A todo momento novas pessoas desembarcam em cargos de gestão. E não importa o quanto existe de teoria: nada substitui o calafrio de desempenhar esse papel pela primeira vez. Claro que temos muitas experiências de liderança fora da nossa vida profissional, como alunos ou como pais, por exemplo. Mas assumir pela primeira vez a responsabilidade de ser “chefe” significa estrear oficialmente em um campo inédito.
Do que consiste esse terreno novo? Compreendi, no exercício da minha profissão, que a liderança é um grande ciclo de educação.
Tem início com uma fase de profundo aprendizado da nova função, segue com o amadurecimento desse papel por meio da prática e se completa quando o líder assume a responsabilidade pelo desenvolvimento das pessoas de sua equipe e pela formação de seus sucessores.
Resumindo, as tarefas do líder são: aprender, liderar e ensinar. A essas três palavras se junta uma quarta: transformar, que tem a ver com o resultado do processo de liderança, tanto para o gestor como para as pessoas que compõem sua equipe. A liderança tem de ser transformadora no sentido de que todos deveriam sair dessa relação melhor do que entraram. Jim Collins, o superespecialista em gestão, autor do livro Empresas feitas para vencer – Good to great (2007) e do conceito de Liderança Nível 5, diz que um executivo precisa encarar todas as situações que vivencia com uma mentalidade de aprendiz. Aprender tem de ser um trabalho permanente de todo profissional. “Ao lado de uma lista de tarefas a fazer, todo executivo deve ter uma lista de coisas a aprender”, escreveu Collins em um artigo para a revista norte-americana Inc.
Agora, pense em quando tudo começa: imagine que seu chefe o convoca para uma reunião e lhe informa que, a partir da próxima segunda, você será o novo líder da área, com 20% de aumento no salário. Uma ótima notícia, claro. Uma semana depois, você pensa em desistir. Na minha trajetória de professor, vi essa cena se repetir dezenas de vezes. Jovens líderes descobrem rápido que liderar é uma jornada difícil (e que o aumento nem de longe cobre a responsabilidade assumida). Precisamos aprender muitas coisas, dar resultado rápido, conhecer a equipe! E a cada minuto as coisas mudam e uma nova bomba estoura!
Liderar se trata exatamente disso: encarar bombas, resolver problemas. As dificuldades são a regra, e não a exceção, no dia a dia de um gestor. Um bom líder é aquele que não apenas se acostuma com um cenário em constante mutação, mas anseia para que novos pepinos e abacaxis apareçam. Só assim ele poderá demonstrar suas habilidades em resolvê-los e aprender com eles.
A liderança também é uma experiência humana enriquecedora. Para conduzir uma equipe e assumir a responsabilidade por um resultado, o profissional tem de mergulhar em um intenso e, acredito, permanente exercício de autoconhecimento.
Para inspirar, motivar e influenciar os integrantes da equipe, o líder deve fortalecer sua sensibilidade e aguçar suas percepções. Só assim ele poderá praticar a empatia e entender o que seus subordinados estão sentindo. Liderança é uma atividade racional, mas depende de emoção.
Por causa dessa riqueza de autoconhecimento que a liderança proporciona – para quem investe para valer em seu desenvolvimento como líder –, costumo dizer que ela é transformadora. Ela molda a pessoa para sempre. É como ser pai ou mãe pela primeira vez. Não há volta. Por isso, liderar é exercer o nobre e fundamental papel de desenvolver novos profissionais para que eles atinjam seu máximo potencial e contribuam efetivamente para a empresa. O líder é um professor que ensina pelo exemplo e, por isso mesmo, também é responsável por transmitir valores éticos e morais para sua equipe.
**A MAIS DIFÍCIL TRANSIÇÃO**
Muitos autores consideram que a transição de colaborador individual para líder é a mais drástica que uma carreira pode oferecer. O profissional deixa de se concentrar em determinada habilidade técnica para assumir o fardo de obter resultados por meio de outras pessoas. Essa transição chega a doer. As pessoas precisam renunciar a tarefas que gostavam de fazer e começar a aprender competências novas, algumas inéditas. O famoso coach norte-americano Marshall Goldsmith tem um livro, _Reinventando o seu próprio sucesso_, cujo título em inglês explica essa transição: o que te trouxe aqui não te levará lá. Como um réptil, o novo líder precisa trocar de pele.
