Tecnologias exponenciais
21 min de leitura

A arte de começar: um guia descomplicado para construir sua unidade de IA

A IA não é só para tech giants: um plano passo a passo para líderes transformarem colaboradores comuns em cientistas de dados — usando ChatGPT, SQL e 360 horas de aprendizado aplicado
Rodrigo é consultor e empreendedor multinacional. Viveu a Ásia por 12 anos, passando por Paquistão, onde operou negócios naquele país por 07 anos, e Índia, Bangladesh, China, Coreia do Sul e em Taiwan. Passou também pelos EUA, Peru e na Colômbia, Paraguai e hoje está no Brasil. Rodrigo tem atuado como executivo temporário em situações de crescimento ou mudança por sua consultoria. Ocupa o cargo de Diretor de Governança na Packem e lidera a ReRe.co, uma importante iniciativa global da Yara Fertilizantes e da Packem, focada em promover o equilíbrio ambiental nas operações e em impulsionar inovações na reciclagem de materiais. É membro do comitê global de Inovação da revista Americana Fast Company.

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Tecnologia

Neste artigo, embarcaremos em uma jornada que pode capacitar empresários, executivos e profissionais de gestão a adotarem a Inteligência Artificial de forma definitiva e estratégica, integrando-a de dentro para fora em suas organizações. O objetivo é ajudar as empresas a evoluírem em sintonia com as novas tecnologias que estão moldando o futuro.

Um pouco sobre IA

Para uma compreensão mais intuitiva, podemos abordar a Inteligência Artificial por quatro grandes áreas de aplicação: análise de dados, automação, aprendizado de máquina e IA generativa.

A análise de dados (data science ou data analytics) utiliza métodos estatísticos, econométricos e, em instância mais avançada, técnicas de aprendizado de máquina, para extrair insights de dados.

A automação tradicional (rule-based system – baseada em regras) executa tarefas para as quais foi programada, com precisão, repetição e explicabilidade, mas sem capacidade de aprendizado.

O aprendizado de máquina (machine learning), incluindo o aprendizado profundo (deep learning), é aplicado em tarefas de classificação, predição e otimização, aprendendo com dados de treinamento (training datasets) para melhorar continuamente.

Já a IA generativa (Gen AI), que também aprende com dados de treinamento, mas se diferencia do aprendizado de máquina tradicional por ter uma maior quantidade de dados no treinamento (massivo) e por poder receber quaisquer dados para processamento após treinado (simulando saber do que se trata), pode ser usada para criar conteúdo, resumir documentos, auxiliar em análises e treinamentos, além de oferecer suporte em tarefas complexas que exigem criatividade ou adaptação.

Para o leitor, que se espera seja leigo, é importante salientar que o ChatGPT, usado diariamente por todos nós, é tecnicamente chamado de LLM (large language model), e é englobado pelo conceito de IA Generativa, ou seja, uma das categorias mais avançadas de IA.

Mesma realidade para o conceito de IA Autônoma (agentic AI), muito comentada nos dias de hoje, que resulta de uma combinação de aprendizado de máquina, IA generativa, mecanismos de tomada de decisão e outras técnicas complexas.

Os conceitos de aprendizado de máquina e IA generativa são avançados demais para nós e a grande maioria de nossas empresas, e por isso é importante que nosso leitor não se incomode com o uso irrestrito desses jargões nas conversas informais do cotidiano.

Seus pares provavelmente não estão à sua frente, e todos chegarão aonde devem chegar se iniciarem logo suas jornadas.

George Westerman (MIT) afirmou no início de 2025 que, exceto em grandes empresas americanas de tecnologia, ele ainda não tem visto a IA ser usada por empresas nas relações diretas com o consumidor ou como produtos a serem comercializados.

Isso significa que nós, na América Latina, podemos acalmar nossas ansiedades e percorrer um caminho de aprendizado no uso dessas tecnologias.

Empresas como GoDaddy, Indeed, Canva, Sotheby’s e algumas outras, de acordo com seus CMO’s, têm concentrado seus esforços em AI para compreender seus consumidores a partir dos dados gerados pelas transações, buscando inferências para melhoria de suas ofertas e serviços.

Portanto você, leitor, executivo ou proprietário de empresa, se mirar no lugar certo, não se atrasará.

