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Mantendo a relevância na era da transformação

O CEO Fabrizio Freda, que sextuplicou o valor de mercado da Estée Lauder, está colocando millennials para influenciar as decisões dessa empresa familiar. Nesta entrevista, ele explica por quê | por Karen Christensen

Fabrizio Freda

Italiano de Nápoles, é CEO da empresa de moda e beleza Estée Lauder Companies, com...

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À frente da gigante dos cosméticos e de artigos de luxo Estée Lauder, que é dona de marcas como Tory Burch, Michael Kors, Donna Karan e Ermenegildo Zegna, o CEO Fabrizio Freda garante: trabalhar em uma empresa familiar é muito melhor, pois a missão e os planos de longo prazo não costumam ser atropelados por decisões de curto prazo focadas apenas nos resultados. Nesta entrevista à revista Rotman Management, Freda fala sobre sua trajetória na empresa, sobre o crescimento vertiginoso dos resultados em seus quase dez anos de liderança e sobre como a empresa tem trabalhado com seus funcionários millenials para estar sempre antenada com as tendências de um mercado tão volátil quanto o de moda e beleza. 

**Quando você entrou na Estée Lauder Companies, o valor de mercado da empresa era de US$ 6 bilhões. Hoje, chega a US$ 35 bilhões. Como conseguiu esse feito?**

Em primeiro lugar, foi um esforço de equipe. Quando cheguei em 2009, William Lauder me disse: “Não me dê uma solução agora; ouça, entenda e, então, crie”. Ele me preparou para o sucesso: a empresa é organizada para suas marcas funcionarem de forma independente, com cada “presidente de marca”, como dizemos, sendo responsável por toda a estratégia de sua marca. Não temos um departamento central de marketing tomando decisões para várias unidades. Do meu ponto de vista, o foco decorrente desse modo de organização traz vantagem competitiva.

Na hora, reconheci que havia muita gente realmente criativa aqui. O segmento de beleza de luxo – e nossa empresa, em particular – está diretamente ligado à moda e às artes. Logo decidi que focaria nos pontos fortes das nossas pessoas, e não em contratar novos talentos. Eu quis, de verdade, alavancar e liberar a criatividade delas. 

Bem no início, senti que precisávamos diversificar nossa receita e criar novos “motores de crescimento”, o que significava diversificar marcas, categorias, lugares e canais. Pedi a nossos líderes que pensassem em como seria o banheiro e a nécessaire típicos da cliente. O fato é que consumidoras de produtos de beleza não compram mais uma linha completa e se mantêm fieis a ela para sempre; no negócio da beleza, experimentar faz parte da diversão – mesmo quando amam um produto. As pessoas podem ser leais a algumas marcas principais, mas a consumidora de hoje usa, em média, entre 12 e 15 produtos ao mesmo tempo. Falando em estratégia, eu sabia que, se tivéssemos um portfólio com várias marcas, havia uma boa chance de algo entre um terço e metade desses produtos serem marcas nossas. 

**Ao diversificar geograficamente, vocês focaram locais que a maioria das empresas estava ignorando, como América Latina, Leste Europeu, e Turquia. Por quê?**

Um aspecto-chave de nossa estratégia tem sido o foco no “cliente que viaja”. Estudamos aonde as pessoas estavam indo, por que iam para lá e como gastavam seu dinheiro ali. Descobrimos, por exemplo, que a cliente chinesa que viaja quer ir a Paris comprar uma bolsa de luxo como símbolo de status; então, garantimos que alguns dos mesmos produtos que ela veria em casa estariam nas lojas parisienses e nos aeroportos. Os resultados dessa estratégia foram impressionantes. Também focamos turistas do Brasil, que com frequência viajam a Miami e Nova York. As brasileiras adoram cor em seus cosméticos e são superfãs da Mac. Em nossa loja da Times Square, elas representam mais da metade do volume de vendas. Com o tempo, aprendemos como satisfazer as necessidades de clientes que viajam para fora de seus mercados, e isso tem sido um motor de crescimento para nós.

Também focamos a inovação para nossas clientes mais exigentes, porque, quando você faz isso, os efeitos se propagam. Por exemplo, na Rússia, uma das coisas mais importantes para as clientes são os cílios. Se você quer ganhar os corações das russas, deve oferecer um rímel que engrossa e alonga os cílios para que eles se destaquem como sua característica mais marcante. Então, criamos um rímel que faz isso. E, como clientes russas não são as únicas que querem um ótimo rímel, vendemos essa inovação mundo afora, é claro. 

