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O modelo atual está dando certo?

Gestores de RH de empresas como Braskem, Sky, Telefônica Vivo, Duratex e GE revelam o que consideram falhas da oferta de educação executiva atual, em áreas como a de preparar os gestores para a liderança e para enfrentar incertezas que emergem das rápidas transformações do mundo contemporâneo

Sílvio Anaz

A entrevista é de Sílvio Anaz, colaborador de HSM Mannagement....

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Em 1964, o livro Human Capital, de Gary Becker, catapultou, no meio empresarial, a ideia de que o investimento em educação dos gestores aumentaria as receitas no longo prazo. Passados 50 anos, crescem as dúvidas a respeito do retorno sobre o investimento em educação executiva –a formação continuada de gestores ativos nas empresas, oferecida por escolas de negócios e várias organizações. Por exemplo, a sustentabilidade, um dos temas mais cruciais aos negócios atuais, ainda não foi satisfatoriamente incorporada pela educação executiva. 

No Brasil, os gestores de recursos humanos queixam-se das entregas que a educação executiva existente não faz e torcem por um renascimento. “Temos poucas instituições que oferecem educação executiva e um número ainda menor daquelas que conseguem atender a nossas demandas”, avalia Camila Dantas, diretora de desenvolvimento de pessoas e organização da Braskem. “Acabamos sempre trabalhando com as mesmas escolas”, completa. 

Mesmo estas, segundo ela, precisariam estar mais à frente na geração de conteúdo próprio e seguir menos o que se faz lá fora. “Falta criatividade”, afirma. “A educação executiva no Brasil está aquém das necessidades das organizações, especialmente em relação a inovação e velocidade”, diz Roseli Parrella, vice-presidente de capital humano da Sky. Ela explica que o mercado e a competitividade crescentes têm imposto desafios de complexidade superior e, seja por falta de tempo, seja por ausência de investimentos, a educação fica abaixo das expectativas e necessidades do negócio. 

A educação executiva evoluiu bastante, mas ainda deixa a desejar em um aspecto importante, no mundo inteiro. “Se a educação executiva caminhou muito bem no eixo do gestor, ela evoluiu menos no da liderança”, afirma Betania Tanure, professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, consultora e colunista de HSM Management. 

A especialista explica que esse tipo de educação deveria atuar sobre dois eixos de competências dos executivos: o do gestor, em que estão as competências técnicas e mais racionais –também chamadas de hard–, como as relativas a finanças, logística, estratégia e processos, e o da liderança, no qual se encontram as capacidades de mobilização, de engajamento, de comprometimento e de dar significado para as pessoas, entre outras competências soft. Estudo feito por Tanure no Brasil mostra que 68% dos executivos têm competência alta nos aspectos técnicos e baixa nos de liderança. Pior ainda, somente 7% reúnem alta competência em ambos os eixos. Essas características se justificam pela maior complexidade da educação para a liderança. “Em liderança, não adianta muito educar só o indivíduo, pois ele não existe sozinho na empresa; o processo educacional tem de incluir as equipes e o contexto em que ele está inserido e interage”, explica Tanure. 

Isso pode ser materializado no tempo de formação. Se, em um ano, a educação executiva pode deixar um profissional verdadeiramente “craque” em finanças, em termos de liderança, o tempo é imprevisível. O tempo depende da empresa em que o profissional está, porque a liderança na Natura é diferente da liderança na Ambev, que, por sua vez, é diferente de liderar no Bradesco. A insuficiência do modelo educacional adotado encontra explicação, ao que tudo indica, no paradigma em que a educação executiva se apoia hoje. 

**PROBLEMA HISTÓRICO**

Dois grandes paradigmas pautaram a história da educação executiva até agora. O primeiro surgiu entre o final do século 19 e o começo do 20. Ele fez a educação executiva ser baseada fundamentalmente em casos reais e práticos. O segundo paradigma surgiu em meados do século 20, quando estudos da Ford Foundation e da Carnegie Foundation mostraram a necessidade de introduzir mais teoria, pesquisas e fundamentos científicos na área, e prevalece até hoje. 

A necessidade de mudança era real, mas o excesso de intelectualismo e de teorias desenvolvidas nas últimas décadas –e as próprias características do mundo acadêmico nas quais as escolas de negócios se inserem– vem alienando a educação executiva das transformações que ocorrem no mundo. Isso torna necessária uma terceira onda que realmente combine a educação prática e a teórica, segundo a avaliação de muitos especialistas, entre os quais Johan Roos, diretor-geral da Jönköping International Business School (JIBS), da Suécia. 

Os obstáculos para isso não são pequenos, contudo, atribuídos à grande distância entre as empresas e os provedores de ensino. “Muitos professores das escolas de negócios nunca trabalharam fora do ambiente acadêmico e não estão familiarizados com o dia a dia das empresas nem com os intrincados processos de decisão; isso lhes dificulta enxergar o valor das experiências no mundo real como parte da educação de seus alunos”, escreveu Roos em artigo recente. De fato, os professores têm parte da responsabilidade, mas a distância entre as universidades e as empresas contribui significativamente para isso também.

Para a Sky, o desenvolvimento dos gerentes e da alta direção tem mesmo de aliar aspectos conceituais e cases. “Os desafios do negócio servem como verdadeiro MBA para nossos executivos, e aliar conceitos a cases tem se mostrado uma forma bastante efetiva de desenvolvê-los”, afirma Parrella. Na Braskem, o desenvolvimento das pessoas é feito com base no trabalho. “Os programas de educação executiva têm o papel de complementar essa formação”, diz Dantas. Ela explica que a avaliação da eficácia desse tipo de educação na empresa é percebida nas mudanças que as pessoas treinadas on the job fazem no âmbito de seus cargos. “Não é uma métrica quantitativa, mas qualitativa.”

