 5. A compreensão sobre qual é o problema muda quando este é reavaliado no contexto de soluções alternativas propostas. 

**1. Cenários de possibilidades –  o caso USPS** 

Novas tecnologias e exigências governamentais dão origem ao primeiro tipo de incerteza a destacar e, assim, nos levam a projetar múltiplos futuros alternativos e muito diferentes entre si. Criam-se, então, “cenários de possibilidades” [livre tradução de possibility scenarios], uma técnica de construção de cenários que ajuda a identificar “ações sólidas” que podem funcionar em todos os futuros alternativos que venham a surgir. Enquanto os cenários convencionais buscam descrever o futuro que provavelmente prevalecerá, os cenários de possibilidades exploram as incertezas que ocultam o futuro, em um processo que consiste de sete etapas:

1.  Identificar as principais incertezas que podem impactar o futuro. 

2.  Justapor possíveis situações futuras – preferencialmente duas para cada incerteza selecionada – a fim de descrever futuros alternativos que possam surgir. 

3.  Desenvolver estratégias e planos de ação para cada um dos cenários observados. 

4.  Identificar ações (e estratégias) sólidas que sejam comuns a todos os cenários possíveis. 

5.  Implementar as ações sólidas identificadas.

6.  Examinar o ambiente buscando indícios da probabilidade de qualquer um dos futuros possíveis realmente acontecer. 

7.  Investir no abrangente conjunto de estratégias e ações que foram identificadas antes para lidar com o cenário que parece emergir. 

No final da década de 1990, o Serviço Postal dos Estados Unidos, conhecido pela sigla USPS, começou a desenvolver cenários de possibilidades e ações sólidas. É interessante notar que as ações sólidas de cerca de 20 anos atrás ainda são válidas hoje, mesmo depois do transtorno econômico e de segurança 

 do atentado de 11 de setembro às Torres Gêmeas, do ataque com antraz que mudou procedimentos postais e de duas recessões no país. Para o USPS, tão grande que domina 40% do tráfego postal do mundo, as duas incertezas mais importantes eram:

•  Desvio eletrônico. A substituição do correio/das cartas pela comunicação eletrônica, como fax e e-mail. 

•  Flexibilidade de preço. Apesar de ter sido privatizado e não receber subsídios, o USPS ainda está sujeito ao controle do governo norte-americano, que tem autoridade sobre alterações de tarifas, classificação de correspondência e mudanças em serviços. O USPS compete com empresas tendo essas limitações. 

Dessas duas incertezas, resultaram quatro cenários de possibilidades, representados na matriz abaixo. A análise desses quatro cenários radicalmente diferentes levou o USPS a identificar cinco ações sólidas, pertinentes a todos eles:

•  Enfatizar a automação. O USPS manuseia um volume enorme de correspondência – mais de um terço do volume total mundial. As economias de escala e a redução do custo relativo a isso só podem ser atingidas eficazmente por meio da automação. 

•  Focar políticas e práticas de RH. Com quase 1 milhão de funcionários na época (reduzidos a 620 mil hoje), uma gestão de pessoas eficaz mostrou-se essencial. 

•  Implementar o rastreamento. A ameaça do desvio eletrônico sobre a correspondência por carta obrigou o USPS a utilizar recursos de rastreamento em tempo real como os que eram oferecidos pelos concorrentes. 

•  Investir em relações públicas. Ante uma percepção de ineficácia de longa data entre os consumidores, especialmente por conta dos novos concorrentes, o USPS não teve escolha a não ser iniciar um esforço de relações públicas contínuo e significativo. 

 •  Desenvolver fontes de renda alternativas. Produtos e serviços novos e melhorados (como postos de correio amplos e selos personalizados) e empreendimentos comerciais diferentes (como administração de armazéns, logística e estoque) constituíam uma forma de gerar os recursos necessários para o USPS ser competitivo. 

