Uncategorized

A cooperação é a moeda do futuro

Diferente da maioria dos moradores de São Roque de Minas, cidade de 6 mil habitantes da região da Serra da Canastra (MG), João Carlos Leite pôde frequentar a universidade. Formou-se em agronomia pela Universidade Federal de Lavras e, em vez de ganhar o mundo como sonhava o pai, decidiu transformar São Roque na Suécia brasileira. A seguir, Joãozinho, como é conhecido o cofundador e presidente do conselho da Saromcredi, conta como sua cooperativa de crédito está inspirando o Brasil
Editora-executiva da HSM Management

Compartilhar:

**5) A Saromcredi já movimenta mais de R$ 300 milhões de ativos financeiros ao ano e o plano é chegar a R$ 1 bilhão em 2031. O que faz sua cooperativa de crédito crescer a taxas de 10% a 15% ao ano, mesmo em tempos difíceis para vários setores no Brasil?**

Historicamente, o cooperativismo de crédito se fortalece em tempos de crise, pois surge como alternativa para que a população tenha acesso mais barato ao capital. É assim que nosso cooperado [empresa] consegue competir no mercado: ele produz a um custo mais baixo; com isso aumenta a produção, gera mais emprego, e esse dinheiro circula na cidade para a compra de produtos e serviços. E é assim que a qualidade de vida das pessoas e da sociedade melhora. O resultado da 

Saromcredi é, na verdade, o resultado desse desenvolvimento econômico e social promovido pelo cooperativismo na região. 

Começamos em 1991 com a cooperativa de crédito, mas hoje já contamos com outras formas de cooperação, como uma cooperativa educacional, chamada Instituto Ellos, e a Aprocan [Associação dos Produtores de Queijo Canastra]. Com o cooperativismo, percebo uma revolução silenciosa no modelo de desenvolvimento do País. Basta comparar o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] das cidades com e sem cooperativas de crédito.

**4) Você não entendia nada de banco    e nunca tinha atuado no ramo da educação. Mesmo assim, fundou uma cooperativa de crédito e uma educacional que hoje são referências no Brasil. O que move você?**

Entendi que o cooperativismo é um antídoto para o lado mau do capitalismo – a concentração de riqueza. Afinal, qual é o maior problema do Brasil hoje? Desigualdade social. Quando vejo produtores ganhando dinheiro, empresas crescendo, alunos passando nas melhores universidades e famílias orgulhosas, isso me move. Cooperativismo distribui renda e quebra monopólios. 

Com o cooperativismo, aprendi que mesmo uma cidade tão pequena como São Roque de Minas é capaz de resolver seus problemas. Quando, nos anos 1990, o último banco foi embora da cidade alegando que não era uma boa praça bancária, todo mundo quis ir embora também. Formiga, o município mais próximo, fica a 120 quilômetros e metade disso em estrada de terra. Seria  inviável prosperar nesse contexto. A Saromcredi e o Instituto Ellos mudaram o contexto. Isso me move. 

**3) A ética é um dos valores centrais dos cooperativistas. Levando em conta a discussão no Brasil atual, como vocês abordam o tema?**

Eu aprendi com meu pai que é melhor falar pouco e fazer muito. A gente não precisa falar de ética, basta ser ético – palavras vão com o vento, exemplos não. E hoje temos muita gente aqui dando bom exemplo: diretores, funcionários, cooperados. 

Já no Instituto Ellos, as crianças têm aulas de valores cooperativistas em que mostramos, por exemplo, que é falta de ética fazer bullying e que você precisa ser solidário. Trabalhamos com ética no dia a dia, mas, para sustentar isso, ensinamos ética lá na base, para as crianças. 

Como nosso sonho é ter R$ 1 bilhão de ativos até 2031, precisamos ter responsabilidade – já que muito dinheiro vem acompanhado de muito poder. Por isso, o capital precisa ser gerido por pessoas éticas e solidárias, que pensam no desenvolvimento da comunidade. Percebo que as novas gerações já questionam mais as coisas e não aceitam os maus exemplos. Temos com elas a oportunidade de mudar o Brasil – e isso me faz crer que a cooperação é a moeda do futuro.

**2) Moeda do futuro? Por favor, explique.**

Bom, eu penso que, se o comunismo é teoricamente bom em distribuir riqueza e o capitalismo é muito eficiente em gerar riqueza, o cooperativismo une esses dois mundos ao adotar o melhor dos dois modelos. Para ficar mais claro, vou dar o exemplo dos produtores de queijo canastra aqui na região. São cerca de 800 produtores, 400 só em São Roque de Minas. Se somarmos o faturamento de todos, temos algo em torno de R$ 20 milhões ao ano. Porém, estávamos operando na clandestinidade, porque a produção de queijo feito de leite cru estava proibida no Brasil desde a década de 1950. 