Esse artigo tratará exclusivamente de análise de dados (data science e analytics) e o objetivo é trazer ao leitor um guia para a instalação de uma unidade de IA em empresas que ainda estão na jornada de descoberta.

A razão para iniciarmos com análise de dados é simples e você poderá defendê-la para quem seja em suas interações: começaremos com dados discretos, deixando as variáveis contínuas para passos mais adiante.

Simplificando os conceitos, dados discretos são aqueles que assumem valores finitos ou contáveis, como por exemplo as vendas de sua empresa no mês passado. Já não mudam mais.

Dados contínuos são gerados continuamente, comumente associados com dados em tempo real, que são constantemente atualizados ou recebidos. Tome como exemplo o consumo total de água na sua cidade nesse exato momento. Faça-o novamente após 10 segundos.

Outro exemplo: você tem 20 pessoas em um ônibus e pretende saber a média de altura, de tamanho dos pés, ou a idade somada de todos os passageiros. Seus cálculos serão feitos sobre dados discretos.

Agora imagine fazer isso em um terminal de ônibus. A cada 3 minutos seus números mudam, em virtude de pessoas que saem do terminal e já não fazem parte de sua contagem, ou de pessoas altas ou baixas que chegam e mudam o cálculo da média de altura. Você calculará dados contínuos e precisará de técnicas estatísticas mais sofisticadas, presentes em modelos de aprendizado de máquina.

Trabalhar com intervalos discretos, como as tabelas de dados de sua empresa, trará a nossos esforços outros dois conceitos muito importantes no mundo computacional: a repetibilidade e a explicabilidade.

A repetibilidade refere-se à capacidade de alcançar os mesmos resultados quando um processo é executado várias vezes sob as mesmas condições, ao passo que explicabilidade é o grau em que as operações, previsões e decisões de um sistema ou processo podem ser compreendidos por humanos.

Um modelo que é repetível, mas não explicável, pode produzir resultados consistentes, porém opacos, tornando difícil justificar as decisões. Já um modelo que é explicável, mas não repetível, pode levar a resultados inconsistentes e não confiáveis, reduzindo a confiança. No caso da ausência de um desses conceitos, temos um processo chamado estocástico, ou seja, com aleatoriedade nos resultados.

Não tendo essas duas exigências cumpridas, a maioria dos trabalhos que utilizam IA, principalmente generativa, sofrem de falta de confiabilidade em virtude de seus resultados imprevisíveis e inexplicáveis, as chamadas alucinações. As técnicas para a diminuição dessas variações são complexas demais para nossos objetivos nesse momento.

O leitor deve estar pensando em abandonar a leitura nesse ponto, pois conceitos complexos demais foram apresentados.

O objetivo, até então, foi construir uma estrutura de ideias e conceitos que tenha fundamento e nexo causal, onde quer e por quem seja lido, para que o leitor possa buscar explicabilidade e repetibilidade no próprio artigo. Esses conceitos não são conhecidos pelo leitor, embora sejam intuitivos e estejam programados em nosso conhecimento coletivo, mas precisam ser expostos para que o leitor siga em sua jornada com algum grau de segurança.

Dados, estratégia e tática

Pensando na sua empresa, vamos agrupar as atividades em dois grandes grupos: estratégia e tática operacional.

Estratégia basicamente trata de para onde vamos (objetivos corporativos), o que vamos ofertar em serviços e produtos (portfolio), com quem vamos concorrer (ecossistema), quem são nossos clientes (segmentação) e o que queremos que pensem de nós (posicionamento).

Já as atividades tático-operacionais tratam de colocar isso em prática no dia a dia, miram em executar nossa estratégia.

Vamos começar tratando de estratégia, e para isso vamos usar análise de dados (Data Science e Analytics), que é o primeiro quadrante em que a IA faz diferença na vida das empresas.

Os dados que utilizaremos vêm das atividades executadas em nossas empresas, ou seja, do “realizado”. Esses dados são “produzidos” pelas atividades da empresa em seus movimentos passados, seja recente (mês passado) ou intervalos que abranjam um passado mais distante (ano anterior).