Mais do que se confirmou que a complexidade e a incerteza características do ambiente atual só fazem crescer para o USPS. Por exemplo, o Congresso norte-americano bloqueou sua iniciativa de entrar em um novo negócio para gerar renda adicional. O USPS também foi colocado sob grande estresse financeiro porque uma lei de 2006 o obrigou a financiar, em dez anos, todas as pensões dos funcionários que havia contratado. As outras empresas geralmente fazem isso apenas quando os colaboradores se aposentam, não antes. 

Para agravar a situação, medidas de redução de custo que o USPS considera importantes (como o fim das entregas aos sábados) foram vetadas pelo Congresso, e este limitou o aumento de taxas para a correspondência ao nível da inflação. Além disso, intensifica-se a competição, tanto que os “arqui-inimigos” USPS e FedEx tiveram de fazer parcerias para entregar pacotes mais adequados a suas capacidades – o USPS ainda tem a maior frota de veículos no mundo, bem como a capacidade única de atingir cada endereço dos Estados Unidos. Com os stakeholders mostrando prioridades conflitantes, a estratégia, no USPS, tomou as proporções de um problema perverso. E a chance de gerenciar os stakeholders é limitada – o USPS não pode tentar influenciar o Congresso, por exemplo. Todo esse drama só realça o poder de uma abordagem feedforward. Espera-se que os efeitos positivos de adotar essa abordagem antecipadamente, como fez o USPS, deem à empresa o tempo necessário para usar suas estratégias perversas e superar desafios aparentemente opressores. 

> **Feedback versus feedforward**
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> Embora técnicas semelhantes de planejamento e controle possam ser empregadas em abordagens de feedback e de feedforward, há cinco diferenças profundas entre elas:
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> •  O sistema feedback é basicamente um exercício de reparação: corrigir, aprender e melhorar o desempenho em um negócio existente. O sistema feedforward visa moldar um futuro, sem que este tenha relação com o passado. 
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> •  O feedback envolve essencialmente avaliação de desempenho e aprendizado. O feedforward se concentra em lidar com incertezas e um futuro desconhecido. 
>
> •  O feedback melhora continuamente a tomada de decisões gerenciais, permitindo crescente compreensão de relações de causa e efeito. O feedforward requer compromisso com uma crença, em que as pessoas apenas acreditam em uma relação de causa e efeito não comprovada e tomam decisões estratégicas com base nisso. 
>
> •  O feedback implica revisões em intervalos de tempo específicos (por exemplo, trimestralmente). O feedforward desencadeia revisões toda vez que os pressupostos feitos parecem estar errados ou que novas perguntas vêm à tona. 
>
> •  O feedback utiliza bancos de dados que coletam dados históricos. O feedforward funciona com informações que derivam dos cenários futuros que forem construídos.

**II. Cenários transformadores –  o caso FedEx** 

Em certas situações, há total falta de clareza sobre como o futuro pode ser. A incerteza em questão é o que se chama “ambiguidade caótica”. Nesse contexto, pode ser aplicado o clichê “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”, e abordagens de um cenário transformador ou visionário são as únicas saídas possíveis. Esse tipo de abordagem define essencialmente a visão do que é a organização e de onde deseja estar, além de identificar os habilitadores (enablers) que ajudarão a determinar essa visão. O processo de desenvolver cenários transformadores e de moldar um plano de implementação que se concentre 

em habilitadores fundamentais tem três etapas surpreendentemente simples:

1.  Visualizar e descrever situações futuras desejadas para a organização e seu meio. 

2.  Identificar os habilitadores que podem conduzir a essas situações finais desejadas. 

3.  Desenvolver um plano para influenciar (ou adquirir) os habilitadores que podem criar as situações futuras desejadas. 

Como podemos enxergar a técnica feedforward do cenário transformador no caso da FedEx? O presidente do conselho de administração, Fred Smith, criou uma visão do futuro que o então CEO, Arthur Bass, buscou implementar com duas decisões: criando o modelo radial de operações (hub-and-spoke) e localizando sua matriz no centro de Memphis. Quais foram os habilitadores? 

