Sustentabilidade

A Escalada Atual (e os excessos)

Apoiada na tecnologia e na globalização – e na crise econômica em nosso País –, a atividade de coaching se expande e se democratiza, mas tem desafios a enfrentar

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O coaching executivo ganhou os holofotes nos últimos cinco anos. A última projeção feita pela International Coach Federation (ICF), a maior entidade do setor, estimava o mercado mundial em US$ 2,3 bilhões. As taxas de crescimento têm ficado na média de 20% a 30% ao ano. No Brasil, o boom é mais recente: o setor começou a crescer em 2015 e o impulso veio mesmo em 2017. Em 2018, a atividade foi parar em novela da TV Globo e chamou a atenção no YouTube, onde foi mencionada pelo influenciador digital Felipe Neto. As duas maiores celebridades do coaching mundial subiram nos palcos brasileiros este ano – Marshall Goldsmith e Tony Robbins –, diante de grandes plateias, compostas de muitas pessoas que sonham trabalhar como coaches. Também mais pessoas querem virar coachees – até jovens recém-saídos da faculdade já procuram esse tipo de treinamento.

O movimento expansionista coincide com o amadurecimento de dois ícones do coaching executivo. Tim Gallwey, que veio dos esportes e é considerado o pai dessa prática, está prestes a completar 80 anos. Marshall Goldsmith, a referência número 1 desse mercado, faz 70 anos em 2019. Ao que tudo indica, a maturidade do conceito levou a um novo ciclo de crescimento: o serviço antes elitizado vai ganhando escala e se globalizando, com o auxílio luxuoso da tecnologia. A explicação? O tamanho da oportunidade. 

Uma pesquisa feita há quatro anos por sua empresa com quase 50 mil pessoas ao redor do mundo revelou que apenas 8% dos líderes empresariais conseguem inspirar e impactar seus liderados, como diz o holandês Will Linssen, um dos líderes do Marshall Goldsmith Stakeholder Centered Coaching (SCCoaching), ou Marshall Group, a maior rede de coaching executivo do mundo. Linssen faz as contas: as pessoas costumam ter 30 anos de vida profissional e um chefe a cada dois anos; não é exagero dizer, então, que, dos 15 chefes a que servem ao longo da carreira, sentem que somente um se importa com elas e, naturalmente, engajam-se somente com esse que lhes causa impacto. É um quadro grave. “Não à toa, as pessoas vão trabalhar odiando a segunda-feira e amando a sexta”, comenta ele. Criar novos líderes ou melhorar o comportamento dos outros 92% é uma tarefa à procura de muitos braços. Só o Marshall Group quer elevar o percentual de líderes inspiradores para 15%, 20% e depois 30% – nos próximos 25 anos. E os concorrentes também podem fazer sua parte. O coaching não é a única solução para esse déficit, é claro; há MBAs, universidades corporativas e outras opções. Mas ele é a solução personalizada por excelência, e isso é uma grande vantagem. 

A popularização do coaching é acompanhada de maior concorrência também. Até pouco tempo atrás, por exemplo, não havia muita competição no mercado de coaching executivo fora dos Estados Unidos. Os EUA concentram cerca de 50% dos negócios de desenvolvimento de recursos humanos do mundo, segundo estimativas de alguns especialistas, e era o foco principal dos players. Com a tecnologia e a globalização econômica, no entanto, outros mercados ficaram atraentes na relação custo-benefício e a competição se acirrou.  

**PARTICULARIDADES  DO BRASIL**

Para crescer, o coaching conseguiu finalmente superar um preconceito que enfrentava no País: a de que era o último recurso para “consertar” um profissional antes da eminente demissão, como conta João Luiz Pasqual, presidente da ICF Brasil. E ele cresceu bastante na esteira da falta de autoconhecimento por parte dos brasileiros. Essa é a opinião de Luiz Carlos Cabrera, sócio-fundador da Panelli Motta Cabrera e um dos coaches mais requisitados pela liderança sênior das empresas. “Por não se dedicarem ao autonhecimento, muitos profissionais têm dificuldade de performance ou de ajuste ao clima organizacional – às vezes, os valores da empresa são diferentes dos da pessoa e ela nunca havia parado para pensar no assunto”, diz ele. 

A ascensão do coaching no País também é fruto de duas crises: a econômica e a falta de confiança do meio empresarial na própria capacidade. Por conta da primeira, muitas pessoas se viram sem emprego, e buscam essa opção vislumbrando uma carreira com alto retorno financeiro. Por causa da segunda, há mais empenho das companhias em contratar coaches para seus executivos, visando melhorias diversas. Nas palavras de José Roberto Marques, presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), responsável pela ação de merchandising na novela O outro lado do paraíso, da TV Globo, quando as oportunidades escasseiam, “é preciso se reinventar para se manter vivo”. 