Quando bem “estudados”, podem aprimorar a tática (execução), corrigir erros estratégicos e táticos, e mais tarde se transformar em novas estratégias. Se nosso cliente, usuário de nossos produtos e serviços, enxergar vantagens em atividades que primariamente não pensávamos que produzisse valor, é da tática operacional que podem surgir novas estratégias.

Essa separação tem como objetivo levar nosso leitor, empresário de qualquer porte ou executivo em empresas, a percorrer a jornada completa do uso das novas tecnologias.

Uma vez observado o comportamento dos números, podem-se criar estratégias e atividades tático operacionais que se utilizem de automações rígidas (rule-based), aprendizado de máquina (machine e deep learning) e inteligência artificial generativa (GenAI).

A ciência de dados

A ideia de Ciência de Dados (data science) nas empresas, basicamente se utiliza de econometria para estimar relações e identificar possíveis causalidades em conjuntos de dados estruturados (structured datasets). Esse trabalho envolve a análise de padrões temporais, séries históricas, categorias, sazonalidades e relações entre variáveis — incluindo correlações que, embora relevantes, precisam de cuidado na avaliação, pois nem sempre indicam causalidade.

Entre diversas aplicações práticas, destacam-se a análise de custos, avaliação da elasticidade de demanda, previsões de faturamento, análise de risco de crédito, estudo da alavancagem financeira, avaliação da eficiência de campanhas, correlações entre grupos de consumidores com especificidades agrupadas e certos produtos e serviços da empresa, entre outras análises que podem ser realizadas.

Nesse contexto, a estatística se apresenta como uma das ferramentas mais fundamentais nesse processo. Ela é aplicada em análises descritivas, como o cálculo de médias, medianas, moda e identificação de outliers, e em análises inferenciais, como regressões, testes de hipóteses e modelos de estimação, que ajudam a modelar e prever comportamentos futuros com base nos dados históricos.

Em outras palavras, a ciência de dados pode levar você, gestor, a encontrar erros estratégicos, oportunidades e espaço para alterações incrementais em sua empresa. E a IA te ajudará a fazer isso mais rapidamente.

Seu ERP e o BI

Onde, por óbvio, o leitor encontrará análises dos dados de sua empresa? No BI do seu ERP. Claro, se o aplicativo for bem “parametrizado” por aquelas incontáveis horas dos consultores do fornecedor.

Mas sabemos que, normalmente, bem que no meio daquela reunião de estratégia, nos ocorre de ver nossos dados combinados de outra maneira, para a qual nosso BI não foi “parametrizado”.

A verdade é que a estrutura lógica dos ERP’s, embora robusta, nem sempre consegue antecipar a variedade de análises que os gestores demandam

Alguém então, nessa mesma reunião, tem a ideia de fazer “rapidinho” uma tabela em Excel que apresente os dados como se deseja. Nesse momento a confiança no ERP começa a erodir, até que as planilhas gerenciais se espalham pela empresa.

Convenhamos, sempre tem alguém disposto a fazer planilhas de Excel que são impossíveis de serem interpretadas, quando o que queremos é ter controle, facilidade e independência na manipulação dos dados da empresa.

O que queremos é aquilo que o vendedor do ERP nos mostrou, com gráficos lindos, e que prometeu que estaria na ferramenta que ele chamava de BI!

O início do uso prático da IA, que traz resultados visíveis, passa por conquistar domínio sobre os dados da empresa, reduzindo a dependência exclusiva do ERP e usando-o como base, mas não como limite. Não seria um grande passo?

Vamos entender como de fato funciona um ERP.

Uma série de tabelas relacionais, ou seja, planilhas que tem seus dados combinados por elos entre elas, fornecem respostas a perguntas, combinando os dados dessas tabelas de acordo com cada pergunta. As perguntas foram anteriormente definidas na parametrização e são os filtros, relatórios e dashboards do ERP.

Se uma tabela lista somente o cliente e seus dados, a outra lista os produtos da empresa e seus preços, uma outra o nome dos vendedores e mais uma os dados da matriz e das filiais.

O leitor deve agora lembrar-se que o cadastro de produtos, de clientes e dos vendedores precisam ser informados ao sistema antes que a empresa possa realmente realizar vendas.

Ou seja, o seu ERP pede para que você realize uma tarefa muito importante para ele antes mesmo de começar a funcionar: estruturar os dados. Ele só funciona a partir de dados estruturados pelo próprio usuário.