Ao assumir um primeiro cargo de gestão, o profissional passa a exercer um papel importante: o de disseminar a estratégia da empresa, ser a ponte entre a alta gestão e os níveis operacionais. Isso significa um enorme esforço de comunicação.
O líder deve traduzir a estratégia em uma mensagem simples, clara e precisa. Seus subordinados precisam saber exatamente para onde caminham e por que o trabalho deles é importante para que a empresa tenha destaque em seu mercado. Em muitas situações, o líder será responsável por encher de significado aquela tarefa que o subordinado cumpre sem envolvimento. É valorizando o trabalho que o gestor traz o integrante de sua equipe para perto de si. Essa é a verdadeira motivação.
Encarar o primeiro desafio da liderança significa lidar no curto prazo com o medo de errar. Mesmo reconhecendo a inexperiência do líder, a empresa espera resultados. Os negócios não param para o líder aprender. Ainda que a pessoa trabalhe em um ambiente tolerante e inovador, o erro tem um peso psicológico enorme. Por isso, os primeiros dias na função de chefe são intensos, cheios de tensões e dúvidas. Um líder novo é uma pessoa em estado de permanente prontidão.
Engana-se, porém, quem acredita que a vida fica mais fácil depois dos primeiros meses como líder. Logo o profissional percebe que os desafios mudam, o cenário do mercado vira de ponta-cabeça e a empresa revê seus objetivos. E aí toca a aprender de novo, reformular a comunicação, redistribuir tarefas e lutar para manter a equipe motivada diante da mudança e da incerteza. O processo de aprendizado do líder é constante.
Um dos meus autores favoritos, que eu citarei neste livro, é Ram Charan. Em sua obra Pipeline de liderança, o especialista indiano mostra que o desenvolvimento de um gestor pode ser dividido em fases: primeiro ele é líder de si mesmo, depois é líder de equipe, líder de líderes e daí em diante. A evolução profissional tem de ser contínua. Devemos manter sempre inconclusa a nossa lista de coisas a aprender.
A liderança é uma habilidade que se adquire com a experiência. Quanto mais você se expuser a desafios, mais aprendizado vai adquirir. Quando o assunto é liderança, vale a regra do 70/20/10. A prática (pôr a mão na massa) responde por 70% do aprendizado, 20% vem dos relacionamentos, feedbacks e modelos a seguir e 10% é teoria. Quem deseja ser um bom líder precisa se jogar no mar e aprender a nadar na prática.
**APRENDER** – Eis o ponto de partida. Os primeiros passos no papel de líder dependem da assimilação de todo um arcabouço de conhecimentos. Por isso, é preciso, antes de tudo, entender o próprio estilo de aprendizado, sem o qual você não consegue aprender (e, depois, não consegue ensinar). Segundo David Kolb, há quatro estilos básicos: o adaptador ou fazedor (dificilmente lerá um manual; ele se arrisca no fazer), o assimilador ou especialista em conceituar (cria modelos teóricos; é mais observador), o divergente ou rei das 1.001 ideias (é empático, espirituoso e emocional) e o convergente ou aplicador prático (gosta de um passo a passo). O estilo de aprendizado permite acelerar a absorção de conhecimento – por exemplo, se você recebe um feedback dos seus pares dizendo que não sabe gerenciar bem os conflitos entre os seus liderados e tem o estilo convergente, acelere o aprendizado procurando um guia sobre gerenciamento de conflitos. Ponto importante: para aprender, você tem de praticar e, quando isso ocorre, as chances de errar aumentam! Você terá de entender o erro como aprendizado.
