Eles se conheceram num evento. Olharam-se de longe, se admiraram. Começaram a conversar, e deu match. Um encontro de propósitos, de valores, de objetivos. Então, ela sentiu que era ali que seria feliz. E ele, acreditava ter encontrado “a executiva dos seus sonhos”. Uma parceira para dividir a sala de reunião. Depois de alguns meses de paquera, vieram os votos: plano de carreira, desenvolvimento, liberdade para inovar. Assumiram compromissos, com promessas mútuas. Deu tão certo que veio o noivado: promoção, aumento, novos projetos. O futuro parecia tão promissor!
Mas, como em muitas histórias de amor, algo mudou. Pequenas frustrações viraram silêncios. O diálogo foi substituído por reuniões improdutivas. Confiança e liberdade deram lugar ao microgerenciamento. E assim, um dia, sem grandes brigas ou DRs, um dos lados anunciou: “Precisamos terminar. O problema não é você. Sou eu! Me apaixonei por um novo desafio.”
Essa história pode parecer exagerada, mas é mais comum do que parece. Tenho observado tantos executivos cada vez mais infelizes com suas empresas. E empresas, cada vez mais confusas. Ciclos intensos, mas sem longevidade. E a cada novo anúncio de “feliz por esse novo capítulo”, tem sempre uma história não revelada de uma ruptura difícil.
Zygmunt Bauman já nos alertava sobre os laços líquidos da sociedade contemporânea. Vivemos a instabilidade, a fluidez e a impermanência de compromissos passageiros e relações descartáveis. Estamos assombrados por um medo constante de perder e, por isso, não nos entregamos de verdade.
O mundo corporativo também se tornou líquido: instável, acelerado, impulsivo.
E o LinkedIn, virou uma série de amores perfeitos: todo mundo aparece sorrindo em novos começos, comemorando conquistas, postando fotos de equipes alinhadas e engajadas e de resultados incríveis de estratégias bem-sucedidas. Criamos versões editadas de nós mesmos, e nelas nos perdemos. Porém, no fundo, as pessoas estão vivendo uma certa crise existencial, disfarçada de movimentação de carreira.
Essa inquietação tem números. Segundo o Gallup State of the Global Workplace 2024, apenas 21% dos funcionários estão engajados no trabalho, uma redução de dois pontos percentuais em relação ao ano anterior, equivalente à queda observada durante o pico da pandemia de COVID-19. O custo econômico desse desengajamento é impressionante: uma perda de produtividade que gera um impacto negativo de US$ 438 bilhões à economia global. Estima-se que se os níveis de engajamento global aumentassem dos atuais 21% para 70%, o resultado seria um aumento de produtividade de US$ 9,6 trilhões, o que equivale a 9% do PIB global. Outro dado preocupante é que 60% dos trabalhadores afirmam estar em “quiet quitting”; ou seja, entregando o mínimo necessário, sem entusiasmo ou conexão real com o que fazem. Este é o maior índice de infelicidade no trabalho dos últimos anos.
OK, mas o que estamos realmente buscando? O que é a tal da felicidade?
Isso me faz lembrar das minhas aulas de Ética na ECA-USP, ministradas pelo brilhante professor Clóvis de Barros Filho, que me apresentou um livro pequeno, porém profundo: “A felicidade, Desesperadamente” do filósofo André Comte-Sponville. Ele diferencia o desejo (algo insaciável), da felicidade (que pode ser saciada) e fala que se seguirmos o desejo como motor da vida, sempre vamos querer mais (e nunca estaremos satisfeitos). A felicidade, segundo o autor, não é uma meta a ser conquistada, mas um estado que nasce da reconexão com o essencial. Ela pode surgir quando aceitamos o que já temos, sem estar presos à falta. Essa reflexão me fez pensar em quantos executivos seguem de empresa em empresa tentando encontrar “o lugar certo”, quando o que falta para ser feliz é olhar para dentro. A reconexão com sua essência, com suas motivações mais profundas. Talvez o problema não seja (só) a empresa, nem o gestor, nem o mercado. Mas o quanto as pessoas sabem realmente o que já tem, e não o que ainda estão buscando. Afinal, para Comte-Sponville “Ser feliz é saber que se é feliz, agora. O resto é apenas esperança ou lembrança.”
Afinal: a felicidade no trabalho pode ser atingida?
Para começar a responder a essa pergunta, precisamos começar com alguns movimentos fundamentais, como o redesenho do ambiente de trabalho e a revisão dos padrões de pensamento dos próprios líderes. Afinal, se a liderança é responsável por moldar o clima emocional das equipes (segundo o Gallup, 70% do engajamento está diretamente ligado ao gestor), é dela o papel de criar as condições para que a mudança seja desejada, não algo imposto ou forçado.
É nesse ponto que os aprendizados de Tali Sharot, neurocientista cognitiva, e Cass Sunstein, especialista em comportamento e regulação, se tornam especialmente relevantes. Em seu livro, “Olhe de novo: O poder de perceber o que sempre esteve ao seu redor”, os autores defendem que em vez de tentar transformar pelo medo ou pela pressão, líderes devem inspirar pela esperança. Em vez de controlar, devem oferecer autonomia. Em vez de criticar, devem reforçar positivamente.
Mas isso exige também um movimento profundamente humano: só quando as pessoas tiverem coragem de olhar de novo para si mesmas e de revisar suas próprias crenças e hábitos, poderão abrir espaço para decisões mais conscientes e conexões mais verdadeiras.
E a grama do vizinho? Pode até parecer mais verde. Porém, lembre-se sempre que a felicidade não é algo que se conquista no futuro, mas algo que se vive no presente.