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A outra face do poderoso vale

Como entrou na maturidade, o Vale do Silício californiano vive uma situação de concorrência agressiva e é assombrado pela ameaça burocrática, mas sua fortíssima cultura de inovação deve gerar casos de sucesso por mais 50 anos, conforme debate entre especialistas da região, publicado com exclusividade por HSM Management

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Christopher Mims, um dos mais respeitados analistas do Vale do Silício, o cluster de inovação californiano, devia estar de mau humor quando fez seu balanço do ano passado, na publicação Quartz: “2013 foi embaraçoso para toda a indústria de tecnologia e o motor que a alimenta, o Vale do Silício. As inovações foram substituídas pela engenharia financeira, por fusões e aquisições, por questões relativas a regulamentação. Nenhum produto de ruptura apareceu”. 

De fato, as notícias ao sul de San Francisco não têm sido tão animadoras para os empreendedores, e não apenas em 2013, mas nos últimos anos. Recentemente, por exemplo, o Vale pediu para ser regulamentado como “prestador de serviços públicos”, com o argumento de que a tecnologia vem se tornando utility, com os reguladores tendo o poder de determinar preços e outros aspectos da internet. 

O pedido foi condenado pelo Wall Street Journal, segundo o qual isso potencialmente mataria a capacidade de inovar. Em janeiro de 2013, o mesmo Wall Street Journal publicava uma matéria sobre os lobbistas do Vale, afirmando que somente o Google gastara US$ 25 milhões com lobby para deter um processo antitruste, assim como o Facebook aumentara o número de lobbistas de seu quadro pessoal para 38 (ante 23 em 2011). Em suma, várias grandes empresas da área vinham pressionando Washington por mais regulamentação, em uma espécie de “impulso suicida”. 

Na visão dos analistas, o círculo virtuoso sintetizado como “empreendedorismo de cientistas-venture capital-IPO”, que seria a base dos mais de 30 anos de sucesso do Vale em inovar, também teria descarrilado. Prova disso seria a queda drástica do número de aberturas de capital (IPOs), por conta do rigor das regras pós-Enron de proteção ao investidor: se tinha havido 269 IPOs no Vale em 1999, em 2013 foram 28. Entre os negócios existentes, as mídias sociais foram as únicas que aumentaram receita (mas à custa de uma publicidade cada vez mais invasiva, conforme Mims), o mobile estagnou (alternativas como o PayPal têm sido sabotadas pelo sistema bancário) e os wearables, de tecnologia para vestir, não foram o que se esperava. 

Estaríamos diante do apocalipse do Vale do Silício, o modelo mundial do empreendedorismo de alto impacto? Essa resposta pôde ser encontrada em um debate virtual promovido recentemente pelo InnovaLab.us, empresa criada pelas brasileiras Raquel Costa e Mariangela Smania em Menlo Park para oferecer programas educacionais de inovação e empreendedorismo para empresas e consultoria na terceirização de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em laboratórios locais. A resposta foi “não”. 

**AMADURECIMENTO**

O Vale do Silício teria se tornado um cluster maduro, muito mais concorrido do que qualquer outro. Disputam-se os centímetros de mercado com todas as armas possíveis. Paul McNamara, veterano do Vale que é vice-presidente (VP) de estratégia de nuvem da Ericsson, garantiu que o espírito empreendedor local não deixará barato uma eventual burocratização. “Burocracia e regras sempre cumprem seu papel, que é o de impedir que as pessoas experimentem soluções novas, mas startups destroem regras.” Robert Pearlstein, por sua vez, avisou que “o mundo pode esperar inovação constante do Vale do Silício pelos próximos 10, 50 e até 100 anos” e apresentou seus argumentos, entre os quais o elemento “que distingue os empreendedores do Vale do Silício de todos os outros: a capacidade de aprender muito rapidamente”. 

Ele é diretor-executivo de negócios corporativos e desenvolvimento internacional do SRI International, o célebre laboratório de P&D que nasceu em Stanford. O brasileiro Sergio Pessoa, gerente-geral do escritório da Apex-Brasil em San Francisco, afirmou que a burocracia local não é nada parecida com a que conhecemos em locais como China e Brasil. “O Vale espera ajuda do governo mais no sentido de remover barreiras.” A seguir, HSM Management traz com exclusividade os highlights do debate.

**POR QUE VAI DURAR**

**Robert Pearlstein** – “O mundo pode esperar inovação constante do Vale do Silício pelos próximos 10, 50 e até 100 anos. A região se reinventa sem saber, colocando em prática princípios de inovação perene para poder se recriar –e é isso que torna a cultura de inovação local sustentável. Já testemunhamos a mudança da configuração inicial de uma potência da computação e da memória para a aplicação da tecnologia da informação, depois para a tecnologia limpa e a biotecnologia. Os princípios a que me refiro remetem à abordagem multidisciplinar de inovação. Outros aspectos que apoiam a cultura de inovação do Vale do Silício são o capital de risco bem organizado e a urgência de inovar, que vem de dentro das pessoas. Forças externas são difíceis de sustentar, mas a pulsão interna pode durar por muito tempo. Se algo distingue os empreendedores do Vale dos outros é a capacidade de aprender rapidamente. Não se trata de fracassar rápido; tem a ver com a velocidade de assimilação de novas informações.” 