De forma simplista, quando você pergunta ao seu sistema quais foram as vendas realizadas para certo cliente, em certo período do mês, por certo vendedor de certa filial, o ERP simplesmente resgata essas informações das tabelas montadas por você e dos dados gerados pelas vendas (que se utilizaram dos dados das tabelas), e te apresenta de forma organizada e visualmente agradável.

O que e onde aprender

A partir de agora, nosso mapa de viagem tem paradas bem distintas e claras: entender o conceito de dados, compreender como dados podem ser combinados, calcular (computar) esses dados e finalmente apresentá-los de forma agradável. Seremos nosso próprio ERP, ou parte dele, já que essa ferramenta é vital para a execução das atividades diárias da empresa, com precisão e velocidade.

O primeiro conceito importante para ingressarmos no mundo prático é o conceito de dados estruturados. Dados estruturados são informações organizadas de maneira clara e consistente, geralmente em tabelas com linhas e colunas. Cada pedaço de dado se encaixa em uma categoria específica (colunas), tornando-o fácil de buscar, classificar e analisar. Em outras palavras, dados estruturados são planilhas que respeitam certas regras.

Vale salientar que a proficiência em dados e tabelas começa com boas habilidades em MS Excel.

Já para combinar essas planilhas com os dados de sua empresa, usa-se uma linguagem padronizada mundialmente chamada SQL (structured query language), ou simplesmente “linguagem estruturada para perguntas”. É utilizando a linguagem SQL, que envolve tabelas que respeitam normas (dados estruturados), que o ERP da sua empresa funciona.

SQL não é um software ou aplicativo proprietário. Criada por dois engenheiros da IBM nos anos 70, essa linguagem foi tornada o padrão mundial de estruturas de dados relacionais e seu regramento é regulado pela ISO (International Organization for Standardization).

Quando você quiser calcular dados de suas planilhas de forma independente e rápida, sejam médias de vendas, somas por categorias, intervalos, e outras formas de organizar e calcular, poderá utilizar a inteligência artificial (leia-se aqui ChatGPT).

O que antes demandava engenheiros de dados contratados pela empresa, algo que se tornava caro e inexequível em termos práticos, passou a estar a um passo das suas mãos. Na era que antecedeu a IA popular, esses engenheiros faziam esse trabalho para as empresas de ERP.

A IA aplicada a dados, na maioria das vezes, usará linguagens que estão disponíveis há muito tempo no mundo computacional, como Python (lançado em 1991) e Numpy (2006), e se demandada a gerar gráficos, Pandas (2008 – que é usado para dados) e MatplotLib (2003). Não somente essas linguagens, mas frequentemente.

Nesse ponto seu ERP começa a encontrar limites para os quais a IA pode te ajudar a ultrapassar ou nem mesmo reconhecê-los.

Aqui está a mensagem principal: alguém na sua empresa precisará aprender o que são Dados Estruturados, Python (a linguagem), Jupyter (o ambiente de testes), Pandas (análise de dados), Matplotlib (gráficos), NumPy (operações matemáticas) e SQL (banco de dados relacional), mais ou menos nessa ordem.

E é aí que entra uma inovação muito importante nos últimos anos: as plataformas de ensino. Nesse artigo usaremos como exemplo a Udemy, e daqui partimos com o passo a passo para sua unidade interna de IA, e para uma mudança sem retorno nas carreiras de todos os envolvidos.

A jornada de aprendizado

Se o leitor chegou até aqui e realmente quer que sua organização opere em ambiente de IA, precisará quebrar seus próprios tabus e medos, e correr algum risco controlado. Dentro de 6 meses o leitor certamente olhará para trás e reconhecerá uma transformação em curso.

O primeiro passo é identificar pessoas que tenham pleno conhecimento dos negócios da empresa, e que possam ser afastadas parcialmente, ao menos das crises operacionais. Se sua empresa tem o ambiente agitado demais, ou está demasiadamente alavancada de alguma forma (operacionalmente ou financeiramente), gerando um ambiente caótico, sugere-se arrumar a casa antes.

O colaborador escolhido deve ter boa noção de intervalos, o que pode se traduzir em alguém com ótima habilidade em Excel, além de boa gramática. Não exatamente isso, mas essa referência pode ajudar.

