Em junho de 2010, Steve Jobs anunciou o início da era pós-PC, em que o computador pessoal estaria, de certo modo, ultrapassado. A declaração foi feita no contexto da revolução que ele esperava com o iPad e, como o próprio fundador da Apple esclareceu na época, não pretendeu insinuar que os computadores de mesa, os desktops, desapareceriam, embora essa tenha sido a interpretação de muitos. O que ele quis dizer foi que os computadores assumiriam uma função mais especializada – “tal como fazem os caminhões no segmento dos transportes em geral”. O fato é que o comentário de Jobs teve enorme repercussão e se universalizou; hoje, toda análise sobre as transições no mercado da tecnologia remete a ele de algum modo. E é isso que estou fazendo agora, porque acredito que é hora de reconhecer: estamos entrando na era “pós-tablet” e até mesmo na “pós-smartphone”. Minha tese é a de que estamos entrando em uma era “pós-equipamento” em geral.
**A EVOLUÇÃO**
Voltemos a Steve Jobs. Sua declaração se baseou no fato de que, naquele momento, o crescimento de vendas de computadores pessoais estava perdendo fôlego e previa-se que cairia mais ainda. De fato, as vendas globais do mercado de desktops em todo o mundo atingiram um pico no quarto trimestre de 2011 e depois disso têm diminuído paulatinamente. Pois a mesma coisa está ocorrendo com os tablets. Embora algumas pessoas previssem ingenuamente que eles substituiriam um dia os computadores, seu mercado mundial nunca se equiparou ao dos desktops e, salvo exceções, os tablets jamais se tornaram o equipamento de computação definitivo para as pessoas, como muitos imaginaram. As vendas de tablets em todo o mundo atingiram o pico no quarto trimestre de 2013, apenas dois anos depois dos computadores pessoais – e passaram a declinar lentamente de lá para cá. E os smartphones? Estou convencido de que testemunhamos, enquanto você lê este artigo, o mesmo fenômeno no universo dos smartphones. Embora seja muito cedo para ter certeza disso – devem ser necessários mais 12 a 18 meses para confirmá-lo –, creio que as vendas de smartphones em todo o mundo estão prestes a atingir o pico. Novamente, dois anos depois do equipamento que estava sob os holofotes logo antes – os tablets. Cada vez mais indicadores de mercado – incluindo vendas abaixo das expectativas e projeções relativamente sombrias das fabricantes de componentes, dos produtores de equipamentos e das próprias marcas de telefones – sugerem que já atingimos o “pico dos smartphones”.
A exemplo dos desktops e dos tablets, isso não quer dizer que os smartphones vão desaparecer. Longe disso. Em várias partes do mundo, eles acabaram se tornando um equipamento de computação para uma fatia da população, tanto ou mais do que os desktops e os tablets. Só que vem ficando cada vez mais claro, ao menos para mim, que os smartphones – com seus milhões de distintos aplicativos para funções e plataformas específicas – também não são o futuro da computação pessoal. E o que virá? Afinal, não há no horizonte nenhum sucessor evidente para o smartphone. Algumas categorias novas e importantes estão aparecendo, só que nenhuma parece ter potencial para reformular o ambiente da computação e alcançar o nível de centenas de milhões de vendas anuais como fizeram os desktops, os tablets e os smartphones. Há a tecnologia vestível, os wearables, mas entraremos na era dos vestíveis? Acho que não. Existem também a realidade virtual e a realidade aumentada, porém será que o início da era da RV e da RA está próximo? Pouco provável, pelo menos por enquanto (apesar de a ideia ser excitante). Mesmo os carros inteligentes, conectados e autônomos, por mais que estejam destinados a ganhar vasta importância, provavelmente não vão provocar uma transição com a mesma magnitude que implica uma “mudança de era à la Jobs”. O futuro da computação está aparentemente em um conjunto de serviços de plataformas e equipamentos independentes. Concretamente falando, o que está em evidência hoje são interações baseadas na voz, impulsionadas por grandes instalações de servidores na nuvem rodando algoritmos de aprendizado profundo. Trata-se de um modelo de computação que não requer o tipo de potência oferecido por equipamentos como desktops, tablets e smartphones. Esses serviços podem ser acessados por meio de dispositivos mais simples, com pouco mais que uma saída de áudio e uma conexão sem fio. Obviamente, nem tudo o que se quer fazer com máquinas inteligentes pode ser conseguido nesse modelo, mas a capacidade de obter informação – e tomar medidas – ao falar simplesmente sugere uma nova era empolgante que depende menos de equipamentos tradicionais.
**OPORTUNIDADES E AMEAÇAS**
As implicações dessa mudança são profundas. Para uma empresa como a Apple, ser uma fabricante de equipamentos pioneira em uma era pós-equipamentos é uma espécie de pesadelo distópico, no qual suas impressionantes habilidades de gerar equipamentos cada vez melhores serão apreciadas por um número decrescente de clientes. Não foi à toa que a empresa se concentrou tanto em serviços recentemente (embora a venda de um app na loja iTunes não seja o tipo de serviço que se encaixe no universo baseado em serviços para o qual acredito que rumamos).
Para as outras fabricantes de hardware, os desafios são ainda maiores. Elas se enfrentarão nas categorias dos equipamentos existentes (e até mesmo futuros), mas essa é uma situação difícil de suportar. Criar, adquirir e/ou firmar parcerias em serviços que podem ser alavancados por vários equipamentos será importante para sobreviver em longo prazo e ter sucesso. Tal como aconteceu nas outras transições, a mudança para uma era pós-equipamentos, voltada para serviços, não representa o fim dos dispositivos tradicionais; eles são necessários para prestar os serviços. Ainda assim, as fabricantes de equipamentos terão de expandir o modo como pensam sobreviver e prosperar na próxima era. A transição gerará tanto desafios inesperados como oportunidades efetivas.