**Vale a leitura porque…**
… a ciência está dando vazão a novos tipos de mercado, com ofertas ultrapersonalizadas de produtos e serviços aos consumidores.
… quem lidera essa nova onda, nos Estados Unidos, é a Helix, startup ligada à Illumina, empresa-símbolo da revolução do DNA.
**A**ntes de morrer de câncer pancreático, em 2011, Steve Jobs pagou US$ 100 mil para ter seu DNA sequenciado. Era uma medida rara e cara, que, segundo seu biógrafo, o jornalista Walter Isaacson, forneceria informações sobre tratamentos potenciais para a doença e permitiria que os médicos os personalizassem. Cinco anos após a morte de Jobs, esse tipo de sequenciamento já se disseminou nos EUA e custa apenas alguns milhares de dólares – ou menos.
A principal empresa responsável por revolucionar o acesso ao DNA não tem um nome muito conhecido. A Illumina é uma usina da genômica avaliada em mais de US$ 20 bilhões, cujos supercomputadores sequenciaram até agora cerca de 90% de todos os dados genéticos já processados. Suas máquinas ajudaram a tornar o genoma uma ferramenta convincente, usada para tratar doenças, prever respostas a medicamentos e identificar quais mutações genéticas aumentam o risco de doenças graves.
Foi a Illumina que permitiu que empresas como 23andMe e Ancestry.com oferecessem testes genéticos a milhões de pessoas, gerando uma nova onda da genômica que promete levar a ciência muito além de seus usos iniciais. Agora, está próxima mais uma transformação. E a melhor maneira de entendê-la é analisando justamente uma subsidiária da Illumina chamada Helix.
**GENOMA ACESSÍVEL**
Lançada em 2016 com um financiamento de US$ 100 milhões, a Helix tem a missão de democratizar o genoma. Atualmente há três níveis de tecnologia disponíveis para decodificar o DNA humano.
**1.** O mais sofisticado é o sequenciamento total do genoma (como o feito por Jobs), um processo exaustivo que oferece um volume massivo de informações, às vezes mais do que os cientistas conseguem processar.
**2.** A genotipagem é o nível mais barato e amplamente usado. Envolve examinar um conjunto predeterminado de pontos no genoma com base nos quais é possível inferir ancestralidade, relações genéticas e risco de algumas doenças.
**3.** No meio está o sequenciamento do exoma, que geralmente custa menos de US$ 1 mil e fornece um quadro sólido da genética de uma pessoa, mapeando toda a região de codificação de proteínas do genoma.
Em relação à quantidade de informações que é possível colher, a genotipagem e o sequenciamento do exoma “são como dia e noite”, explica Eric Topo, cardiologista e geneticista do Scripps Research Institute, de San Diego. O sequenciamento do exoma é capaz de identificar genes e variantes associadas a doenças complexas. Também pode, segundo a Helix, ser usado para revelar insights sobre o estilo de vida e os traços de personalidade de um indivíduo. É esse tipo de sequenciamento – mais rápido e barato do que nunca (graças, em parte, à Illumina) – que a Helix planeja explorar. Como?
**PRODUTOS E PLATAFORMA**
Imagine uma empresa de nutrição que ofereça suplementos personalizados. Ou uma marca que crie sapatos adaptados ao perfil genético de uma pessoa. A Helix começou a se associar a laboratórios, clínicas e marcas de bens de consumo para identificar e desenvolver novos produtos com base em informações genéticas. Esse mercado direto com o consumidor pode valer de US$ 2 bilhões a US$ 7 bilhões nos próximos anos, segundo um registro recente da companhia de serviços financeiros UBS.
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E a privacidade? A Helix utiliza criptografia de dados e autenticação para acesso a sua plataforma de armazenamento e diz que dará controle aos clientes, permitindo que escolham como suas informações serão usadas. Na foto abaixo, máquina de sequenciamento de DNA da Illumina, controladora da Helix, na unidade de San Diego
A Helix também quer criar uma plataforma como são as lojas de aplicativos, em que os consumidores possam acessar seus dados e descobrir apps que interpretem e se baseiem neles. A promessa seria algo como: “Consiga sequenciar seu DNA uma vez só, e você poderá receber insights pelo resto da vida conforme novas maneiras de interpretar o genoma surgirem”.
