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A ciência de dados na prática

Gahl Berkooz relata o trabalho de analytics que fez durante dez anos na Ford, destacando a utilidade e os desafios

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> Vale a leitura porque… 
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> … como o especialista em valuation Aswath Damodaran já declarou, o setor automobilístico tradicional está sob muita pressão. De fato, é ameaçado pela economia do compartilhamento, pelo fato de ser poluidor (alguns preveem que será o próximo vilão, depois da indústria de cigarros) e por concorrentes inovadores como a fabricante de carros elétricos Tesla – no Brasil, também pela crise econômica. … esse é um setor particularmente necessitado de um ganho radical de eficiência estratégica para manter a competitividade, e esta entrevista mostra como a ciência de dados pode ajudar nisso. …é possível entender o uso do data analytics no dia a dia de qualquer empresa e qual seu próximo passo – a escala industrial.

Quando defendeu sua tese de doutorado em matemática aplicada na Cornell Univesity, no estado norte-americano de Nova York, Gahl Berkooz não tinha em seus mais remotos planos a possibilidade de assumir um cargo de liderança em uma das maiores montadoras do mundo. Passados pouco mais de 20 anos, no entanto, a ciência de dados que ele tanto domina está virando um instrumento essencial para qualquer empresa sobreviver em meio à complexidade da economia – especialmente aquelas que já estão sob pressão direta da destruição criativa, como as automobilísticas. A primeira incursão de Berkooz foi na Ford, onde começou a trabalhar em 2004 e que é tema desta entrevista (concedida quando ele estava lá). Agora, ele foi levado para liderar a área de big data e de analytics da concorrente General Motors, o que talvez sinalize a existência de uma tendência setorial. Procurada por **HSM Management**, a subsidiária brasileira da Ford não comentou as implicações locais do trabalho de analytics da matriz.

**O sr. instituiu a gestão de informações e o analytics na Ford há mais de dez anos. O que a montadora aprendeu?**

Aprendeu, primeiro, que os cientistas de dados costumam passar a maior parte do tempo coletando, padronizando e juntando as informações e que é importante conseguir “fazer a curadoria” desses dados o quanto antes, para que o processo de analytics seja eficiente. 

Outras lições cruciais incluem a necessidade de ter um escopo adequado do problema da empresa o mais cedo possível e também de estabelecer um processo estruturado que deixe claros seus requisitos tanto em dados como em analytics. 

**O data analytics abriu os olhos das pessoas na Ford? O sr. pode dar exemplos?**

Podemos voltar ao ano de 2005, quando a empresa começou a levar a sério a ideia de globalizar suas operações. A Ford operava tradicionalmente em três regiões: América, Europa e Ásia-Pacífico. Ela desenvolveu modelos segmentados para essas regiões enquanto a concorrência, como a Toyota, tinha veículos globais e, com isso, mais eficiência e maior economia de escala. A Ford percebeu que precisava operar como uma organização única e global também, e aí entrou o data analytics, começando por gerar métricas para saber quão perto a empresa estava de conseguir isso.

A pergunta básica a responder era: “Até que ponto nossas peças são similares?”. Com as métricas, ficou claro que havia uma oportunidade de fazer grandes economias de escala e obter mais eficiência melhorando a padronização e globalizando nossas operações. Faltava, no entanto, uma taxonomia comum para falar dos carros e dos sistemas que os constituem. E isso coube ao  data analytics, que chegou a um processo capaz de entender como a estrutura do produto cria complexidade no desenvolvimento dela. Partindo disso, foi possível otimizar a estrutura a fim de tornar o produto global – e de reduzir a complexidade em seu desenvolvimento. Esse projeto resultou na estrutura do produto introduzida na empresa e em sua maneira de trabalhar e teve grande sucesso. Isso abriu os olhos e as portas para o analytics.

**Só para o leigo entender: o que é essa estrutura do produto?**

A maneira como se desenvolve um veículo é dividi-lo em sistemas, como o de combustível, o de freio, o de assentos etc. Depois disso, diferentes equipes assumem a responsabilidade sobre os diferentes sistemas. O problema que tínhamos quando operávamos como companhias regionais era que essa estrutura do produto não estava alinhada. Se você pedisse a um engenheiro na Europa e a outro na América do Norte para listar todos os componentes do sistema de combustível,receberia listas 80% similares, mas não idênticas. 

Se você opera empresas regionais separadas, tudo bem ser assim, mas, quando o objetivo é fazer uma engenharia global, evitando sobreposição ou falta de peças, isso não pode acontecer. Todos precisam estar explicitamente de acordo sobre as partes que compõem o sistema de combustível. É esse o significado da estrutura do produto. E a pergunta que se coloca é: como otimizar essa estrutura? Reduzindo a complexidade na engenharia.

**Houve obstáculos na Ford?**

Mudanças na estrutura supõem mexer nas responsabilidades das pessoas, e elas não gostam disso. Só com um forte apoio executivo é possível fazer o analytics, o que nós conseguimos graças ao imperativo da globalização. 

