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A HEROÍNA TÍMIDA precisa virar o jogo

As mulheres continuam a recusar o chamado para assumir o protagonismo na gestão de negócios; é hora de as empresas facilitarem sua ascensão e de elas mudarem a atitude
Jornalista, Maria Tereza Gomes fundou e dirige a Jabuticaba Conteúdo, produtora especializada em conteúdo audiovisual de negócios. Foi diretora de redação da revista Você S/A e diretora do canal por assinatura IdealTV. Escreveu este artigo com exclusividade para HSM Management com base em seu novo livro, O Chamado.

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**Vale a leitura porque…**
… os avanços das mulheres nas carreiras corporativas estagnaram, apesar de as executivas viverem sua aventura de negócios com os mesmos elementos dos pares masculinos. Elas aceitam desafios, vencem seus dragões diários, passam por crises e apoteoses.
… há duas explicações para o fenômeno: o ambiente corporativo padrão ainda não é moldado para as mulheres (por não ser colaborativo) e a maioria delas recusa o chamado para escalar a montanha da carreira.
… entendendo as verdadeiras razões do gap, fica mais fácil encontrar soluções. 

Muito tem sido escrito nos últimos anos sobre os modestos avanços das mulheres nos cargos de liderança das empresas. A situação é a mesma no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa: elas representam cerca de metade da força de trabalho, mas são apenas de 3% a 5% dos CEOs (dependendo da pesquisa). Em um pronunciamento recente, ao apresentar o estudo _Mulheres, Trabalho e a Economia_, a presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, disse que “o progresso que visava criar condições iguais para mulheres estagnou”. Há 20 anos, quando a promoção de mulheres entrou na pauta das empresas, a dificuldade era supostamente a falta de candidatas qualificadas. Como apontou Carly Fiorina, ex-CEO da HP, esse não é mais um problema. As mulheres chegam hoje ao mercado de trabalho com currículos tão brilhantes quanto os dos homens. Então, qual é o problema? Por que as mulheres continuam patinando na ascensão ao topo das empresas? 

Refleti sobre esse assunto enquanto escrevia o livro _O Chamado: Você é o Herói do Próprio Destino_. O livro é uma releitura da pesquisa que realizei para o mestrado em administração de empresas que fiz na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). A dissertação foi defendida em outubro de 2012 com o título _Carreira de Presidentes de Empresas: a Jornada do Herói Corporativo_. Um fato chamou a atenção de quem teve acesso ao texto acadêmico: as mulheres estavam ausentes da pesquisa. Elas não apareciam naquele estudo inédito, que encontrava grandes similaridades entre a trajetória dos presidentes e o conceito conhecido como “jornada do herói”, apresentado pelo norte- -americano Joseph Campbell no livro _O Herói de Mil Faces._

Campbell é considerado um dos autores mais influentes do século 20 por ter detectado que todos os heróis conhecidos da humanidade, sejam eles da religião ou da mitologia, das fábulas infantis ou do folclore indígena, têm a mesma história, viveram uma vida surpreendentemente semelhante. Todos passaram por determinados estágios similares ao longo de aventuras narradas em épocas, regiões geográficas e povos diferentes: sempre uma partida, um desenrolar da aventura e um retorno. Há ainda elementos comuns como o mentor, os inimigos, os aliados e os amuletos que ajudam o herói em sua jornada. A essa descoberta, Campbell deu o nome de monomito, ou mito único. Isso tem tudo a ver com o inconsciente coletivo, com os arquétipos e com as coisas nas quais acreditamos desde que o mundo é mundo. 

O fato é que a jornada do herói descrita por Campbell aparece também nas trajetórias dos CEOs. Afinal, eles são os heróis corporativos. A ausência das mulheres na dissertação era fácil de explicar do ponto de vista científico. A pesquisa tinha origem em entrevistas com 72 executivos (todos profissionais de carreira, não donos de empresas) que eu havia realizado para o programa de TV _Trajetória Ideal_, da extinta IdealTV. Daquele número, apenas cinco eram mulheres – e, como optei por estudar no mestrado a carreira dos mais velhos da amostra, elas, mais jovens, ficaram de fora da dissertação. 

Decidi que isso não se repetiria no livro. Realizei com as cinco entrevistadas o mesmo escrutínio científico feito para a dissertação, e o resultado está no capítulo “A heroína tímida”. Esse título reflete a conclusão de que também as CEOs vivem sua aventura corporativa com os mesmos elementos dos pares masculinos, as mesmas características descritas por Campbell. Elas aceitam desafios, vencem seus dragões diários, passam por crises e apoteoses. A questão, portanto, não está naquelas que chegaram ao topo, mas naquelas que recusam o chamado para a aventura quando ainda estão no meio do caminho. Se a jornada do herói começa, segundo Campbell, quando ele/ela aceita o chamado para a aventura, pesquisas recentes mostram que muitas estão recusando o chamado para serem protagonistas nas empresas. O que falta para elas virarem CEOs é se apresentarem para a tarefa. As mulheres estão simplesmente recusando o chamado para subir os degraus corporativos. 