**LIDERAR** – Qual é sua rotina diária como líder? Crie uma, distribuindo seu tempo entre as atividades de rotina, oportunidade, desenvolvimento, ativação e relacionamento. Seu foco como líder deve ser diminuir o uso do tempo nas atividades de rotina e aumentar o dedicado a desenvolvimento e relacionamento – tenha sessões regulares de feedback com seus liderados e invista em conhecer a história de cada um. O líder também precisa entender seu comportamento sob a nova pressão e como ele desempenha seu papel de articulador das soluções para os problemas que aparecem. Há ferramentas de gestão de pessoas de grande ajuda nisso – não aplicativos, e sim atitudes e rotinas tais como a avaliação de pessoas, dar feedback e ler o ambiente.
**ENSINAR** – Espera-se do líder que ele ensine e, entre todas as atribuições que o novo cargo possui, essa talvez seja a que ele menos praticou na vida. A atividade de ensinar está, em primeiro lugar, diretamente ligada à atividade de aprender. Quem não sabe ser aluno não pode se tornar professor. Há tanto o ensino por meio do exemplo – para o bem ou para o mal – como o ensino por meio de conexões com a equipe, o que requer manter o equilíbrio emocional.
**TRANSFORMAR** – Na transição de carreira para a posição de líder, o colaborador precisa desenvolver habilidades e comportamentos necessários ao exercício da nova função. Essa transformação é a mudança de foco – das tarefas para as pessoas, de falar para ouvir e de fazer para delegar e engajar. Tal metamorfose é um momento de muita negociação, política e cuidado com os relacionamentos.
**MUDAR SEMPRE**
Ser gestor requer uma mudança para a qual a maioria de nós não está preparada. Novos gestores podem até reconhecer a transição intelectualmente, mas é comum continuarem a se comportar como colaboradores individuais, competindo com subordinados sobre a maneira de executar as tarefas. O fato é que cada nível galgado embute maior complexidade e exige que mudemos o modo de pensar, de agir e de encarar valores de trabalho. Então, boa sorte!
**O DESAFIO DO BANCO DE RESERVAS**
Com o ritmo acelerado do mercado, a demanda por profissionais preparados para assumir a gestão em todos os níveis tomou proporções sem precedentes no Brasil, como escreve Paulo Vieira de Campos no livro A estreia do líder. E pior: ao mesmo tempo que a necessidade de gestores prontos no curto prazo ficou mais intensa, os talentos se tornaram mais escassos – e os existentes, em geral, não estão lapidados.
No diagnóstico do autor, o momento atual é, portanto, bastante delicado. Sem as pessoas certas para assumir as vagas de gestão mais críticas, as empresas acabam adotando soluções de curto prazo, como contratações inadequadas e promoções de profissionais despreparados. Além disso, o movimento de valorização apressada dos colaboradores internos mais promissores faz sumirem os especialistas da empresa – profissionais com excelentes habilidades específicas assumem as vagas de liderança por não terem uma carreira em Y promissora à disposição. Tudo isso impacta negativamente a operação.
O que as organizações precisam, na visão de Campos, é de uma estratégia consistente de desenvolvimento da liderança, além de um processo formal para fazê-lo. O futuro da gestão em cada empresa depende, assim, de impulsionar um pipeline de líderes, levando os profissionais a se familiarizarem com as mudanças em cada transição que houver, especialmente no primeiro nível. Proporcionar situações monitoradas condizentes com o papel de gestor antes de alguém estrear nesse cargo não apenas ajuda na compreensão das novas responsabilidades, como também facilita a adequação ao contexto organizacional no qual o líder vai operar. Planejar soluções de desenvolvimento sob medida para gestores de primeira viagem tende a ser um dos principais fatores de sucesso.
O modo de escolher quem serão os novos gestores é particularmente relevante, conforme Campos: eles devem ser selecionados por serem capazes de analisar tanto o que é requerido para a operação atual (desempenho) como o que será necessário no futuro (potencial), quando em posições de liderança mais elevadas e complexas.
Em _A estreia do líder_, Campos usa a metáfora do “banco de reservas da liderança”, afirmando que a empresa precisa estar sempre avaliando a qualidade e a quantidade dos reservas de seu banco, pois um banco inadequado gera custos indesejados. A qualidade do banco, diga-se, depende de sua diversidade e potencialidade. O processo de escalar o banco deve ser contínuo e, quanto mais cedo uma empresa iniciá-lo, mais fácil lhe será enfrentar o desafio.