Também tivemos muita sorte de ser os pioneiros na oferta de beleza online. Sob a liderança de William Lauder, a empresa lançou seus primeiros sites de e-commerce para Clinique e Bobbi Brown em 1996. William criou a divisão ELC Online para todas as marcas em 1999. Como suas ideias eram orientadas ao futuro, ele encontrou alguma resistência inicial. Quando entrei, reconheci que estávamos na linha de frente do e-commerce de beleza, mas precisávamos desdobrá-la globalmente. Hoje, nossos canais online são os que têm crescimento mais rápido: e-commerce e vendas pelo celular geram receitas anuais de mais de US$ 1 bilhão e estão crescendo 25% todo ano, com lucros expressivos, em sites da marca e de varejistas terceiros. 

Como a mudança não para, agora estamos pivotando ativamente nossos canais de distribuição para chegar aos consumidores onde eles estão comprando hoje. Lojas “multiespecializadas”, por exemplo, são um dos canais preferidos de clientes jovens, e estamos nas varejistas adequadas para atrair mais pessoas desse segmento. 

Resumindo: o sucesso de nossa empresa é dinamizado por uma estratégia embasada em múltiplos motores de crescimento em todos os aspectos de nosso negócio – marcas, categorias, lugares e canais. Nunca confiamos cegamente em uma única categoria, canal ou país, o que nos protege de baixas econômicas e de agitações políticas regionais. 

**Conte-nos sobre seu foco cada vez maior em consumidoras millennials, por favor.**

Nas gerações passadas, clientes mais novas aprendiam sobre produtos de beleza com suas mães, que as levavam à loja de departamentos mais próxima para investir em suas primeiras linhas de cuidado com a pele. Hoje não é assim: os padrões de consumo dos millennials influenciam os hábitos de compra de todas as gerações. 

Conforme as clientes adotaram a compra online, a atividade passou dos computadores para os tablets e então para os smartphones. Millennials começaram a assistir tutoriais de beleza no YouTube e, quando chegam a uma loja, já sabem o que querem. Isso mudou nosso marketing: em vez de só aprender o que era ensinado em revistas pop, as clientes millennials estão procurando ser influenciadoras de suas pares. Agora, o futuro não pode ser informado pelo passado, e nos demos conta de que, para sobreviver nesse ambiente, temos de aprender com as clientes e dar a elas uma “parcela da voz”. 

Há cerca de três anos e meio, formamos um grupo de funcionários millennials de alto potencial e os colocamos ao lado de nossa equipe executiva. Um por um, os millennials levaram os executivos às compras. Na época, muitos de nossos executivos não eram tão habilidosos quanto são hoje com mídias sociais, e essa experiência permitiu a eles observar em primeira mão como essas pessoas usam mídias sociais, e como os smartphones impactam uma típica ida às compras. 

Ficou claro para mim que precisávamos tornar esse cenário de “mentoria reversa” permanente, então criamos nosso primeiro Millennial Advisory Board. Eles estão nos aconselhando estrategicamente como compradores – dizendo a nós o que chama a atenção deles e por quê. Hoje, temos 40 conselhos do tipo Millennials Advisory Board no mundo, relacionados com marcas ou funções. Estamos prestes a criar um para embalagens, pois tem tudo a ver com a divulgação pelo Instagram.  

Eu mesmo tenho uma mentora millennial, e ela produz um relatório bimestral sobre as atividades mais interessantes de varejo e mídias sociais em moda e beleza. Os mentores reversos globais têm seu próprio portal online de brainstorming, chamado Dreamspace, no qual postam tudo que acham interessante e compartilham por que gostam disso. Selecionamos “o melhor do melhor” e enviamos em uma newsletter bimestral para todos os nossos profissionais envolvidos com clientes e para nossa equipe de liderança. Nossos millennials estão realmente influenciando e educando nossa organização e isso tem sido de um valor incrível para nós. 

**Como esses jovens são selecionados?**

Todos os mentores reversos e membros do nosso Millennials Advisory Board são funcionários da empresa, conhecem o programa e costumam se oferecer para integrá-lo. Eles reconhecem que isso exige um comprometimento real da parte deles, porque tudo é feito em paralelo com sua atividade cotidiana. Mas têm três benefícios com isso: primeiro, a participação deles no programa é notada em sua avaliação de desempenho anual, deixando claro que eles estão “liderando e inovando”. Segundo, isso afia as habilidades de liderança deles, porque, para serem mentores de executivos, precisam ter inteligência emocional e uma base de tecnologia – ou não serão influentes. Por fim, isso também aumenta o engajamento deles, porque esses millennials são conectados em uma comunidade global relacionada com algo pelo qual são apaixonados – e algo que recebe o apoio do CEO. Tem sido uma ótima estratégia de retenção de nossos funcionários de alto potencial.

