Cultura organizacional

A flexibilidade que os talentos querem

Centralizamos a conversa sobre flexibilidade em onde e em que horários as pessoas trabalham, mas há muito mais a considerar
Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

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Em um dos episódios mais recentes do ótimo podcast [WorkLife](https://www.ted.com/podcasts/worklife), criado e apresentado pelo psicólogo organizacional Adam Grant, a conversa foi sobre flexibilidade para além de horário e local de trabalho. Esse “além” muito me interessou porque noto que as discussões mais recentes sobre flexibilidade estão totalmente focadas no debate remoto-híbrido-presencial, o que é justo, considerando o contexto pós-pandemia. No entanto, sem abordar outros aspectos de flexibilidade ligados não ao onde e ao quando, mas ao trabalho em si – quantidade, qualidade (não de entrega, mas de demanda), com quem ele é feito e seu grau de importância – seguiremos andando em círculos nesse assunto.

Grant e seus convidados, que relatam suas experiências de trabalho na empresa Gore (dona do famoso Gore-Tex, membrana de tecido à prova d’água e respirável) e de pesquisa na Harvard Business School, falam de aspectos de flexibilidade que aparecem também em muitas conversas que tenho a oportunidade de conduzir durante trabalhos de consultoria. Nelas, não é raro ouvir sobre desejos de flexibilidade ligados a projetos, equipes, temas de trabalho e, principalmente, controle do próprio tempo.

Um dos entrevistados fala sobre sua participação em um projeto que resultou em um produto para aumentar a resistência de cordas de guitarra ao suor das mãos. Guitarrista amador, ele percebia que as cordas perdiam a afinação depois de cerca de 10 horas de uso e que isso tinha a ver, em parte, com os resíduos de suor que se acumulavam nelas. Resolveu propor um projeto paralelo para desenvolver um produto para isso, aproveitando um programa interno que permitia que funcionários dedicassem 10% do seu tempo a novas ideias, desde que ligadas aos objetivos da companhia. Até aí, ok, várias empresas têm esse tipo de oferta que, se mal aplicada, resulta em sobrecarga e não satisfação.

O entrevistado conta que o que fez isso funcionar e o produto que protege as cordas realmente chegar ao mercado foi a forma como a Gore se organiza: pequenos times autogerenciados, o que tira do caminho muitas das camadas de aprovação que matam essas novas ideias antes mesmo que elas comecem a tomar forma. Aqui, parecemos falar mais de inovação do que flexibilidade, mas a conexão é profunda: nesses projetos “10%”, as pessoas definem qual será a entrega e com quem ela será construída e há um entendimento comum sobre até onde ir e insistir em um determinado caminho sem precisar sair do próprio time de trabalho para pedir a “benção”.

Em um segundo momento da conversa, Grant fala com Leslie Pearlow, que pesquisa o tema de tempo no trabalho na Harvard Business School. Ela fala sobre a importância de poder controlar o próprio tempo e de como algum grau de previsibilidade é central para que as pessoas se sintam bem no trabalho. Isso significa saber quando precisarão estar em colaboração, quando poderão trabalhar de forma individual, sem interrupções, e quando poderão curtir tempo livre de verdade.

Por mais estranho que pareça falar de previsibilidade em uma conversa sobre flexibilidade, ela pode ser a chave para que as pessoas tenham um pouco mais de agência – não à toa, uma das principais questões relacionadas à exaustão no trabalho tem a ver com a tal cultura “always on”, em que as pessoas sentem que podem ser chamadas a qualquer momento e que precisam estar disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana.

## Saúde física e mental X flexibilidade no trabalho
Vários estudos, incluindo um citado no ótimo [*Morrendo por um salário*](https://www.amazon.com.br/Morrendo-por-Sal%C3%A1rio-Gerenciamento-Trabalhadores/dp/8550807605), de Jeffrey Pfeffer, citam o impacto em saúde física e mental da falta de previsibilidade nos profissionais que trabalham em turnos, em locais como lanchonetes e lojas, e que raramente têm qualquer controle sobre quando serão escalados para trabalhar, o que dificulta qualquer tipo de planejamento de atividades fora do emprego.

Horário e local de trabalho, dois dos pilares mais básicos em flexibilidade no trabalho, ainda parecem difíceis para grande parte das organizações, mesmo aquelas cuja força de trabalho não exerce funções obrigatoriamente presenciais em sua natureza. Essa dificuldade já sinaliza o tamanho do desafio que se apresenta ao mundo do trabalho, sempre lembrando que são pontos obviamente relacionados a uma parcela ainda minoritária de pessoas que podem fazer escolhas de emprego.

Ainda assim, vale trazer para a conversa de flexibilidade os temas de autonomia, como exposto no caso da Gore, e de previsibilidade. Junto deles precisam vir temas mais abrangentes: culturas que abracem tais temas, modelos de contratação em que flexibilidade não seja sinônimo de precariedade e a consciência de que as pessoas precisam encaixar muitas coisas em suas rotinas além do trabalho.

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