> **ON  THE JOB**
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> Programas de educação executiva apoiados na realidade do dia a dia do trabalho são percebidos como mais efetivos

> **5 LACUNAS A PREENCHER**
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> _Executivos e educadores de vários países apontaram os cinco desafios que a educação executiva tem de vencer, na edição 2014 da conferência Global de liderança, promovida pela iese business school_
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> **1 – Ruptura digital:** as mídias sociais e o rápido crescimento da tecnologia digital estão mudando completamente as regras do jogo para empresas, e é crucial que a educação executiva responda rapidamente às necessidades que emergem nas organizações por conta disso. 
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> **2 – Mercados emergentes:** empresas multinacionais estão lutando para adaptar-se às realidades das economias emergentes, entendendo as culturas e práticas locais e agilizando a tomada de decisões. A educação executiva, nos países emergentes e maduros, poderia ajudar nisso encorajando aspirações cosmopolitas, elaborando quadros conceituais para entender as diferenças culturais entre os países, desenvolvendo ferramentas de autoconhecimento e promovendo a abertura a culturas estrangeiras com módulos de imersão em diferentes países. “os problemas enfrentados pelas multinacionais em países emergentes podem ser atribuídos ao desenvolvimento das lideranças e à disfunção organizacional”, já disse Pankaj Ghemawat, professor do espanhol iese. 
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> **3 – Novos modos de resolver problemas:** ser inovador requer uma migração do pensamento teórico para o prático e, se quiser ensinar as habilidades necessárias para isso, a educação executiva deve promover o desenvolvimento de capacidades como enquadrar os problemas sob novos pontos de vista, ter empatia para pensar em inovações de maneira humanista, oferecer continuamente oportunidades para praticar a solução de problemas  e permitir que os alunos cometam erros.
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> **4 – Aprendizado empírico:** mais que qualquer outra habilidade, empreendedorismo e inovação precisam ser aprendidos “fazendo”. Muitas escolas de negócios estão agora desenvolvendo ecossistemas completos para assegurar que seus alunos interajam com projetos de empreendimentos reais, incluindo incubadoras, redes de negócios, projetos in-company e conferências e interações com ex-alunos empreendedores, entre outros recursos. “Precisamos assegurar que os alunos trabalhem junto com empreendedores”, diz Bernard Ramanantsoa, reitor da HEC de Paris.
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> **5 – Novo conjunto de valores:** espera-se que os educadores das escolas de negócios inspirem futuras inovações redirecionando seu foco para inovadores sociais, convertendo-os em referência para a mudança no mundo empresarial.

**O QUE ELAS PROCURAM** 

Mas o que as empresas realmente esperam de seus esforços de educação executiva? “A Braskem deve funcionar como uma universidade viva, em que as pessoas aprendem pelo trabalho. Acreditamos que a empresa é capaz de ensinar e de aprender”, afirma Dantas. Isso tem sido feito com ações de troca de experiências, cursos e estímulos à prática laboral. Na Telefônica Vivo, a expectativa é trabalhar com emoções e padrões de comportamento, e não apenas com conteúdo intelectual e racional. 

Os programas focam a essência e o papel do líder na transformação organizacional, tanto quanto as tendências econômicas, tecnológicas, sociais e de negócios. “Em geral, a educação em nosso país ainda tem um formato fragmentado e metodologias que partem de uma visão parcial do ser humano, privilegiando a questão racional e intelectual”, justifica Niva Ribeiro, diretora de desenvolvimento organizacional e endomarketing da Telefônica Vivo. 

“Por isso, quando customizamos nossos programas educacionais, buscamos complementar as abordagens trazendo elementos que trabalhem as emoções, padrões de comportamento e a forma como atuamos no mundo e seus impactos, sempre pautados na realidade concreta corporativa para gerar mudanças que possam ser reconhecidas no dia a dia da empresa.” Segundo a empresa, é importante diversificar os fornecedores de educação executiva, como uma medida preventiva para não repetir padrões e também para reduzir o risco de não inovar. 

A Duratex quer reduzir a lacuna observada na formação de líderes, que ela ainda considera grande. Julieta Nogueira, diretora de RH da empresa, acha que as escolas de negócios do Brasil demoraram para se aproximar do mundo empresarial e que a aproximação vista nos últimos 15 anos concentrou-se nos aspectos hard. “Muitos executivos hoje carecem de uma visão mais sistêmica e integrada para entender que os negócios também dependem do modo como as pessoas estão sendo geridas.” 

Nogueira acrescenta que isso faz faltar preparo para lidar com um mundo muito mais complexo do ponto de vista das incertezas, pois a ênfase no que é técnico treina para um mundo previsível. A executiva explica que a Duratex oferece um programa de desenvolvimento de liderança elaborado internamente sob medida que construa essa visão sistêmica e faça com que os executivos trabalhem o autoconhecimento e um estilo de liderança baseado no coaching, com mais escuta e conversa.

**O QUE QUER A ÍCONE?**

Por fim, o que quer a GE, ícone da educação executiva, com sua universidade corporativa Crotonville? Quer executivos ainda mais engajados em torno de seus objetivos, pensando no longo prazo. Também quer identificar e desenvolver líderes futuros. Segundo Pablo Vera, líder da Crotonville Rio, isso tem sido proporcionado com sucesso, mas pela formação dentro da companhia, que conta com os executivos como professores.

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