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Nosso varejo e o dilema da inovação

Especialista da PwC, Ana Hubert afirma que as fusões e aquisições e a busca de menores custos restringem o investimento em tecnologia

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As transformações tecnológicas e demográficas que estamos presenciando vêm causando enormes impactos nas empresas de varejo e no mercado consumidor, com movimentos importantes nos padrões de consumo e novas demandas a atender. Os líderes empresariais estão conscientes das implicações desse fenômeno: 40% dos CEOs brasileiros disseram estar preocupados com os riscos que as mudanças nos gastos e no comportamento dos consumidores podem representar, de acordo com a 10ª edição da Pesquisa de Líderes Empresariais Brasileiros, da PwC. 

A inovação, portanto, passa a ser uma questão de sobrevivência para as empresas, especialmente em setores que enfrentam rápida evolução tecnológica e crescentes demandas dos clientes, como no varejo. As organizações com visão mais abrangente de futuro buscam incessantemente inovações que possam lhes trazer vantagem competitiva e crescimento. 

No varejo, a inovação depende em grande parte de tecnologia, principalmente com a ênfase cada vez maior do meio digital entre os consumidores. No entanto, o investimento desse setor em tecnologia no Brasil ainda é tímido. De acordo com o instituto de pesquisas tecnológicas Gartner, as empresas de varejo no Brasil investem cerca de 1,4% de sua receita em tecnologia, enquanto nos EUA só em serviços de internet são investidos em torno de 6,7%.

Somado a isso, nos últimos anos, vivemos um intenso movimento de fusões e aquisições no varejo. Tivemos a aquisição do Ponto Frio e Casas Bahia pelo Grupo Pão de Açúcar, da Lojas Maia e Baú da Felicidade pelo Magazine Luiza e a criação da Máquina de vendas, por meio da associação entre ricardo Eletro, Insinuante, City Lar, salfer e Eletro shopping. Em 2013, tivemos mais de 80 transações de fusões e aquisições no varejo brasileiro. 

Esse movimento fica evidenciado no ranking Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de varejo e Mercado de Consumo), que classifica as 120 maiores empresas do varejo no Brasil e mostra que 45% delas são multibandeiras, agrupando várias marcas. Essas transações absorveram boa parte dos investimentos dessas empresas e, além disso, os recursos destinados à tecnologia priorizaram a necessária integração dos sistemas internos e operações, reduzindo ainda mais a parcela destinada à inovação nesse momento. 

A lógica do ainda baixo investimento em tecnologia no setor deve se manter nos próximos anos, considerando a tendência de consolidação. Um indicador nesse sentido é a diferença entre o primeiro e o décimo lugar do ranking Ibevar. O faturamento do Grupo Pão de Açúcar (r$ 64 bi lhões), líder do ranking, é dez vezes maior do que o da raia Drogasil (r$ 6,4 bilhões), décima colocada, indicando espaço para consolidação. Outra métrica do ranking Ibevar evidencia o baixo investimento em inovação: 53% das maiores empresas de varejo no Brasil atuam em vários canais, mas o consumidor não parece impactado por essa “multicanalidade”. 

No País, em média, somente 12% dos consumidores realizam compras em mais de um canal da mesma marca, de acordo com a pesquisa Total retail survey, realizada pela PwC. Nos EUA, a média é 50% maior (18%). A utilização de tablets, celulares e smartphones e a facilidade de comparar preços, marcas e produtos na internet também provocaram transformações no comportamento de compra do consumidor e o tornaram mais exigente. 

A mesma pesquisa mostra que 38% dos consumidores brasileiros compram produtos por meio de dispositivos móveis pelo menos uma vez por mês, 59% gostariam de poder consultar online informações sobre o produto que estão comprando em uma loja física e 49% preferem comprar online pela comodidade de realizar compras sem sair de casa. 

Ou seja, os consumidores estão buscando melhorar a experiência de compra, comparando preços e produtos, buscando comodidade e oferta de serviços diferenciados. Pressionado por melhores resultados (considerando que em 2013 as vendas do setor como um todo cresceram 3,6% e a projeção para este ano é de apenas 2%), o varejo busca alternativas para reduzir custos e, em certos casos, parece ir em sentido contrário aos anseios do consumidor. Alguns varejistas, por exemplo, optaram por reduzir a oferta de frete grátis para as compras online – em 2013, a entrega gratuita diminuiu 50%, o que afeta a comodidade e a diferenciação, valorizadas pelo consumidor. 

Enquanto no Brasil os varejistas focam seus esforços no crescimento por meio de fusões e aquisições ou de redução de custos, nos EUA eles parecem mais atentos às demandas geradas pelas mudanças no comportamento dos consumidores. Entre as recentes inovações, a Zappos [veja reportagem na página 68] acaba de lançar seu Assistente Pessoal Digital (Ask Zappos), na versão beta, o que pode revolucionar as vendas do comércio, enquanto a Amazon (além dos drones e da promessa de entregas no mesmo dia no futuro) lançou uma loja de impressão 3D, para fazer produtos customizados. 

A busca de melhor rentabilidade também é uma realidade nos EUA, mas lá o investimento tem sido direcionado a ações que combinem menor custo com a experiência de compra desejada pelo consumidor. Exemplo disso foi a ação da BestBuy para otimizar o fenômeno do showrooming, que é a prática dos consumidores de irem a uma loja física para ver e experimentar os produtos que desejam e obter informações de vendedores treinados para depois pesquisar preços e comprar online. Uma pesquisa do Google mostra que nos EUA 74% dos consumidores fazem showrooming antes de comprar eletrônicos. 

Embora não vendesse os produtos, a BestBuy percebeu que os estava promovendo dessa maneira e fez acordo com alguns de seus fabricantes cobrando-lhes pela utilização do espaço físico das lojas (como mídia) e do conhecimento de sua força de vendas. Essa ação lhe permitiu praticar preços mais baixos e conseguir concorrer com o canal online, sem perder em rentabilidade. 

O investimento em consolidação e em redução de custos vai continuar no Brasil, mas nosso varejo não pode esquecer que é necessário investir também em inovação para os consumidores. Cada vez mais, estes buscam experiências customizadas, não são mais leais às marcas, querem realizar compras em tempo real e com preços baixos e utilizam seus dispositivos móveis quase em tempo integral para buscar informações e conteúdos sobre marcas e produtos.

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