Liderança, Marketing e vendas

A escassez de talentos digitais

Porque é tão difícil encontrar as pessoas certas e o que fazer para mudar este cenário
Co-fundador da Resultados Digitais, líder de automação de Marketing na América Latina e nos 8 primeiros anos da empresa liderou a criação e escalada da área de Marketing, tida como referência no Brasil. Pela RD se tornou também Empreendedor Endeavor e recebeu os prêmios de Empreendedores do Ano pela Endeavor (2017) e pela Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios na categoria serviços (2015). Também foi eleito um dos Forbes Under30 em 2019. Formado em administração pela Universidade Federal de Santa Catarina, foi professor de marketing digital na pós gradução da PUC RS, Be Academy, Estácio (SC) e Sustentare. Também foi eleito o profissional do ano em Inbound Marketing três vezes consecutivas pelo Prêmio Digitalks (2016, 2017 e 2018).

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Na minha [coluna de estreia](https://www.revistahsm.com.br/post/a-cura-para-o-trauma-na-digitalizacao-de-marketing-e-vendas) aqui na HSM Management falei sobre o momento em que dominar o mundo digital passa a ser obrigação e que para isso há alguns traumas a serem curados.

A ideia hoje é dar sequência a essa conversa trazendo um primeiro obstáculo que muita gente encontra ao colocar a mão na massa: ter profissionais preparados para os desafios impostos pelo marketing digital.

Quase toda semana eu recebo pedidos de indicações para vagas e raramente tenho alguém para indicar. É preciso entender porque isso acontece e o que fazer para mudar esse cenário.

## A mudança é mais relevante do que parece

Com alguma frequência, vejo representantes do marketing tradicional (termo que vou usar aqui para me referir ao mundo pré-digital) de alguma forma minimizando o quanto as coisas mudaram, ou tendo pouco senso de urgência para a necessidade de se reinventar. 

Sob o forte argumento de que a base continua a mesma, há a crítica a uma nova geração que talvez não tenha lido Kotler ou Porter e que, portanto, não sabe bem o que está fazendo ou não tem a profundidade suficiente de quem aprendeu com os melhores. “Eu entendo é da estratégia e posso colocar alguém para apertar os botões e ferramentas” parece ser uma mentalidade comum.

Assim como um bom imóvel, em que o terreno e a fundação são essenciais, eu reconheço a importância da boa base dos grandes pensadores e tenho inclusive a mesma visão: a fundação continua sendo a mesma.

A necessidade de entender mercado e competição, definir posicionamento e traçar perfil de cliente, entre outras do manual tradicional, ainda é a pedra fundamental de um trabalho de primeira qualidade. Mas a verdade é que isso está longe de ser o suficiente e garantir o todo. A forma de trazer essa base para a superfície mudou (e continua mudando) rapidamente. 

A competição por atenção é maior que nunca. Agora todo mundo pode ter voz, ser um influenciador e funcionar como canal de mídia, fragmentando o alcance e disputando o tempo do consumidor. Isso já torna muito mais difícil (ou no mínimo bastante diferente) a antiga mecânica do plano de mídia, que escolhia em uma lista bastante limitada quais eram os veículos mais adequados para levar a mensagem ao público. 

A entrega da mensagem se baseava em um modelo de escassez de conteúdo. Eram poucos os canais para se informar, se entreter, aprender e, por isso, as interrupções com anúncios eram aceitas e o consumidor até via certa utilidade nas mensagens publicitárias. 

Hoje, com o controle nas mãos, escolhemos tudo: de quem seguir nas redes sociais a quando e como fazer buscas no Google. Os anúncios não desapareceram, mas agora possuem um impacto muito menor do que antes. Os anúncios interruptivos são tão malvistos que, quando há opção de pagar para não ser incomodado, o consumidor paga (alô Spotify). Isso muda muito as mensagens que usamos para abordar o cliente e conseguir nos manter próximos para construir uma marca realmente valorizada por ele. Se não entregar valor o tempo inteiro, não funciona. 