Com isso, todo o ecossistema do coaching cresceu muito e rápido – coaches, escolas, publicações, entidades certificadoras etc. E isso gerou um novo problema, como observa Jorge Dornelles Oliveira, um dos fundadores do Instituto EcoSocial: a desorganização. Pasqual se refere ao fenômeno como a “banalização do coaching”. Os resultados são muito desiguais, assim como os paradigmas de preço. Pasqual credita a banalização à grande oferta de formações de curtíssimo prazo, as quais devolvem para o mercado pessoas despreparadas e sem o repertório profissional necessário – e maus profissionais arranham a imagem da categoria. 

O segmento precisa passar por uma etapa de purificação, argumenta Oliveira. “A desorganização não é exclusividade do Brasil; também ocorre nos Estados Unidos, com o crescimento acelerado observado lá. A diferença é que o mercado contratante norte-americano já aprendeu a diferenciar o joio do trigo”, afirma o presidente da IFC Brasil.

Marcos Wunderlich, presidente do Instituto Holos, concorda com as análises, mas acrescenta que esse é um movimento normal de qualquer mercado. “A curva de distribuição tem um pequeno grupo excepcional de profissionais, um grande grupo de profissionais que atendem às necessidades do mercado intermediário e outro pequeno grupo que nem deveria estar atuando”. Não seria diferente com o coaching.

**JOIO E TRIGO**

Como pode se dar a reorganização do mercado? As opiniões se dividem. Alguns especialistas ouvidos por **HSM Management** gostariam de proteger os contratantes com uma formalização ou até a regulamentação da profissão, como na Itália, onde é ensino tem regras mais formais. Já outros preferem o modelo dos Estados Unidos, onde o coaching é uma atividade autorregulamentada, e não profissão, e a própria concorrência entre os diferentes cursos e certificações se encarrega de separar joio e trigo. Em 2009, foi apresentado um projeto de lei pedindo a regulamentação do coaching no Congresso Nacional – de número 5.554, do então deputado Capitão Assumção (PSB-ES) –, mas ele foi arquivado.

A aproximação da academia, obrigatória ou não, pode promover uma espécie de seleção natural do mercado. “Para regulamentar a profissão, seria preciso estruturar um curso reconhecido pelo MEC [Ministério da Educação]”, opina Pasqual. A inclusão de uma disciplina de coaching em nível de MBA, como já tem acontecido, pode fazer essa aproximação, em sua visão.

O esperado amadurecimento também está nas mãos dos contratantes – mais nas das pessoas jurídicas do que nas das pessoas físicas em um primeiro momento. A expectativa é de que, quando as empresas estiverem mais acostumadas com o bom processo de coaching, serão mais rigorosas na escolha dos profissionais – e os coaches mal treinados e sem atuação ética sairão do mercado. Embora essa depuração pelo contratante deva ter uma linha do tempo longa no Brasil, como prevê Pasqual, ela certamente ocorrerá aqui, mais dia, menos dia.

Uma maneira de aumentar a qualidade é garanti-la em algumas bases. Por exemplo, muitas metodologias embutem os princípios da programação neurolinguística – e, se esta for aplicada com rigor, isso já eleva a qualidade por si só. “A PNL descreve o que o ser humano já pensa, como comunica e processa informações. É uma ferramenta que traz muitas vantagens”, conta Arline Davis, CKO (executiva-chefe de conhecimento) da Sociedade Brasileira de PNL, onde dirige o Knowledge Center, núcleo de profissionais dedicados a gerar conhecimentos na área de PNL e coaching.

“Conheço muitos bons coaches que não usam PNL, é claro, mas, pelos relatos dos que passam a utilizá-la, a PNL sempre faz diferença”, diz Davis, que também é presidente no Brasil do International Association of Coaching Institutes (ICI).

IMPULSO DA TECNOLOGIA

A tecnologia pode ter dois papéis a desempenhar no mundo do coaching: o de organização das referências – que favorece a purificação – e da facilitação de contatos entre instrutores e alunos de coaching, e entre coachs e coachees.

 Silvana Oliveira, que foi coachee enquanto era executiva na Caixa Econômica Federal, decidiu um ano atrás deixar seu emprego bem remunerado e estável para estudar coaching. “Saí para o processo de autoconhecimento. Isso até podia ter acontecido dentro do banco, mas meu caminho era outro”, relembra.