Em geral, habilitadores exigem a transformação da empresa, mas nesse caso incluíram a transformação do próprio ambiente de negócios. Smith e Bass conseguiram alterar tanto os regulamentos da comissão da aviação comercial, a fim de permitir que a empresa usasse aviões grandes no lugar dos pequenos jatos Falcon 50 que utilizava para ter acesso aos aeroportos sem passar por um processo complexo, como as normas relativas ao USPS, para que este pudesse carregar certos tipos de correspondência. 

**NEUTRALIZE SUA RESISTÊNCIA**

Esses novos caminhos estratégicos não são simples. Um pensamento linear e insights obtidos arduamente por meio de experiências passadas são como os cantos das sereias – difíceis de resistir –, especialmente quando a incerteza é do tipo ambiguidade caótica. A indústria da música ilustra bem a resistência natural que as empresas demonstram em desenvolver o pensamento visionário necessário para combater essa ambiguidade caótica. Um exemplo que ainda impressiona é o comportamento das cinco maiores gravadoras do mundo – Bertelsmann Group (BMG), EMI, Sony Music Entertainment, Universal/Polygram  e Warner Music Group – em resposta ao advento da tecnologia digital e da internet. Como a história tem mostrado, as gravadoras agarraram-se teimosamente a seu antigo modelo de negócio, que girava em torno essencialmente da distribuição das gravações musicais físicas – discos, fitas cassete e CDs. Até o fim dos anos 1990, seu entendimento sobre a cadeia de valor da indústria se baseava em um modelo criado na década de 1930.

As gravadoras erraram ao pensar que a mudança estratégica a ser abordada era a explosão de canais de distribuição. Não enxergaram que a mudança trazida pela internet afetava a essência do negócio; achavam que a resolveriam nos tribunais, e não com gestão. Esse pensamento linear fez com que atacassem seus consumidores potenciais por fazerem download e “piratearem” músicas. 

Não enxergaram que suas vendas e lucros podiam crescer drasticamente por causa da tecnologia digital: 15 downloads de faixas de US$ 0,99 geravam o mesmo que um CD com 15 faixas e custavam menos para serem entregues. E os consumidores compravam bem mais faixas devido à facilidade de fazê-lo. Foi preciso que a Apple desenvolvesse uma incrível “solução de sistemas” – combinando o aparelho iPod com um website de busca e download de faixas individuais, o iTunes – para que a indústria da música começasse a explorar o enorme potencial desencadeado pela tecnologia digital. Para escapar do canto da sereia da resistência e avançar para um modelo de negócio com base em um sistema feedforward, um conjunto de orientações pode ajudar:

•  Busque formas de tornar seu modelo de negócio obsoleto. 

•  Articule uma proposta de valor que inclua valor econômico e social. 

•  Desenvolva experimentos e priorize a análise das dificuldades e “falhas”, aprendendo com elas. 

•  Concentre-se intensamente nas diferenças emergentes da cadeia de valor – diferenças de essência, não periféricas.

•  Tente controlar o elemento-chave da cadeia de valor, construindo as competências necessárias para isso por meio de treinamento ou recrutamento de pessoas qualificadas. 

•  Construa alianças para adquirir competências que não possam ser rapidamente desenvolvidas ou adquiridas. 

•  Reconheça os “complementadores” necessários e se associe a eles, assegurando que todos ganhem quantias justas no valor gerado. 

•  Crie laços com usuários/clientes líderes para ficar por dentro de suas necessidades e futuras tendências. 

•  Desenvolva lojas de balcão único e soluções de sistema para os clientes. 

•  Quebre todas as regras para responder aos clientes.

**ESPERE CONTRATEMPOS**

Que ninguém se iluda: adotar o sistema feedforward como abordagem estratégica exige um salto de fé, uma vez que os modelos de negócio que surgem na construção de cenários pressupõem relações de causa e efeito que ainda precisam ser demonstradas. É razoável esperar que cada pressuposto se provará válido, mas contratempos acontecerão. Todas as pessoas envolvidas nessa elaboração estratégica devem entender que, em um sistema feedforward, iniciativas bem planejadas e cuidadosamente implementadas são sobretudo experimentos e que estes proporcionarão maior compreensão de relações de causa e efeito emergentes.

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