Estratégia e Execução

A Apple sem Jobs

Apesar de a morte da empresa ser insistentemente anunciada, o essencial permanece e os planos de longo prazo são ambiciosos

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Dizem que a Apple está morrendo. Ela não inova mais, perdeu mais de US$ 180 bilhões em valor de mercado de 2015 para cá, as vendas de iPhone vêm caindo e as grandes ondas tecnológicas do momento – internet das coisas, inteligência artificial, realidade virtual – estão sendo surfadas por rivais como Google, Microsoft, Facebook e  Amazon. Teria a empresa de Steve Jobs perdido o ímpeto inovador após a morte do CEO e se conformado em descansar sobre glórias passadas, extraindo o máximo de seu smartphone dos ovos de ouro? “Eu não acho que a Apple esteja descansando”, diz Guy Kawasaki, evangelista-chefe da startup Canva, que já ocupou esse mesmo posto na Apple na década de 1980. “Ela está tentando – tentando com muito empenho até. Só que a indústria de tecnologia é muito competitiva. Quase tudo o que você tenta não dá certo. É como as coisas são. Mesmo assim, no final das contas, aposto que a porcentagem de sucesso da Apple é muito maior que a de qualquer outra empresa de tecnologia.”

Para uma empresa que esteve à beira da falência na virada do milênio, as coisas não estão tão ruins. A Apple acaba de vender seu bilionésimo iPhone. No último trimestre, que vários analistas consideraram desapontador, seu lucro foi maior que os da Alphabet, Amazon,  Facebook e Microsoft combinados. Somente o negócio de serviços (a loja iTunes, o serviço na nuvem iCloud e seu sistema de pagamento via celular Apple Pay) deve alcançar o tamanho de uma empresa da lista Fortune 100 em 2017.

**AS MÃOS DE TIM COOK**

A situação não é tão crítica, mas é preciso reconhecer: a Apple, nas mãos de Tim Cook, é uma empresa diferente do que era com Jobs no comando. A principal mudança é seu tamanho; seu faturamento é hoje quatro vezes maior do que era em 2010. E a empresa se prepara para dar saltos muito mais ambiciosos do que os dados por Jobs. A Apple estaria ficando grande demais para inovar? “Tamanho é uma faca de dois gumes”, diz Kawasaki. “Ele significa que você tem a marca e os recursos para criar e dominar mercados, mas também que você precisa superar a tentação de não fazer nada além de melhorar sua situação provendo bons resultados financeiros de curto prazo.” Que gume vai prevalecer? As palavras de Tim Cook dão uma ideia. Ele tem repetido insistentemente que vê a Apple como uma empresa que deve durar para sempre e que não crê que o mercado de smartphones esteja saturado, pois muita gente no planeta ainda não possui um, sobretudo em países em desenvolvimento. “Estou convencido de que, com o tempo, cada pessoa do mundo terá um smartphone”, declarou há pouco ao The Washington Post. Steve Wozniak, cofundador da empresa, afirma que Tim Cook tem a seu favor o fato de “enxergar os funcionários e os consumidores da Apple como pessoas de verdade”, como Jobs fazia. “Assim, Tim mantém a tradição de Steve de fazer bons produtos que ajudam as pessoas em sua vida. Ele poderia estar seguindo o caminho de ‘fazer uma grana em anúncios com o que sabemos de você’, mas não. E eu fico muito feliz com isso.”

No entanto, Wozniak demonstra uma preocupação com a Apple de Cook – que ela seja levada só para o mercado premium, “de joias” (uma vez que o Apple Watch é um produto que chega a custar US$ 1 mil só por ter uma pulseira diferente). “Embora eu entenda que é preciso acompanhar o mercado, isso não tem a ver com a Apple que mudou o mundo.” De resto, Wozniak vê o caminho certo sendo percorrido. “Em todo o resto, aprovo totalmente as ações de Cook. Amo o hardware e o software que eles fazem, amo cada update.” “Quando os críticos insistem que a Apple tem fracassado em introduzir dispositivos e serviços ‘revolucionários’, eles esquecem três fatos importantes sobre a tecnologia”, disse Eddie Cue, VP sênior da Apple, à Fast Company. “Primeiro, que momentos de ruptura são resultados imprevisíveis de uma inovação contínua e incremental; segundo, que inovações por trás das cenas trazem benefícios significativos, mesmo que não consigam criar rupturas singulares; e, terceiro, que as novas tecnologias só dão certo quando um público de massa está pronto para elas, sentindo a necessidade de tê-las”, conta. “O mundo pensa que nós entregávamos uma revolução a cada ano quando Steve estava aqui, mas os produtos foram desenvolvidos ao longo de um grande intervalo de tempo.”