Então, por meio de networking com pares, percebeu uma oportunidade de criar uma plataforma digital para coaches, vendo que o negócio com eles não precisa se limitar a formação e atualização. As tarefas de vender o processo e de fazer o marketing para chegar aos potenciais coachees são dores para eles. “Os coaches costumam ficar mais preocupados e dedicados a essas atividades paralelas do que ao seu core business”, conta. Então, Oliveira está desenvolvendo a NeoHub Solutions, uma startup cuja plataforma digital tem a missão de aproximar coaches e coachees e entrará no ar ainda neste ano. Assim, os coaches poderão se concentrar na qualidade e terão mais parâmetros de comparação para isso. E Oliveira pensa longe – quer colocar a plataforma em outros países, como o México.

Outro negócio que surgiu para impulsionar o setor é o Mentoring4You, plataforma digital que conecta coaches com empresas que buscam soluções e com instituições de formação. A plataforma oferece vários serviços para facilitar o dia a dia do coach, como sistema integrado de gestão de sessões; plano de desenvolvimento do processo e controle de faturamento; gestão de sumário e relatórios; conexão e integração com clientes por meio de agenda, gestão de tarefas e follow-up; além de blog e integração com redes sociais. A plataforma prevê o lançamento de estrutura de videoconferência para sessões online individuais ou em grupo. 

Já no aprendizado dos coaches, a tecnologia veio permitir cursos a distância, e já são oferecidos por várias escolas no Brasil. É por e-learning que o Marshall Goldsmith Group faz todo o treinamento inicial, como o leitor verá no último texto deste Dossiê. 

O avanço tecnológico tem realmente se mostrado um facilitador das relações entre coach e coachee. Entre as sessões, o coachee tem levado fatos pontuais para o coach em contato por Skype ou Zoom, por exemplo. Até há quem faça quase todo o processo a distância. Mas há limites que devem ser observados, contudo. Especialistas experientes como Vicky Bloch, consultora de carreira da VBA, não é entusiasta do modelo. “Muitos falam de democratizar o coaching com a tecnologia. Sou mais contra do que a favor. Considero que a relação pessoal e presencial é insubstituível, principalmente nos pontos profundos de reflexão e nas dinâmicas. O início do processo tem de ser olho no olho; só depois algumas etapas podem ser por Skype”, opina.

O FUTURO

“O coaching é uma ciência que veio para ficar e é a atividade que mais cresce no mundo”, avalia Villela da Matta, cofundador da SBCoaching. “Antes, o desenvolvimento de um líder levava 15 anos e, hoje, isso precisa acontecer mais rápido. O coaching serve para acelerar esse processo.” 

Wunderlich acrescenta que a necessidade de treinamento e desenvolvimento comportamental e atitudinal antes era suprida pelas próprias empresas e escolas de negócios, mas, nos últimos 20 anos, as habilidades técnicas tornaram-se a prioridade. Agora, com a complexidade do ambiente, veio à tona o gap nas questões de atitude, assertividade e estado emocional – e é aí que entra a atividade de coaching. Além disso, as empresas perderam, no passar dos anos, o olhar individualizado sobre seus funcionários, e o coaching o resgata.

E o que o dinheiro diz disso tudo? Esse é um mercado em que não se divulga faturamento, nem no Brasil, nem lá fora. Mas a Febracis Coaching, uma exceção, revela ter faturado R$ 120 milhões no ano passado, com 600 funcionários e 30 unidades em todo o Brasil. É uma medida.

No futuro, o coaching talvez tenha impulsionadores diferentes. Por exemplo, se a falta de autoconhecimento é um forte impulsionador hoje, a inclusão obrigatória da disciplina “habilidades socioemocionais” na grade curricular da educação infantil e fundamental do Brasil até 2020 deve atenuar o problema. Nada indica, porém, que as pessoas vão parar de buscar ser melhores e mais felizes, na visão de Wunderlich. 

Os millennials já estão sustentando essa onda e os futuristas da Inova Consulting enxergam sua continuidade nas tendências  para o período 2020-2030 – na preocupação crescente com o próprio bem-estar, na ascensão da economia da experiência (o coaching é uma experiência), no imediatismo (o coaching é relativamente rápido). O Marshall Group avalia que a indústria ficou jurássica e vê muitas inovações no horizonte. “Nós mesmos temos várias no pipeline”, adianta seu executivo Will Linssen. 

A **ESTREIA DE TONY ROBBINS NO BRASIL,**

_por Paulo Campos_

Quinta-feira, 9 de agosto de 2018. Lá estava eu na fila para entrar na palestra do Tony Robbins, considerado o melhor coach do mundo, um estrategista de negócios e vida que já impactou mais de 50 milhões de pessoas. Uma autoridade na psicologia da liderança, programação neurolinguística (PNL) e autor de diversos best-sellers.