Uma boa olhada nesse artigo pode auxiliar na escolha do profissional.

(link para matéria sobre matemática, lógica e gramática).

Não há padrão de idade, mas uma pessoa com mais senioridade será a melhor opção, pois logo ela compartilhará conhecimentos pela empresa. Além disso, é importante que seja um colaborador com certo tempo de casa e que tenha compromisso de longo prazo com a empresa.

Construiremos um plano de 120 horas de estudo e 240 horas de aplicação prática, totalizando 360 horas em 6 meses, e que devem ser distribuídos de forma sensata.

Esses conhecimentos levarão a empresa a ter claras habilidades para manipular seus dados, mas é preciso reconhecer que essas 3 horas diárias, aproximadamente, não devem realizadas após o horário de trabalho, quando o colaborador está cansado e já adentrou em sua vida privada. Ou seja, um dos turnos desse funcionário deve ser dedicado à análise de dados com aplicação de IA.

O atingimento de certo nível de habilidade corporativa pode ocorrer com menor carga horária? Certamente pode, mas a regra de dedicação diária não muda. Pode ocorrer em 3 ou 4 meses, mas diariamente.

O segundo passo é o aprendizado propriamente dito. Cada aprendiz deve navegar pelos cursos da Udemy, ou qualquer outra plataforma, até encontrar aqueles que são bem avaliados e que tem boa didática.

E o profissional, agora estudante, não deve seguir com o curso se não se sentiu à vontade ou não se identificou com a didática do instrutor.

Simplesmente deve cancelar e começar outro. Essa é a magia do conhecimento ao nosso alcance na era da informação, podemos escolher entre diversas opções e optar pelas que mais combinam com nosso estilo de aprendizado.

Entre todos os novos conceitos e técnicas que se aprenderá, primeiramente uma noção muito robusta do conceito de dados estruturados precisa ser desenvolvida. O aprendiz encontrará esse conhecimento em cursos de dataset design, que geralmente são parte integrante de cursos de SQL.

Importantes técnicas e conceitos sobre limpeza de dados (data hygiene) e estrutura de dados (data structure) serão acrescentados aos conhecimentos do aprendiz nesse tema, e aqui deixo uma máxima: quanto mais limpos e estruturados seus dados, melhor será seu resultado.

Tão logo o aprendiz compreenda os conceitos de dados estruturados, é possível e aconselhável pausar os aprendizados antes de entrar na fase de aprendizado propriamente dito de SQL, migrando para um curso de Python. Outra forma de compreender o conceito de dados estruturados é por meio de vídeos de Youtube e interações no ChatGPT.

No caso de Python, o aprendiz pode consultar cursos de análise de dados em Python, por exemplo, e adquirir livros que serão usados para consultas durante a jornada de aprendizado. A editora O’Reilly tem boas opções.

O que o Python e suas extensões, como NumPy, SciPy e SymPy, fazem, de forma simplista, é automatizar cálculos matemáticos, sejam eles discretos ou contínuos. É por essa razão que ele tem papel fundamental também em IA generativa, em função de cálculos avançados, integração, equações diferenciais e cálculo algébrico, que são aplicados em dados contínuos.

Para dados discretos, matemática discreta.

É natural, nesse momento, o aprendizado do uso de aplicações de ‘notebooks’, como Jupyter. Ele é o ambiente ideal para aplicar as sintaxes em Python nas tabelas de dados usadas como teste.

E como consequência natural ocorrerá o aprendizado de Pandas, para manipulação dos dados, e Matplotlib, com o qual o Pandas tem integração de bibliotecas, para a visualização dos dados graficamente.

O que pretendo dizer com “consequência natural” é que os próprios tutores nas plataformas levarão o aprendiz a seguir o caminho do aprendizado. Não tenha medo do primeiro dia de aula, basta começar e as coisas ocorrem naturalmente.

Vamos imaginar que chegamos à metade da jornada do nosso aprendiz e ele já tem conhecimentos suficientes para se sentir mais seguro. Agora ele, ou ela, se dividirá em duas direções.

A primeira será pedir ao consultor do ERP que exporte as tabelas do sistema em formato xlxs ou csv. A essa altura nosso aprendiz já sabe do que se trata: dados estruturados. Podem ser as vendas de um período, por exemplo de um trimestre, ou os custos operacionais desse mesmo período.