**Sei que uma vez você se autodenominou um “criativo estruturado”. O que isso significa?**

Quando entrei na Estée Lauder, queria definir o que liderança significa para esta companhia, então escrevi o que acreditava serem as nove competências de liderança mais importantes, e as dividi em três categorias: lidere a si mesmo, lidere os outros e lidere a organização. Uma dessas competências é “estimular e liderar a criatividade e a inovação”.

Tinha estudado pesquisas interessantes que mostram que há dois tipos de funcionários: criativos “estruturados” e criativos “céu azul”. Há inclusive uma escala, na qual você consegue ver onde se encontra. Criativos estruturados (como eu) pegam o conhecimento existente e ligam os pontos de novas maneiras para chegar a algo novo; criativos céu azul, por sua vez, têm ideias novas, e então precisam descobrir como fazê- -las ganhar vida. Como todo mundo está em algum lugar desse espectro, eu realmente acredito em estimular a criatividade de cada um de nossos funcionários. 

**Você já falou da importância de ter consciência das “raízes” e “âncoras” de uma organização. Explique, por favor.**

A arte de liderar a mudança tem dois lados: saber o que precisa ser preservado – as raízes – e o que deve ser mudado – as “âncoras” que estão segurando o avanço, que impedem o movimento. Quando entrei na empresa, eu me perguntei: “O que preciso preservar e o que preciso mudar?” Como disse, dei-me conta de que precisava acelerar e alavancar completamente os muitos pontos fortes dos talentos já existentes ali.

**Quais são os prós e os contras de trabalhar em uma empresa familiar?**

Em minha carreira, tive a experiência de trabalhar para várias companhias blue-chips e acredito, francamente, que as empresas familiares são as melhores. Elas trazem uma autenticidade incomparável e, além disso, apostam no futuro. 

William Lauder quebrou o padrão da indústria de luxo de muitas maneiras. Quando entrei, fiquei surpreso – e entendi que meu desafio era levar isso ainda mais longe. É claro, nossa fundadora, Estée Lauder, era uma empreendedora assim como seu filho, nosso presidente emérito do conselho de administração, Leonard Lauder.

William gosta de dizer: “Sim, precisamos ter nossos números trimestrais; e sim, temos de entregar lucros. Mas nunca vamos tomar uma decisão de curto prazo em detrimento de uma de longo prazo a fim de fechar o trimestre”. Essa é a melhor parte de trabalhar para uma empresa familiar: tomamos decisões com uma visão de longo prazo em mente.

Administrar esse equilíbrio delicado com analistas de mercado é uma arte e uma ciência, e consequentemente é um desafio. Mas é também um ponto forte, porque nos leva a ser ágeis e a pivotar. Quando algo acontece no mundo, temos de pensar: “Que alavancas podemos puxar?” As alavancas de volatilidade e incerteza que podem afetar um negócio de nosso tamanho aumentaram exponencialmente. A alavanca pode ser uma mudança na mentalidade dos clientes, um ataque terrorista ou um desastre natural; essas coisas podem acontecer a qualquer momento. Então, é importante sabermos como pivotar e quando devemos movimentar seus recursos. 

**Você acredita que o maior risco para os líderes atuais é não mudar rápido o suficiente? Se sim, como lida com isso?**

Nosso setor, sempre dinâmico, está mudando profundamente e esse processo só vai continuar. Não estamos simplesmente indo do ponto A para o ponto B. A mudança é fluida, como as correntes marítimas. Conforme a velocidade de mudança aumenta, o que nos ajuda muito é ter uma mentalidade empreendedora – tanto em nossas marcas maiores quanto nas menores, como a Becca, que adquirimos recentemente. 

Sempre que fazemos uma aquisição, nós nos perguntamos: “O que podemos aprender com essa empresa que pode ser aplicado a todas as nossas marcas?” Por exemplo, com a Too Faced e a Becca aprendemos muito de sua capacidade incrível de alavancar influenciadores e táticas de mídia social, e agora temos a capacidade de aplicar essas melhores práticas companhia afora. 

Por fim, como organização, você sempre precisa ter uma mentalidade de aprendizado. Com tecnologia, modelos de varejo, mídia social e analytics, estamos passando por um momento de transformação. Mas as ideias-chave – produtos de qualidade, criatividade, sustentabilidade e respeito pelo indivíduo –, essas nunca vão mudar.

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