A pesquisa de 2015 _Women in the Workplace_, produzida em uma parceria da consultoria McKinsey com a ONG LeanIn.Org, apresenta uma série de fatores que levariam à ausência de mulheres no C-level. E o primeiro deles é: as mulheres são menos ansiosas para se tornar executivas top. Elas tendem, mais que os homens, a citar “estresse/pressão” como problemas, e isso, de acordo com o estudo, não está relacionado só com a preocupação em balancear trabalho e família. “Evidências revelam outra explicação: o caminho para a liderança é desproporcionalmente estressante para as mulheres”, afirmam os pesquisadores. 

Outra pesquisa, essa da PwC Strategy& (ex-Booz & Company), aponta que os cargos de linha de frente, como vendas e manufatura, por fazerem contribuições diretas ao resultado da companhia, tendem a gerar mais CEOs que as posições de _staff_, como recursos humanos e relações públicas. As mulheres tendem a ocupar os cargos de _staff_ e, para agravar, têm dificuldade de se movimentar em direção ao outro lado. Uma exceção que comprova a regra é Mary Teresa Barra, CEO global da General Motors. Ela saiu de recursos humanos e foi para desenvolvimento de produtos com o objetivo de desenvolver competências que a habilitaram para ser CEO. “Às vezes, é difícil para a mulher dizer: ‘Eu vou mudar porque quero me tornar CEO’. Muitas não fazem essa mudança fundamental”, diz Carly Fiorina, citada pela revista _Fast Company_. 

Também percebi a dificuldade das mulheres de se colocarem sob os holofotes quando, em 2001, como diretora de uma revista voltada para carreiras, criei o prêmio CEOs do Futuro, em parceria com a FEA-USP e a consultoria Korn Ferry, com o objetivo de selecionar potenciais presidentes de empresa. Naquele ano, cerca mil executivos de nível médio se candidataram a uma das 20 “vagas” do projeto – os selecionados tinham seu perfil estampado na revista, entravam no radar dos _headhunters_ da Korn Ferry e faziam um curso exclusivo na FEA-USP. Devido ao baixo número de candidatas, somente duas mulheres chegaram à etapa das entrevistas com _headhunters_, professores e jornalistas – e apenas uma entrou na lista final. Seu nome é Elizabeth Peart, que, anos depois, confirmou nossa avaliação e se tornou CEO de várias empresas. Em 2007, quando era presidente da Hershey’s, ela foi uma das minhas cinco entrevistadas no programa de TV e, por conta disso, também aparece no livro. Assim como a CEO da GM, Beth não teve medo de mudar: depois de 18 anos na indústria automobilística, assumiu desafios em telecomunicações, serviços, alimentos e distribuição de produtos médicos. “Meu aprendizado é o seguinte: sempre faça mais do que é esperado de você, seja proativo, seja muito proativo”, disse-me ela em uma conversa recente. 

**INCONSCIENTE COLETIVO**

Seria possível encontrar no inconsciente coletivo de nossa sociedade uma explicação para esse comportamento feminino? Em publicações diferentes, posteriores a _O Herói de Mil Faces_, Joseph Campbell aborda o tema da mulher. Ele lembra, por exemplo, que nas sociedades matriarcais (extintas por volta de 1750 a.C.) a deusa era a figura mítica dominante no mundo agrário da antiga Mesopotâmia (atual Iraque), berço da humanidade. Era tida como a Grande Deusa, a Mãe-Terra, porque, como a mulher dá à luz, a terra dá origem às plantas e, como a mulher, as plantas também alimentam. A deusa era poderosa na cultura helenística do Mediterrâneo e retornou na figura da Virgem, na tradição católica romana. Celebrada nos séculos 12 e 13, batizou de Notre-Dame algumas das mais lindas catedrais francesas, como as de Paris e Chartres. Embora na Índia a simbologia da deusa persista até hoje, vão-se 4 mil anos desde que a mulher deixou de exercer a liderança de suas comunidades. 

Campbell traz outro elemento interessante para essa conversa: a busca do pai como tema frequente na mitologia. Na _Odisseia_, por exemplo, Telêmaco, filho de Ulisses, ainda é bebê quando o pai parte para a Guerra de Troia. Quando cresce, sai à procura de Ulisses, que não voltou. Ninguém busca a mãe. “A mãe está lá mesmo. Você nasceu dela, ela o amamenta e acompanha seu crescimento […] encontrar o pai tem a ver com o encontro do seu próprio caráter e do seu próprio destino. Acredita-se que o caráter seja herdado do pai, e o corpo, e muitas vezes a mente, da mãe. […] o seu caráter é o seu destino. Portanto, a procura 

do pai simboliza a descoberta do seu destino”, diz Campbell no livro _O Poder do Mito_. Aqui vale um comentário para os aficionados por _Guerra nas Estrelas:_ Luke Skywalker é um herói em busca do pai. 