O CEO da Helix, Robin Thurston, tem experiência para isso. Veio da Under Armour (UA), onde supervisionou a famosa plataforma de exercícios da empresa como diretor da área digital e, antes, havia empreendido com o aplicativo rastreador de atividades físicas MapMyFitness (que vendeu para a UA, em 2013).“Queremos dar pequenas informações sobre seu genoma no momento certo de sua vida”, afirma ele.
Com uma equipe de mais de 30 cientistas em seu laboratório em San Diego e acesso aos supercomputadores da Illumina, a Helix propõe subsidiar o custo do sequenciamento em troca de uma parcela da receita de seus parceiros. A empresa interpreta dados genéticos quando necessário e veta produtos em prol da integridade científica.
**JÁ COMEÇOU**
O primeiro produto associado à Helix a chegar ao mercado é o Geno 2.0, da National Geographic Society, que fornece informações sobre as árvores genealógicas dos usuários. A instituição já comercializava um teste semelhante havia quase uma década, mas a parceria com a Helix permitiu que o preço caísse de US$ 200 para US$ 149. E os clientes da National Geographic não precisarão ser sequenciados mais de uma vez ao se inscreverem para aplicativos diferentes oferecidos por quaisquer parceiros da Helix no futuro. “Esse será o primeiro teste de sequenciamento profundo amplamente disponível ao mercado consumidor”, diz Thurston.
A parceria coloca a Helix em competição direta com clientes da Illumina baseados em genotipagem, como 23andMe e Ancestry.com. Pode ser de propósito. “Temos uma relação econômica especial [com a Helix]”, afirma Jay Flatley, chairman- -executivo e ex-CEO da Illumina. “É o que permite que a Helix faça o sequenciamento a um custo subsidiado e desenvolva esse modelo de negócio.” Flatley crê que a capacidade da Helix em oferecer sequenciamento do exoma de forma acessível convencerá essas outras empresas de consumo genômico a se unir à plataforma. “É um modelo que nenhuma outra companhia consegue produzir.”
Os primeiros parceiros da Helix incluem provedores de serviços médicos famosos, como LabCorp, Mayo Clinic, Duke University e hospital Mount Sinai. O último está desenvolvendo um aplicativo que informará futuros pais sobre os riscos de transmitirem doenças genéticas para os filhos e dará acesso ao aconselhamento genético. No entanto, a Helix também está procurando ativamente grandes marcas queridas pelos consumidores – os tipos de parceiros que podem popularizar seu modelo de app store. (Há boatos de que isso está sendo negociado com o Vigilantes do Peso e uma grande marca fitness, embora a empresa não tenha divulgado nomes.)
Produtos mais lúdicos também estão em produção. No começo deste ano, uma empresa chamada Exploragen planeja lançar um mecanismo de recomendação de vinhos, Vinome, com base em pesquisas recentes sobre como o DNA informa a percepção gustativa das pessoas. Com uma precisão incrível, será possível identificar o perfil gustativo de que uma pessoa tem maior chance de gostar.
**PRIVACIDADE E SEGURANÇA**
Há ainda desafios importantes antes de a app store do DNA se tornar viral, contudo. As dúvidas sobre privacidade e segurança a respeito de dados genéticos são enormes. (O DNA não revela só os segredos das pessoas, mas os de seus parentes também.) Embora as companhias de seguro de saúde e os empregadores não possam, por lei, rejeitar pessoas com base em suas informações genéticas, eles podem lhes recusar serviços específicos, como seguro de vida, cobertura de invalidez ou cuidados prolongados.
No extremo oposto, especialistas em bioética se preocupam com o fato de que empresas como a Helix possam ter um incentivo financeiro para manter privados dados agregados de DNA que poderiam ser usados para o bem comum. A Casa Branca recentemente investiu US$ 215 milhões na Precision Medicine Initiative, um projeto que visa sequenciar 1 milhão de DNAs para fins de pesquisa ao longo dos próximos três ou quatro anos. A 23andMe trabalha com farmas e pesquisadores, às vezes de graça. Novos fornecedores que lidam direto com o consumidor optariam por acumular tais informações?
Talvez o maior desafio da Helix seja fazer com que a ciência acompanhe suas ambições. Hoje, só 1% a 2% dos testes de sequenciamento produzem um resultado clinicamente prático, do tipo que ajuda os usuários a evitar o início de uma doença.