**NOVOS MERCADOS**

Pelo menos de uma coisa Steve Jobs se certificou antes de deixar a Apple e este plano de existência: que suas ideias sobre como criar e implementar produtos fossem bem compreendidas por toda a empresa. Juntando isso com o princípio da diversificação em novos mercados ensinada por Jobs, a pergunta é: para onde vai a Apple agora? Basicamente, para onde ela quiser – e sem contar para ninguém. Em termos de unidades vendidas, será difícil encontrar outro mercado com as características levantadas por Cook de fato, com cada ser humano sobre a Terra como prospect. Mas, em termos de faturamento, os três mercados em que se especula que a Apple deverá entrar nos próximos cinco anos são bem atraentes. O primeiro, onde ela já molhou o dedinho do pé, é o de entretenimento, um mercado global de mais de meio bilhão de dólares. A Apple fez uma primeira tentativa de negociar conteúdo ao vivo com canais de TV para sua Apple TV. Essa foi frustrada. Segundo alguns executivos, a empresa foi muito dura e as negociações não vingaram – nem com a Disney, cujo presidente faz parte do board da Apple. Jobs está fazendo falta na mesa de negociações para mesmerizar a todos com sua lábia e o DNA fenício. Porém reinventar a TV era um dos sonhos de Jobs, que afirmou a seu biógrafo oficial, Walter Isaacson, ter descoberto como fazê-lo, sem dar muitos detalhes a respeito. Cinco anos depois, a Apple ainda não lançou nenhum aparelho de TV disruptivo, mas fez um update substancial em sua Apple TV, anos-luz em inteligência embutida adiante de qualquer smart TV do mercado. Desde o ano passado, a Apple TV aceita apps de terceiros e, há pouco tempo, a empresa começou a se aventurar modestamente na produção de conteúdo, criando um reality show chamado Planet of the Apps. Também está em seus planos um aplicativo estilo TV Guide para o usuário conseguir encontrar seu programa ou filme favorito, esteja ele na Netflix, HBO, Fox, NBC ou qualquer uma das centenas de opções de hoje. Outro mercado bem atraente à Apple é o automobilístico, com seus cerca de  US$ 3,5 bilhões movimentados ao ano. Pela lógica de Wozniak, combina com a empresa. “A Apple é enorme e as oportunidades de investir precisam ser igualmente grandes”, diz o parceiro de Jobs. E Woz completa: “Os carros elétricos e os autônomos estão chegando e utilizam inteligência artificial. Isso vai melhorar muito a vida das pessoas, e é onde a Apple gosta de transitar”.

Há cerca de 600 pessoas na Apple trabalhando em projetos relacionados com automóveis. Se isso vai resultar em um carro elétrico com a maçã ou apenas uma versão mais elaborada do CarPlay, que reproduz funções do iPhone no painel do veículo, só o tempo dirá. O mercado de saúde e fitness, avaliado na casa dos trilhões de dólares, também está no radar da companhia. Nesse ela vem entrando sutilmente, no entanto, com o Apple Watch e os iPads sendo utilizados pontualmente em hospitais e pela indústria farmacêutica. Contudo, por seu tamanho e pelas possibilidades que a tecnologia tem de melhorar o acompanhamento médico de pacientes, tratamentos e registros, o segmento de saúde e fitness deve ganhar mais atenção da empresa em breve.

NOVAS TECNOLOGIAS Em termos de tecnologias ascendentes, a Apple dá sinais de que não está parada. Nunca gastou tanto em pesquisa e desenvolvimento, com investimentos que devem chegar a US$ 10 bilhões este ano. Cook já declarou que considera a  realidade aumentada (RA) – a integração de imagens e dados virtuais a imagens reais – um campo promissor. E, nos últimos dois anos, a Apple adquiriu várias empresas com tecnologias relacionadas com RA, como superimposição de cenários virtuais sobre a realidade, captura de movimentos e controle facial de avatares virtuais.  

É mais um mercado no qual a empresa não vai ser a primeira (Microsoft, Samsung, Facebook e Google estão adiantados), mas ela pode repetir sua missão de ser a melhor. Inteligência artificial é outra área promissora. Em outubro, a Apple lança uma nova versão de seu OS X com a assistente virtual Siri embutida. É uma incógnita se as pessoas se acostumarão a falar com o computador em vez de digitar e clicar, porém essa é uma aposta da empresa. E aqui ela chegou cedo. Lançada em 2011 (na verdade, em 2010, por um desenvolvedor independente comprado pela Apple), a Siri precedeu Google, Microsoft etc. A Apple está em posição privilegiada para tornar essa experiência mais útil, pois a Siri agora estará em todos os seus produtos – iPhone, Mac, Apple Watch, Apple TV, CarPlay.

COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS Quando você estiver lendo este texto, em setembro, a Apple estará às voltas com seu evento para lançar o iPhone 7 e, provavelmente, uma nova linha de laptops. Os produtos ainda estão envoltos em segredo, à moda de Jobs, mas uma coisa já se sabe: as ações da empresa subirão no dia anterior ao evento e cairão imediatamente depois de Tim Cook deixar o palco. O mercado sempre se decepciona com os lançamentos da Apple, devido à enorme expectativa que causam. Isso não impede, contudo, que, semanas ou meses depois, quando os produtos chegarem finalmente às lojas, enormes filas se formem para comprá-los. Não se iluda: a Apple de Cook é uma empresa diferente, mas o essencial permanece: a qualidade de referência de seus produtos e a experiência de uso e integração entre hardware, software e plataformas diferentes. Se a Apple conseguir transferir essas competências para os novos mercados e tecnologias que tem como alvo, será relevante por muito tempo ainda. Mesmo sem Jobs.

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