Outros temas, como o aumento da competição entre produtos da mesma categoria, evolução da tecnologia que permite novos modelos de aquisição (como o freemium, por exemplo), surgimento de novos canais, também reforçam o ponto que resume essa primeira discussão: a forma de operar impacta na estratégia e vice-versa. Como as coisas são feitas importa tanto quanto o que é feito. Hoje, entender aquela base, mas não entender com profundidade todo o resto, é muito pouco. E esse “resto” é na verdade um imenso universo, que demanda muito aprendizado. O que nos leva ao segundo grande problema.

## A educação tradicional não acompanhou a transformação do mundo

Os meios formais de aprendizado são, no geral, lentos. Os professores são cobrados por um histórico acadêmico e não necessariamente pela prática empresarial. É preciso que sigam uma literatura consolidada. É uma burocracia imensa mudar a grade ou currículo de matérias. E o que vemos na prática é algo muito distante dos conhecimentos técnicos necessários citados acima.

O que a educação formal continua fazendo, com raras exceções, é dando a base, aquela mesma de anos e anos atrás. Talvez possamos assumir que este realmente seja o seu papel. Mas como é feita a outra parte? Como se aprende sobre as práticas que mudaram e sobre os novos canais?

Fomos criados ouvindo que não pode conversar na sala de aula, que a prova é individual, sem consulta, e que há uma única resposta certa para a pergunta. E também que a gente estuda, depois trabalha e depois se aposenta.

Quando a gente é adulto e vai trabalhar, o que acontece é o oposto em todos os sentidos. Precisamos de mais do que conversas, precisamos entender e nos conectar verdadeiramente a outras pessoas. Não temos quaisquer restrições quanto a consultas, mas precisamos desenvolver a habilidade de conseguir separar o joio do trigo no mar de informações disponíveis. A resposta certa raramente existe, são vários cenários e possibilidades que a gente só descobre depois que faz. E que a lógica do estuda, trabalha e se aposenta não faz sentido. Não dá só para trabalhar, é preciso continuar o tempo inteiro aprendendo. E sobre aposentaria, é melhor poupar o comentário

Não é surpresa então que tanta gente se sinta perdida. Não fomos treinados para esse contexto. E há uma minoria, que por sorte ou talento, consegue se virar sozinha. Elas aprendem a conectar os pontos, a encontrar os padrões, a estudar sozinhas. E se destacam. É incrível o quanto esses profissionais não ficam desempregados, estão sempre disputados a salários altíssimos. 

## O que fazer então nesse cenário?

Entender e reconhecer o problema é o primeiro passo para quem deseja começar seu processo de renovação. Saber que existe um caminho a percorrer e que ele não será fácil é, na verdade, já dar os primeiros passos.

É fundamental que as empresas entendam também seu papel como formadoras. Se elas precisam desse conhecimento, se não é fácil e nem barato encontrar gente pronta, se a educação formal não ensina e se a maioria das pessoas não consegue juntar as peças sozinhas, alguém tem que agir para mudar a situação. E a empresa é quem mais sofre caso isso não aconteça. 

E o caminho é menos óbvio. Ele vem da troca com quem já entendeu e com quem está entendendo. Ele vem de encontrar os bons exemplos e aprender com eles (os novos unicórnios brasileiros, nativos digitais, são ótimas referências). Vem de formar um conselho de marketing e trazer essas pessoas para contribuir com alguma frequência. Vem também de mentorias, da participação em grupos, comunidades, eventos, cursos livres etc.

E é por isso que, mais do que aprender, o que o cenário pede é desaprender. É por isso que eu acho que as pequenas saem na frente e que as startups estão crescendo muito mais rápido. A pequena ainda está se descobrindo e é fácil implementar um caminho novo. As grandes já têm uma operação, já têm algo a perder e por isso têm medo. Quando o medo de perder o que já tem é mais forte do que a abertura para pensar o que pode ser, o fracasso vira questão de tempo.

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