A partir daí é hora de começar a usar o ChatGPT, preferencialmente em versões pagas. No momento desse artigo a versão GPT-4o dá conta se usada como suporte em codificação, e a versão GPT-o1 pode ser contratada se for usada para cálculo propriamente dito.

A título de curiosidade, o GPT-4o teve 13% de acerto na olimpíada de matemática, enquanto o GPT-o1 atingiu 83% no mesmo teste.

Nosso aprendiz pedirá ao ChatGPT que trate os dados da empresa? Não exatamente. Pegar esse atalho não é saudável.

O aprendiz utilizará o ChatGPT para escrever os códigos que quer utilizar (aplicar) no seu conjunto de dados. Para essa função o GPT-4o é mais que suficiente.

Nosso novo usuário de tecnologia, que fez cursos básicos nas linguagens citadas nesse artigo, não conhece, nem precisa conhecer todas as sintaxes dessas ferramentas, e teria que, em tempos normais, buscar nas bibliotecas disponíveis na internet para construir sintaxes (formas de pedir, de dar comando), para então testar seus modelos. Centenas, senão milhares de horas, seriam necessárias.

Em tempos de ChatGPT o objetivo não é conhecer todas as sintaxes, mas entender que sintaxes existem. A essa altura essa compreensão já está naturalmente instalada em nosso aprendiz.

Agora ele pedirá ao ChatGPT (query ou prompt), que construa as sintaxes para ele, ou seja, construa o código, e logo então aplicará as sintaxes nos seus dados.

Boom! Dados, gráficos, reuniões e decisões. E nada de esperar pelo consultor da empresa de ERP.

O leitor desse artigo, mesmo antes de iniciar a jornada de aprendizado proposta, pode tentar o seguinte, na ordem apresentada, no ChatGPT:

1 – Simule 200 produtos (x) com preços de 1,00 a 10,00. Depois, simule 300 compradores (y) de várias idades e diferentes sexos. Finalmente, simule um conjunto (q) de transações em que todos os compradores realizem pelo menos uma compra (r) que some pelo menos 01 e no máximo 4 artigos entre os 200 possíveis, apenas 01 unidade por artigo. Mostre o conjunto de dados.

2 – Proponha uma sintaxe em Python para o total de vendas em valor e em unidades. Não execute.

3 – Execute a sintaxe.

4 – Proponha uma sintaxe para filtrar as vendas por idade, filtrando o total de vendas por faixa de idade (simule faixas de idade), em quantidade total vendida e valor total vendido por faixa de idade. Proponha também uma sintaxe para calcular a venda total média por faixa de idade (ticket médio). Não execute.

5 – Execute a sintaxe.

6 – Proponha uma sintaxe em Matplotlib para plotar os dados de vendas por faixa etária em gráficos de barra. Não execute.

7 – Execute a sintaxe.

Gostou? Sentiu o cheiro de liberdade? Imagino que sim.

A nova unidade de IA, a continuidade e o futuro

Simultaneamente à jornada de aprendizado do líder da unidade de IA, é hora de contratar pessoas para que a operação floresça.
Esse profissional, já com senioridade nos negócios da empresa, e agora com conhecimentos suficientes para selecionar os primeiros integrantes do time, entra em nova fase. É indiscutível que ele deve continuar estudando, mas também precisa retornar à rotina da empresa — às atividades tático-operacionais e às decisões estratégicas.
Reunir jovens talentos que levem adiante o novo “negócio” da empresa é primordial — condição sine qua non para que os esforços dispendidos até aqui ganhem tração.

Para encontrar o segundo componente do time da nova unidade de IA — que deve ser jovem, preferencialmente um estagiário — é importante que alguém de dentro da organização mantenha vínculos com a academia. Aqui reside uma falha recorrente no ambiente corporativo brasileiro, mas deixemos essa questão de lado por ora, pois ela se afasta do tema central deste artigo.

Trazer um estagiário garante que haja uma conexão da empresa com o futuro, em virtude da entrada de novas gerações (nesse caso, a Geração Z). Além disso, oportuniza que esses jovens trabalhem com o que realmente lhes interessa, e reduz a dependência de atrair programadores ou analistas de dados já profissionalizados — profissionais que raramente se interessariam por uma empresa ainda nos estágios iniciais da curva de aprendizado e uso de novas tecnologias.