A gente se perguntava: se é tão perigoso, por que a gente come esse queijo e não morre? Inconformados com a falta de resposta, fomos até a França para entender o processo produtivo deles e começamos a importar boas práticas. E também atuamos para que o governo revisse a lei. Em 2018, finalmente, isso ocorreu e a produção de agroartesanais voltou à legalidade. O que nós fizemos? Criamos a Aprocan, associação que hoje conta com 58 associados, dos quais 23 já estão com seu produto adequado às novas normas. Criamos uma marca coletiva e já nascemos faturando R$ 12 milhões ao ano. Um queijo que antes era vendido por R$ 10 ou R$ 15 o quilo hoje pode ser vendido por R$ 50. De quem é essa empresa? É de todos. Todos produzem e vendem individualmente, mas todos cooperam em defesa de uma marca e de uma renda mais justa para todos. É aí que vemos a cooperação como moeda. 

**1) Que tipo de líder é o Joãozinho e que tipo de pessoa você gosta de ter trabalhando ao seu lado?**

Para começar, não me vejo como líder – acho que líderes mesmo houve poucos na história do mundo. Eu me enxergo como gestor: procuro ser eficiente na gestão e criar bons resultados. Se você chegar aqui na cooperativa e perguntar “cadê a mesa do presidente?”, não vai encontrar. Eu sento num cantinho, sento no outro. Não sou chefe de ninguém. Só estou presidente quando estou no conselho. No mais, sou cooperado como todos os outros, às vezes exercendo funções executivas. Quando temos um problema, todo mundo opina e toma as decisões em conjunto. 

Sobre as companhias, aprendi que é bom ter pessoas mais inteligentes do que a gente no time. Gosto de quem possa me ensinar coisas. E gosto de pessoas que sonham e querem crescer, positivas e éticas. Não gosto dos pessimistas, dos fofoqueiros, dos que falam uma coisa e fazem outra.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A aposta calculada que levou o Boticário a ser premiado no iF Awards

Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Tecnologia & inteligencia artificial, Inovação & estratégia
19 de setembro de 2025
Sem engajamento real, a IA vira promessa não cumprida. A adoção eficaz começa quando as pessoas entendem, usam e confiam na tecnologia.

Leandro Mattos - Expert em neurociência da Singularity Brazil

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de setembro de 2025
Ignorar o talento sênior não é só um erro cultural - é uma falha estratégica que pode custar caro em inovação, reputação e resultados.

João Roncati - Diretor da People + Strategy

3 minutos min de leitura
Inovação
16 de setembro de 2025
Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Magnago

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de setembro de 2025
O luto não pede licença - e também acontece dentro das empresas. Falar sobre dor é parte de construir uma cultura organizacional verdadeiramente humana e segura.

Virginia Planet - Sócia e consultora da House of Feelings

2 minutos min de leitura
Marketing & growth, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
12 de setembro de 2025
O futuro do varejo já está digitando na sua tela. O WhatsApp virou canal de vendas, atendimento e fidelização - e está redefinindo a experiência do consumidor brasileiro.

Leonardo Bruno Melo - Global head of sales da Connectly

4 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
11 de setembro de 2025
Agilidade não é sobre seguir frameworks - é sobre gerar valor. Veja como OKRs e Team Topologies podem impulsionar times de produto sem virar mais uma camada de burocracia.

João Zanocelo - VP de Produto e Marketing e cofundador da BossaBox

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, compliance, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Liderança
10 de setembro de 2025
Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura - às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Tatiana Pimenta - CEO da Vittude

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
9 de setembro de 2025
Experiência também é capital. O ROEx propõe uma nova métrica para valorizar o repertório acumulado de profissionais em times multigeracionais - e transforma diversidade etária em vantagem estratégica.

Fran Winandy e Martin Henkel

10 minutos min de leitura
Inovação
8 de setembro de 2025
No segundo episódio da série de entrevistas sobre o iF Awards, Clarissa Biolchini, Head de Design & Consumer Insights da Electrolux nos conta a estratégia por trás de produtos que vendem, encantam e reinventam o cuidado doméstico.

Rodrigo Magnago

2 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
5 de setembro de 2025
O maior desafio profissional hoje não é a tecnologia - é o tempo. Descubra como processos claros, IA consciente e disciplina podem transformar sobrecarga em produtividade real.

Diego Nogare

6 minutos min de leitura