Sustentabilidade
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A Força de Combate dos Funcionários

Para conseguir executar, as empresas precisam se organizar em torno de equipes multifuncionais por projeto, o que exige um novo perfil profissional, uma nova cultura e novos processos de RH

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O processo de mobilização das pessoas para executar estratégias é mais importante do que nunca em um cenário de mudanças rápidas e onde tudo é efêmero; e ele está se tornando menos efetivo, o que explica muito do fato de que só 40% a 50% das empresas obtêm sucesso na implementação de estratégias nos dias atuais.” Quem diz isso é o consultor Vicente Gomes, sócio da consultoria de recursos humanos Corall e pesquisador de evolução organizacional e humana. 

Como ele explica, o modelo de estratégia que prevalecia deixou de funcionar bem. Nele, um pequeno grupo de pessoas coletava as informações sobre aspectos externos e internos do negócio (ameaças, oportunidades, fraquezas e forças), construía a estratégia e depois fazia com que os demais a executassem. E, quando os mercados eram mais tranquilos, isso de fato funcionava. 

Hoje, não. Agora, a execução de estratégias depende de criar um ambiente em que as pessoas que executarão também participam das decisões tomadas na elaboração da estratégia, segundo Gomes, porque viabiliza ciclos mais curtos e frequentes de execução e maior engajamento. 

Além disso, as empresas precisam, cada vez mais, de profissionais com mentalidade empreendedora, que saibam aproveitar a tecnologia e impulsionar a inovação. 

Como criar esse ambiente e atrair essas pessoas? A resposta talvez esteja no fato de que uma nova estrutura organizacional aparece entre as prioridades dos gestores: as equipes por projeto. No estudo anual Tendências Globais de Capital Humano 2016: A Nova Organização, da Deloitte, esse novo formato ocupou, pela primeira vez, a liderança entre os pontos mais relevantes da gestão, apontado por 94% dos executivos no Brasil (e por 92% no mundo). 

“Passa a haver um novo significado do que seja uma equipe de trabalho, que agora é reunida conforme as competências necessárias para a empresa fazer certa entrega de projeto ou cumprir determinada missão”, analisa Ana Mocny, sócia-líder da área de capital humano da Deloitte no Brasil. 

Essa transformação exige profunda mudança na área de gestão de pessoas das organizações, que precisa conseguir identificar as competências e características das pessoas para que possa compor, com rapidez e segurança, as equipes mais adequadas a uma entrega específica, oferecer treinamento e estabelecer outros processos internos que favoreçam a montagem desses times multifuncionais e flexíveis, além de uma cultura colaborativa. “As empresas têm de se tornar mais orientadas aos clientes, atendendo às expectativas dos stakeholders, e essa é a maneira de conseguirem fazer isso. Mas a mudança demanda um olhar urgente dos gestores de pessoas”, avisa Mocny. 

A boa notícia é que a pesquisa da Deloitte indicou que muitas empresas, mesmo no Brasil, já começaram a revisar suas estruturas organizacionais. Quase metade está promovendo uma reorganização interna para tentar atender aos projetos da nova forma. “A dificuldade é que elas estão fazendo isso de maneira empírica. Como não dá tempo de parar tudo para fazer a mudança, estão trocando o motor do avião enquanto ele está voando”, compara Mocny 

E o desafio é imenso, pois, como o levantamento da Deloitte mostrou, apenas 21% dos departamentos de recursos humanos (RH) se dizem efetivamente preparados para construir equipes multifuncionais. 

**O Cenário “vuca” Pede a Mudança**

Os hierárquicos militares norte- -americanos começaram a empoderar as pessoas de menor nível hierárquico nas guerras contra o terrorismo por causa do cenário descrito pelo acrônimo Vuca: 

**Volatilidade –** Com tantas e sucessivas crises, o ambiente fica volátil, com mudanças efêmeras e rápidas. 

**Uncertainty (incerteza) –** Há muitas informações e perspectivas (até contraditórias); tudo fica mais incerto, principalmente em relação ao futuro. 

**Complexidade –** Diversas variáveis influenciam qualquer decisão, como fatores políticos, econômicos, legais etc., e há interdependência entre todas elas. 

**Ambiguidade –** É maior o enfoque ético e moral de cada decisão, o que frequentemente leva a situações ambíguas, com algo sendo bom e mau ao mesmo tempo. 

Se as Forças Armadas dos EUA se convenceram de que esse cenário exige pessoas mais empoderadas, talvez as empresas possam fazer o mesmo. 

**DESAFIOS**

Os talentos empoderados são a resposta para a execução que atende o cliente, mas, para conseguir isso, não basta a empresa manter uma boa gestão de pessoas. Há cinco desafios particularmente claros, segundo os especialistas: 

**Adequação dos perfis.** O jeito de trabalhar passará a ser, cada vez mais, como o da produção de Hollywood, onde a equipe é reunida por projeto de filme. E é fundamental que uma empresa consiga identificar pessoas capazes de pensar e atuar assim – e transformar aquelas que não têm esse perfil, com treinamento e comunicação. 

**Treinamento em pressão.** Para Mocny, um dos maiores desafios é a maior pressão pela entrega de resultados. Os membros das equipes estão prontos para lidar com isso? Provavelmente não, mas precisarão estar.

