Desenvolvimento pessoal

A busca pelo caminho do meio

Depois de ligar o “review mode”, notei um padrão de comportamento curioso e muito comum no mundo corporativo

Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos...

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Era pra eu estar escrevendo sobre o desenrolar do meu plano de ações para o período sabático. Depois de 30 anos de carteira assinada, tinha muitas expectativas: viajar, me divertir, curtir a família, aprender coisas novas. E, como manda o figurino de um executivo, tudo com cronograma, prazo, orçamento bem definidos e…

Pausa. 

Essas linhas iniciais do texto me incomodaram, não entendi exatamente porquê. Fui procurar nos arquivos o meu primeiro artigo para o “Sabaticando”. Dezembro de 2019. Nele, conto o quanto planejei esse (que seria) meu momento de ócio criativo. Descrevo ali um misto de ansiedade e receio. Destaco o compromisso de revelar nos textos os pontos altos e baixos desta jornada sabaticosa. Apesar de todo o planejamento, não dava para imaginar que havia um vírus novo no meio do caminho. 

Curioso sobre a minha própria jornada, resolvi reler todos os conteúdos produzidos para o blog. No mundo corporativo alguns chamam esse processo de “After action review”. Aquele momento, no fim de um projeto, em que avaliamos se o resultado e o processo de trabalho funcionaram bem. E coletamos insights e aprendizados para aplicar em projetos futuros. 

Em janeiro de 2020, me questionei se a decisão de parada sabática tinha sido acertada. O risco de perder a relevância, de ser esquecido por não ter mais um sobrenome corporativo…

Aparentemente, digeri a dúvida e segui em frente. Mantive um ritmo forte de atividade. Continuei me exigindo o mesmo nível de produtividade e impacto. Viajei, estudei, trabalhei. Nada de contemplação. Foram tempos bons.

Em março, veio a pandemia e descobri, de forma dura, que a vida não é um algoritmo. Não há como prever e se preparar para todas as surpresas. Os gurus corporativos nos dizem que precisamos nos reinventar frequentemente. Será mesmo? O mundo não é mais VUCA, é VUPCA, agora com o ´P´ de paradoxo. Vamos incluindo acrônimos e ensinamentos na bagagem. 

A partir daí, seguiu-se um frenesi de participações em workshops, webinários e podcasts. Produzi até um EAD e um reality show! 

Vamos criar e compartilhar muito conteúdo, para sermos úteis e relevantes, Uhull!! \o/

Espera aí, não seria para nos sentirmos úteis e relevantes?

Dizem que são necessários quatro meses para incorporarmos novos comportamentos (modus operandi). Já deu, apitaria o Arnaldo! Não fosse um fato: precisamos antes adotar um novo modus pensandi, o bendito mindset. Ferrou. 

Semana passada, fiz algo bem diferente: nada. Sério. Li muito, me interessei por duas séries no Netflix, me exercitei, comi e dormi. O nome disso é mesmo ´nada´? 

Pensando melhor agora, depois do que escrevi para esta edição, acho que o incômodo das primeiras linhas veio de perceber que ainda mantemos nossos papéis compartimentalizados. De outra forma, por que sermos forçados a nos desligar de uma empresa para podermos nos divertir, aprender, curtir a vida? Perdemos todos com isso: os profissionais, que não conseguem equilibrar os dois lados da vida e são levados a uma ruptura com as empresas, e as empresas, que abrem mão de profissionais renovados, reinventados e energizados pós-experiências sabáticas. Salve a contradição nossa de cada dia.

Por que encarar a vida com o rigor das metodologias de gestão de empresas? Por que definir prazos, cronogramas e orçamento para os prazeres da vida? Por que insistir em manter isso tudo separado? 

Sigo procurando o caminho do meio.

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Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos...

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