Essa é a barreira crítica vivida pelas empresas e que evidencia a dificuldade de empresas comuns – aquelas que não têm a tecnologia como parte integrante de seus produtos de venda – em desenvolver habilidades computacionais dentro de casa.
Os líderes de empresas comerciais ou de serviços, geralmente acima dos 30 anos, enfrentam falta de tempo ou ausência de convergência para aprender o uso profissional das teses computacionais.

Ao mesmo tempo, não possuem força de atração suficiente para incorporar profissionais do setor – programadores – em suas operações, que seguem, em essência, analógicas.
Na melhor das hipóteses, suas operações se sustentam em uma pseudo-digitalização, alicerçada no uso de ferramentas corporativas convencionais, como ERPs, suítes de escritório (Microsoft Office ou Google Workspace), CRMs e aplicativos de gestão de projetos como Trello, Asana ou Jira.

Deixando esse conundrum existencial de lado, avancemos para o próximo passo: encontrar nosso jovem.

A primeira contratação que marcará a entrada em uma nova era. Esse talento será descoberto entre estudantes de Economia, Matemática, Engenharias ou Administração de Empresas. É essencial que se destaquem academicamente — especialmente na linguagem universal da Matemática.

Mas atenção. Os jovens de hoje não são os mesmos de ontem. Mudaram. Evoluíram. Não compram mais a lógica modernista de “viver para trabalhar”. Estão testemunhando o ocaso do pós-modernismo e vislumbram algo novo. Rejeitam lideranças ultrapassadas, verticais, autoritárias.

Você, como líder, precisa fazer sentido. Precisa ser interessante — e interessante nos termos de hoje.

Esse jovem deverá repetir a jornada de aprendizado do nosso recém treinado líder de IA, e ir além.

Cabe agora ao nosso profissional sênior, conhecedor das novas tecnologias, a supervisão e o incentivo de nosso jovem em sua jornada de aprendizado.

O aprendiz superará o líder em pouco tempo e continuará a jornada de descoberta da organização. Caso não supere, sua unidade começou a seguir na direção errada, não conseguindo construir habilidades na empresa, e precisa de correção de rota.

Para o profissional sênior, caberá auxiliar a equipe a interrogar os dados da empresa com perguntas cruciais, como segmentação, lucratividade e, mais tarde, avançar para análises multidimensionais, cruzando variáveis e identificando correlações não evidentes.

É neste momento que se faz necessário criar um pequeno comitê dentro da empresa, responsável por formular questões aos dados e interpretar os resultados, ou seja, discutir os negócios da empresa a partir das análises geradas pela unidade de IA.

Desses insights surgirão ideias para melhorias e novas implementações, e voilà, você terá alcançado o primeiro grande marco da jornada de transformação da sua empresa: discutir a eficiência e a eficácia da organização a partir do uso de IA.

Relatórios belíssimos serão produzidos, mas o essencial será descobrir que seus produtos podem se transformar em serviços, que outros produtos podem se combinar para otimizar sinergias operacionais ou ainda, talvez, perceber que um produto não é tão competitivo ou lucrativo quanto se imaginava.

Mais que isso: a equipe que compõe sua unidade de IA estará funcional e ansiosa para perseguir o próximo marco. Acredite, após cinco a sete meses sua empresa estará inserida na era da IA e buscará novas fronteiras. Agora a empresa precisará de gestão de projetos, metas e trabalho em equipe, pois novos desafios virão.

Sobre nosso líder em IA, a depender de seu arrojo, e se quiser seguir na profissão de ciência de dados, poderá mergulhar no mundo da estatística.

Citando George Westerman novamente, e finalmente:

Comece agora. A tecnologia não é o problema, a verdadeira transformação da empresa é.

Priorize, crie regras, capacite pessoas, desenvolva habilidades e dê início aos seus projetos piloto.

Ajude sua equipe a estar pronta e engajada.

Iteração e melhoria são os caminhos. Essa é uma transformação que começará com “t” minúsculo e, com o tempo, levará a transformações com “T” maiúsculo.

Até o próximo artigo!

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