Enquanto isso, Penélope, mãe de Telêmaco, espera pelo marido. Sem saber se ele está vivo ou morto, é pressionada pelo pai a casar-se novamente. Quando já não tem mais argumentos para recusar os apelos paternos, ela estabelece que se casará quando terminar de tecer um sudário para o sogro, Laerte. O trabalho nunca é concluído, pois ela desmancha à noite o que teceu de dia. A saga só termina quando Ulisses volta para casa e, assim, Penélope confirma que a mulher é aquela que fica em casa, à espera do marido que foi em busca do destino dele.

**Jornalista estudou a “atitude de herói” entre os executivos**

O que o executivo que se torna presidente de uma empresa faz de diferente para chegar ao topo? Amparada por ampla pesquisa, a jornalista Maria Tereza Gomes lançou o livro _O Chamado: Você é o Herói do Próprio Destino_, para tentar responder a essa questão. Nele, Gomes aborda o que chama de “atitude de herói” – um conjunto de comportamentos comuns entre pessoas que se destacam das demais nas empresas.

Para a autora, a atitude que mais se evidencia é a de aceitar o chamado para a aventura, como faziam os heróis da mitologia e das religiões.

O livro nasceu da pesquisa que Gomes realizou para a dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). A obra, baseada em entrevistas com presidentes de empresas sobre a trajetória deles, detectou similaridades com o conceito da jornada do herói, teoria do norte-americano Joseph Campbell. “Mesmo sem perceber, os CEOs contam sua história como se fosse uma grande aventura”, afirma Gomes.

Foram entrevistados 72 executivos em diversas fases da carreira, e, entre eles, somente cinco eram mulheres.

Na visão de Gomes, “em qualquer fase da vida e da carreira, não só para quem está prestes a virar CEO, é preciso entender quais são os chamados e aceitá-los. É preciso cuidar de seus medos, parar para repor as energias, aprender com cada derrota e se preparar para o retorno à vida comum”.

**O QUE CABE A ELAS**

No mundo do trabalho contemporâneo, há, sim, mulheres perseguindo o que Penélope nem cogitou: o direito de partir para a própria aventura. “Não quero ser vista como mulher ou ter uma oportunidade porque sou mulher. Quero disputar de igual para igual e ganhar só o que tenho direito de ganhar”, diz Regina Nunes, presidente no Brasil da Standard & Poor’s, a poderosa agência de classificação de risco. Com uma carreira consolidada no mercado financeiro, ela começou a trabalhar aos 13 anos digitando trabalhos para terceiros – os clientes vinham atraídos por anúncios que ela publicava sobre o serviço. Regina, assim como Beth, foi uma de minhas cinco entrevistadas. As demais foram Adriana Cury, então na agência de publicidade McCann-Ericson, Carmem Campos Pereira, então no Grupo Rede, e Sandra Ralston, então na incorporadora BN. Todas continuam aceitando chamados para novas aventuras. 

O fato, porém, é que as Reginas, Beths, Adrianas, Carmens e Sandras ainda se apresentam em pequeno número para a aventura. Não quero aqui retirar a responsabilidade das empresas pela estagnação do progresso para criar condições iguais para mulheres, como disse Christine Lagarde. 

A insistência em manter a estrutura hierarquizada herdada dos exércitos, por exemplo, é desfavorável às mulheres, pois elas preferem ambientes colaborativos. É o que mostra pesquisa de Peter J. Kuhn e Marie- -Claire Villeval realizada para o National Bureau of Economic Research, dos Estados Unidos. 

Segundo os pesquisadores, isso tem a ver com a competência relativa, o grau em que nos comparamos com os colegas de trabalho. Os homens tendem a superestimar suas habilidades e a minimizar as dos pares; as mulheres disfarçam suas habilidades e supervalorizam as dos colegas. 

Em que pese isso, as heroínas ainda ficam no meio da escalada rumo ao _corner office_ do CEO. Campbell lembra que o ato de subir a montanha é um tema- -padrão na mitologia e nas religiões para designar a busca e ascensão espiritual. Moisés sobe ao topo da montanha, onde Deus lhe entrega as tábuas da lei; Jesus é crucificado em uma colina. A ascensão na carreira corporativa é bem parecida com a escalada da montanha. É preciso aceitar o chamado, realizar a caminhada, para, então, chegar ao topo. Se as mulheres não aceitam o chamado ou desistem no meio do caminho, não vão concluir a jornada. 

Para mudar isso, as empresas têm de fazer sua parte. O desafio das mulheres, porém, é superar os 4 mil anos de sociedade patriarcal. Que se perguntem, como fez Bill Moyers, jornalista que entrevistou Campbell: “O que teria significado para nós se, em algum ponto do percurso, tivéssemos começado a rezar ‘Mãe Nossa’ em vez de ‘Pai Nosso’?”.

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