Eu não via a hora em que Robbins entraria no palco – eu e mais quase 13 mil pessoas. Afinal, seu estilo de alto impacto hoje é modelo para vários coaches. Depois de uma manhã de expectativa, almoço e volta para o plenário, ele entra, como dinamite pura! Sua energia, voz, postura e estratégia de comunicação deixam todos envolvidos e participativos. Já tinha assistido ao filme dele no Netflix, Eu não sou seu guru. Só que ao vivo é outra história. O auditório, com uma temperatura de 16°C, exigência do Robbins para que as pessoas se mantivessem atentas, após as três horas ficou quente de emoção, descontração e aprendizado. 

Um dilema comum durante a tarde era saber se você anotava as frases de efeito, conversava com o colega ao lado ou prestava atenção no que estava sentindo. Para uma plateia de profissionais de coaching, treinamento e desenvolvimento de liderança, Robbins abordou a importância da repetição (“leia todo dia, pelo menos 30 minutos”, enfatizou), de ter foco, de buscar energia para fazer as coisas (com respiração, movimento ou alongamento), bem como a relevância de copiar boas práticas.Mais mentor do que coach, Robbins acredita que a partir de um padrão de comportamentos você pode conseguir resultados iguais ou muito próximos, o que ele chama de modelagem.

Tony Robbins conduziu muitos exercícios práticos em sua imersão: como se apresentar a pessoas que não conhecia de diferentes formas, compartilhar histórias de fracasso e sucesso, avaliar sua postura e o impacto que ela causa na comunicação e pulos, muitos pulos. Era tudo tão rápido que mal dava tempo de pensar – e a intenção era essa mesmo. Quem quer mais conteúdo tem de ir aos livros dele (meus preferidos são O poder sem limites e Desperte o seu gigante interior).

Em alguns momentos Tony Robbins descia do palco e caminhava nos corredores da plateia. Cinco seguranças faziam a escolta, quase como em um show de rock, enquanto as pessoas registravam tudo no celular. Quando ele chamava alguém para falar diretamente com ele, aí era surreal a emoção do escolhido. O programa de Robbins consistiu de sete horas de uma experiência coletiva, um experimento de cada um consigo mesmo e também um exercício de paciência e flexibilidade (na verdade, a infraestrutura era ruim).

Por que uma experiência? Porque, dependendo da pessoa, as reflexões do coach, suas frases de efeito e exercícios simples, embalados em seu grande carisma, podem fazer incorporar alguns conceitos antes compreendidos só de modo racional (e superficial).

_Paulo Vieira de Campos atua na área de recursos humanos há 26 anos, com programas corporativos em liderança,  gestão de pessoas e autoconhecimento. Desde 1996 é professor de cursos de pós-graduação e educação executiva,  e é autor do livro A estreia do líder – Os primeiros passos na trilha da liderança, além de vlogueiro da HSM Management._

**O INTERESSE DOS MAIS JOVENS PELO COACHING**

_por Tatiana Pina_

Vemos um crescente interesse dos jovens pelos programas ”Orientação de carreira” e “Coaching de carreira”. Quando questionados quanto ao motivo de nos procurarem, as falas mais comuns são: “Tenho muitas possibilidades de carreira”, “Tenho dificuldade de escolher uma área de atuação”, “Tenho dificuldade de saber minhas competências mais desenvolvidas”, “Não consigo passar nos processos seletivos, pois tenho dificuldade nas entrevistas e nas dinâmicas”. 

Realmente as possibilidades de carreiras aumentaram e os processos estão cada vez mais exigentes, porém ao longo desses oito anos de atuação como orientadora de carreira percebo que o principal motivo dessas “dores” é apenas um: a falta de autoconhecimento desses jovens. 

Vejo claramente nos meus atendimentos que a maioria dos jovens não se conhece, não sabe do que gosta, nem suas motivações, nem o que faz bem. Isso difi culta, e muito, na hora de escolher uma área de atuação e/ ou uma empresa que tenha mais a ver. Eles também não sabem falar sobre si em um processo seletivo, não sabem se valorizar e nem “se vender” bem, e isso impacta diretamente sua entrada ou recolocação no mercado. Isso também lhes difi culta o desenvolvimento profissional, pois quando alguém não conhece suas forças e seus gaps não consegue aproveitá-los e cuidar deles, respectivamente. 

Mais e mais jovens estão entendendo isso, sozinhos ou com ajuda dos pais, e passam a procurar cada vez mais os processos de coaching, em geral compostos de encontros individuais semanais, variando de três a dez encontros. Ao fi nal do processo vejo-os mais seguros e confiantes para fazerem suas escolhas e/ou falarem sobre si. Vale enfatizar que os resultados dependem muito mais do coachee do que do coach. O processo não faz mágica por si.

_Tatiana Pina É psicóloga com pós-graduação em psicopedagogia, consultora de desenvolvimento de carreira da Cia de Talentos, professora convidada do Insper desde 2013 e tem formação de coach pela Sociedade Brasileira de Coaching._

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