**Paul McNamara** – “Nada dura para sempre e o Vale do Silício pode, sim, entrar em decadência. Mas aqui trabalhamos pesado para preservar os quatro fatores de nosso sucesso até agora: a disposição de transferir o capital rapidamente para áreas novas; a capacidade que as pessoas têm de aprender imediatamente com as experiências das outras; a coragem de realizar algo que pode falhar; e o incentivo ao sucesso. Ao menos no médio prazo, isso será preservado. Além disso, temos muitas pessoas descontentes com o status quo, que são os pioneiros dispostos a trocar o conforto e a segurança pela oportunidade de criar algo. E a competição também é importante; gostamos do jogo. No Vale, isso não atrapalha as relações. A burocracia cumpre seu papel, que é o de impedir que as pessoas experimentem soluções novas, mas startups em geral destroem regras. Assim como, para inovar criando o Mac, Steve Jobs tirou seus engenheiros da Apple e proibiu que outros colaboradores da empresa entrassem em sua instalação, nossas empresas sabem que têm de se afastar da burocracia para inovar.” 

**Sergio Pessoa** – “O Vale espera ajuda do governo no sentido de remover as barreiras, não de intervenção. Ele continuará a ser importante. Os empreendedores optam por se instalar aqui porque sabem que a região equivale a Florença no Renascimento. Os principais players e grandes acontecimentos estão aqui, e é preciso estar perto deles para elevar as chances de sucesso em escala mundial. É por isso que empresas como Facebook, Dropbox e Airbnb, fundadas em outros locais, transferiram-se para cá. Diria que os diferenciais do Vale que mais impressionam os brasileiros são o imenso tamanho do mercado, os empreendedores sólidos e comprometidos e os modelos de negócio consistentes.” 

> **VOZES DO VALE
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> “O Vale do Silício está em constante movimento. Hoje notamos que a atividade da Bay Area está migrando para San Francisco, por exemplo, porque os jovens vêm querendo morar em regiões metropolitanas, e tanto as empresas como os investidores vão atrás deles.” 
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> _Sergio Pessoa, gerente-geral do escritório da Apex-Brasil em San Francisco_
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> “O Vale do Silício não é B2C nem B2B, apesar das várias e notáveis organizações que obtiveram êxito nos dois sistemas. Está mais para B2E, ou business-to- -engagement. Tem a ver com o desejo de trazer inovações para o mercado e de envolver usuários, parceiros, consumidores ou empresas, nos dois casos.” 
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> _Robert Pearlstein, diretor-geral de negócios corporativos do SRI International_
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> “A maioria dos investidores declara buscar uma grande equipe, mas muitas das startups de maior sucesso foram fundadas por pessoas inexperientes. O que os investidores querem mesmo é gente com entusiasmo, energia e flexibilidade, que tenha achado uma oportunidade comercial significativa ou uma abordagem única de aproveitar uma oportunidade, no timing certo.” 
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> _Paul Mcnamara, VP de estratégia de nuvem da Ericsson, ex-VP de produtos de plataforma da Salesforce.com_
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> **Innovalab.us busca as grandes**
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> Fundado em 2013 pelas empreendedoras brasileiras Raquel Costa e Mariangela Smania, o InnovaLab.us oferece programas educacionais caracterizados pela imersão na cultura do Vale do Silício –inovação e empreendedorismo, consultoria e prototipagem para o mínimo produto viável (MVP), pesquisa de mercado, identificação de oportunidades e networking. Embora seja uma startup, já tem entre seus clientes Sebrae e Endeavor e pretende atrair grandes empresas brasileiras 
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> _“A relação das grandes empresas com as startups do Vale não se dá mais apenas pelas ventures corporativas ou pelas maratonas de programação. Percebendo que as inovações abertas vieram para ficar, elas estão se aproximando de startups de tecnologia para gerar valor complementar a seus modelos de negócio.” Sergio Pessoa_

**COMO SE RENOVA E SE REPRODUZ**

**McNamara** – “Estrangeiros se sentem acolhidos aqui; nossa cultura funciona como um ímã para inovadores e empreendedores. Ganhamos muito com a colaboração dos imigrantes e valorizamos isso, porque sabemos que, muitas vezes, a inovação se origina de pessoas que têm pontos de vista distintos sobre problemas antigos. Há empreendedores em todos os lugares, mas acho que nem todos os lugares estimulam seu potencial. Nossa característica mais difícil de copiar é a tolerância ao risco. Todo empreendedor local tem no mínimo uma história de fracasso para contar, se não forem várias, e, em muitas culturas, isso seria motivo de constrangimento. No Vale, o fracasso realmente é visto como parte natural da inovação. E talvez leve gerações para criar essa mentalidade em outros lugares.” 

**Pearlstein** – “O imigrante é empreendedor e inovador por definição, a começar pela iniciativa de abandonar o conforto de sua terra de origem para enfrentar o desconhecido. Os imigrantes trazem grandes contribuições econômicas para o Vale do Silício, e vários exemplos comprovam isso. Não creio que outra cidade, região ou país possa reproduzir o Vale; na arte, na vida e nos negócios, as cópias nunca atingem a qualidade do original. O estabelecimento de um centro de empreendedorismo deve ter manancial próprio e é uma tarefa de anos, décadas, gerações.” Pessoa – “A cultura do Vale é bastante aberta a estrangeiros, mas estes precisam atingir seu máximo desempenho –há colaboração, mas há competição. Se tudo isso pode ser reproduzido? Aspectos do ecossistema, acho que sim; aspectos da cultura, dificilmente, a começar pela crença de que as ideias são menos importantes do que executar, testar, colaborar, aceitar o erro, ser confiável, ser justo etc.”

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