**RH mais digital.** A tecnologia digital é um habilitador desse novo jeito de trabalhar, pois permite maior alinhamento entre as equipes com base nas informações disponíveis. O fato, porém, é que o RH ainda está atrasado no uso das ferramentas digitais de recrutamento e seleção, avaliação de desempenho e engajamento, entre outras funções. 

**Liderança futura.** Da força de trabalho atual, metade já está representada pela geração Y, que, como se sabe, tem um modo de pensar e de ser bastante diferente do da geração anterior. “É um desafio particular formar esses novos líderes e dar condições de eles se desenvolverem na organização”, afirma a sócia da Deloitte. E é uma liderança mais difícil, tanto pelo fato de as equipes serem flexíveis como pelo ambiente multigeracional que se vê nas empresas de agora. 

Para entender o grau de dificuldade envolvido, basta pensar que o ambiente deve propiciar trocas entre os profissionais mais seniores e os mais jovens, como se fosse um espaço de aprendizado para ambas as gerações, ou não conseguirá ser colaborativo como precisa. “Os seniores têm muito a ensinar por sua experiência e também muito a aprender com os millennials em relação a propósito, energia, conquista, transparência, demanda por reconhecimento”, observa Mocny.

**Cultura certa.** Direcionadora dos comportamentos para o alcance das estratégias, a cultura tem de ser urgentemente revisitada pelas organizações. Não se trata apenas de uma cultura que estimula a colaboração, premia a flexibilidade e a iniciativa empreendedora e lida bem com a diversidade.

Por conta das pressões de entrega, a ética é uma questão ainda mais fundamental, definindo quais comportamentos são aceitáveis para atingir os resultados e quais não são.

**CASOS INSPIRADORES**

A subsidiária da sueca Tetra Pak foi uma das empresas do Brasil que entenderam quanto a execução depende de colaboradores satisfeitos, tanto que, em 2011, incluiu a inovação constante em gestão de pessoas em seu plano estratégico para 2020. “Sob o lema ‘Protege o que é bom’, a Tetra Pak cuida de todos os fornecedores da empresa, entre os quais se destacam seus funcionários”, informa seu presidente, Marcelo Queiroz. 

Entre as iniciativas protetoras está um plano de carreira com base na avaliação semestral do desempenho dos colaboradores, em um processo que envolve os gestores e o RH. Há, ainda, ações de gestão de lideranças, que protegem toda a equipe. “A companhia explicita as competências que valoriza em seus líderes, como gestão de mudança, colaboração, desenvolvimento de outros, autodesenvolvimento e engajamento”, diz Queiroz. O objetivo é tornar o ambiente de trabalho dinâmico e aberto a novas ideias e, ao mesmo tempo, agradável e seguro. 

A Tetra Pak também entendeu que o treinamento constante é fundamental. Em 2015, investiu aproximadamente R$ 2,7 milhões em treinamento para profissionais de todos os níveis no Brasil – R$ 503 mil especificamente para a liderança. De olho na nova geração, por exemplo, a empresa criou a Tetra Pak Academy, que atua em quatro segmentos para promover a transferência de conhecimento na empresa: estagiários, trainees, aceleração de talentos e desenvolvimento. (Inclui as unidades das Américas Central e do Sul.) 

No caso da Vagas.com, o entendimento da relevância das pessoas levou à criação de uma estrutura mais horizontal, do tipo startup, e ao convite a 100% dos colaboradores para participar da primeira etapa da definição da estratégia – a da discussão. Na segunda etapa – a da articulação –, 30% deles se envolvem. 

Para Gomes, o modelo da Vagas.com não só garante o engajamento na execução, como também faz com que as inquietações dos mais jovens sejam incorporadas à estratégia corporativa. 

Na Mercur, empresa brasileira fundada em 1924 e conhecida pelas borrachas, o empoderamento dos colaboradores aconteceu cerca de oito anos atrás, quando os níveis hierárquicos foram reduzidos e a alta gestão passou a envolver seu pessoal na definição das estratégias, a fim de ter mais responsabilidade socioambiental. 

Desde então, as decisões incluíram deixar de fornecer borracha para o setor armamentista e acabar com o merchandising da borracha escolar (que provocava bullying entre os alunos), passando pela compra de um equipamento caro só para não fazer mais testes em coelhos. 

A empresa norte-americana W. L. Gore, com 7 mil funcionários espalhados por 30 países, foi pioneira em colocar as decisões nas mãos das pessoas. “A companhia lhes deu autonomia e liberdade para decidir, respeitando a capacidade de julgamento de cada uma delas”, conta Gomes. 

**PONTO DE PARTIDA**

Quer começar a mudar seus talentos hoje para melhorar a execução? Mocny aponta cinco das melhores estratégias que as empresas adotam: (1) montar cada vez mais equipes por projeto, reunindo seniores e jovens; (2) diminuir e até eliminar níveis hierárquicos; (3) repensar as métricas de avaliação e a remuneração de acordo com equipes flexíveis e tendo a meritocracia como premissa; (4) adotar novas tecnologias para facilitar a colaboração; e (5) revisitar a cultura.

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