Também precisamos da adesão dos executivos aos princípios de como fazer essa otimização e, uma vez que a obtivemos, nos pusemos a detalhá-los até chegar  a um acordo. Veja: a empresa sabia que precisava se tornar global e as pessoas entendiam que não se pode fazer engenharia global sem concordância em relação à forma de dividir um veículo em sistemas. Só que nem todo mundo aceitava o mesmo jeito de fazer as coisas.

**Qual a maior batalha enfrentada pelo pessoal do analytics?**

Por minha experiência, há, geralmente, duas fases em um processo assim. A primeira é quando a equipe de data analytics tem a oportunidade de provar o conceito. Os executivos ficam convencidos de que, “de fato, há mérito nisso, vamos tentar”. 

E você desenvolve um protótipo, uma prova de conceito ou uma proposta detalhada, seja o que for. Na fase seguinte, você vai de novo até os executivos – e aos stakeholders – e, então, a decisão é tomada. Eu diria que a batalha é a equipe de data analytics chegar  a essa segunda e verdadeiramente decisiva fase com suficiente embasamento, mas não é nada que salve o mundo.

**O analytics já se tornou uma ferramenta estratégica na Ford?**

Eu não colocaria assim. Diria que, nos dias de hoje, a companhia está muito mais receptiva à ideia de tomar decisões com base em dados. Antes de tomar uma decisão importante, a Ford sente mais necessidade de perguntar: “Qual seria a maneira de fazer isso com base no levantamento de informações?”. E o analytics acaba sendo a ferramenta que traduz os dados disponíveis em variáveis da decisão adequada.

**O analytics conseguiu mudar a eficiência estratégica na Ford?**

Sim, absolutamente. A equipe que se formou em 2005 – eu e mais uma pessoa – acabou tendo cerca de cem pessoas [no início de 2015]. Esse crescimento reflete o valor que as pessoas viram no data analytics. Deixe-me lhe dar um exemplo de como conseguimos aplicar o analytics para otimizar a proficiência no desenvolvimento de produtos. Criamos o que chamamos de modelo de produção de informação, ou visão sobre o processo de desenvolvimento de produto, no qual tomamos emprestados conceitos de lean. 

Demos atenção à informação principal, a todos os fatos que fluíam por esse processo e às mais importantes operações que os engenheiros desenvolviam com base neles, verificando quais delas agregavam valor e quais não agregavam. Fizemos um exercício de coleta de informações significativo, analisando como os engenheiros gastavam seu tempo, e obtivemos dados estatísticos relevantes a respeito disso: por exemplo, qual o percentual de tempo gasto pelo engenheiro nas atividades de valor agregado em oposição ao que chamamos de atividades de alinhamento de informações. 

Esse foi um dado bastante interessante. Uma vez pronto o modelo, tínhamos uma lista de projetos que se candidatavam a receber investimentos para aumentar a produtividade dos engenheiros e estávamos aptos a otimizar essa lista para maximizar a eficiência. Mostramos que o processo de seleção otimizada acarretou 50% a mais de eficiência em tempo de ciclo do que o processo de seleção manual.

**Existem técnicas ou tendências emergentes em analytics sobre as quais o sr. mantém um olhar atento ou que gostaria que ganhassem importância para a empresa?** 

Sim. Pessoalmente, percebo que vai haver uma grande transformação no analytics, à semelhança do que aconteceu na indústria automobilística. Inicialmente, tínhamos alguns exímios artesãos que produziam carros à mão. Uma ou duas pessoas fabricavam um carro inteiro e em seguida passavam para o próximo automóvel. Mais tarde, instituiu-se a linha de montagem e ela mudou a forma de produzir carros, permitindo que pessoas menos qualificadas montassem um grande volume de veículos de boa qualidade. 

Creio que vamos testemunhar o mesmo tipo de transformação no campo do analytics: vamos passar de cientistas de dados resolvendo problemas para o que chamo de “análise avançada difusa” – isto é, o analytics em escala industrial. Essa é uma área que, em minha opinião, vai causar grande impacto, e estamos muito perto de consegui-lo.

**A Ford acredita que o uso de data analytics é mais útil em algumas áreas do que em outras?**

São tantas as oportunidades de os dados e o analytics fazerem a diferença nos dias de hoje que acaba sendo muito raro que as equipes sejam chamadas para enfrentar situações em que a informação e os métodos de analytics não têm serventia. 

Trata-se de tentar obter aquele percentual adicional de eficiência e alavancar a oportunidade de transformar insights em uma vantagem competitiva. Veja, é disso que estamos falando – daqueles pontos percentuais acima da margem que um método analítico rende mais que pessoas. Se você estender isso a toda a empresa, torna-se algo gigantesco. Tudo se resume a saber tomar decisões. É mais uma questão de criar oportunidades de usar os dados e sua análise para tomar as melhores decisões.

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