Tecnologia e inovação

A “hora H” do SXSW: hackear ou habilitar o ser humano?

Painéis do festival mostram o poder revolucionário do hackeamento genético e mental do ser humano, além da necessidade de habilitarmos nossa espécie para a tomada de decisões mais coletivas e qualificadas
Consultora e mentora em Inovação, Growth e Culture Hacking. Fundadora da Ambidestra. Especialista em Transformação Digital, Estratégia de Negócios e Marketing. Fundadora da Zero Gravity Thinking.

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Apesar de ser um tema recorrente nas edições do festival SXSW, a tecnologia é apenas um aspecto tangível dos diversos movimentos humanos e culturais que estão emergindo no século 21. No entanto, a mesma tecnologia que é discutida nos painéis do evento também insere os seres humanos num universo cada vez mais desconhecido, e até mesmo perigoso e catastrófico.

Abordando o que vi e ouvi durante o festival – que ocorreu de modo online em março deste ano –, cada um tem uma forma de absorver os conteúdos aos quais é exposto. E eu me classifico como “uma aprendiz através dos hyperlinks”, pois, a cada sessão, surgiam inúmeros hyperlinks para aprofundar minhas pesquisas a respeito de algum tema, tecnologia ou solução demonstrada pelos speakers.

Entrei em conversas nos grupos de WhatsApp que se formaram e que enriqueceram a experiência online, através das interações estendidas nos chats, comunidades online, Clubhouse sessions e happy hours virtuais a cada dia. Hyperlinks de conexões entre os diferentes temas abordados ao longo dos cinco dias do evento. E, finalmente, hyperlinks com a minha vida profissional, pessoal e sobre o meu papel no mundo.

Hackeamento humano

Difícil resumir o que rolou na edição online de 2021 e nem é este meu objetivo. O que escrevo a seguir é apenas um recorte, uma perspectiva. Destaco, assim, dois temas que me chamaram a atenção, pelo fato de já terem aplicações reais. Portanto, podemos inferir que se seguirem a lógica da Lei de Moore, essas aplicações terão seus custos reduzidos e ganharão escala de adoção de maneira exponencial.

A mente

A revolução da inteligência e da neurociência a serviço dos novos super-humanos: de três grandes blocos das descobertas recentes sobre tecnologias emergentes apresentadas pela futurista Amy Webb, dou destaque à evolução da internet of things para “you of things”, onde nosso corpo se tornará uma network que interage com dados de outros devices e redes.

Esses devices podem ser os já conhecidos “wearables”, como relógios inteligentes e pulseiras ou que são implantados em nosso corpo – ou até mesmo devices inteligentes para casa, que interagem diretamente nosso corpo, como uma lixeira que escaneia o lixo e avalia seus hábitos alimentares.

Agora, imaginem um eletroestimulador cerebral que promete melhorar as funções cognitivas e a memória. Essa é justamente a proposta do Humm, que já está disponível para pré-venda nos Estados Unidos.

Qual o princípio por trás da invenção? A memória funciona em uma baixa frequência específica, a das ondas teta. Com a idade – na realidade, a partir dos 12 anos, mas principalmente a partir de 40 anos –, a força de nossas ondas teta diminui naturalmente e o cérebro perde a sincronia com elas, fazendo com que a memória comece a se deteriorar.

Não pensamos duas vezes para usar um estimulante, como o café ou bebida energética para melhorar nossos níveis de concentração e energia. Atualmente, existem estimulantes químicos que aumentam a concentração, mas o seu uso pode ter efeitos colaterais.

Como serão os novos ambientes de trabalho quando, através da estimulação cerebral elétrica, o desempenho das tarefas cognitivas poderá ser melhorado?

A genética

A revolução biotecnológica que pode ativar o gênio da lâmpada: na sessão “Gene Editing: The Biotech Revolution of our Times”, Walter Isaacson conversou com a jornalista Katie Couric. Durante a conversa, Isaacson abordou o tema do seu livro “The Code Breaker”. Na obra, o autor relata a história da vencedora do prêmio Nobel de química, Jennifer Doudna, uma das criadoras da técnica de edição genética CRISPR (acrônimo em inglês de “clustered regularly interspaced short palindromic repeats”).

De maneira simplificada, Jennifer Doudna descobriu que poderia usar a enzima Cas9, encontrada em fragmentos previamente infectados por bactérias, junto com um RNA “guia” para “recortar” a parte que é de interesse no DNA. Ou seja, a tecnologia tem potencial para editar o DNA.

O experimento já foi usado, por exemplo, para alterar o genoma de embriões humanos a fim de criar bebês imunes à AIDS. A tecnologia também foi aplicada para curar pacientes com anemia falciforme e recuperar a visão em ratos. Recentemente, o CRISPR está sendo utilizada na engenharia de plantas para fazer tomates melhores.

Os dilemas morais sobre os limites para aplicação da tecnologia permanecem em discussão. No entanto, faço meu hyperlink aqui sobre outros temas que debatemos dentro das organizações, como a privacidade de dados, o uso de inteligência artificial com vieses para tomadas de decisão, entre outros tantos relacionados ao poder e a responsabilidade que carregamos a partir do acesso às novas tecnologias.

Habilitar os humanos

De todo modo, o tema central volta a ser o comportamento, as capacidades e as habilidades humanas. No painel Designing for the Cluster, Bruce Mau, designer e educador canadense, trouxe a questão da importância de uma visão positiva do mundo e de empatia com a vida, como uma chave importante para o futuro da humanidade.

No contexto de “crises empilhadas” que vivemos, com a pandemia, as questões de justiça racial, insegurança alimentar e crises políticas, para ficarmos com alguns exemplos, Mau defende que nossa era é de pensar no bem-estar da raça humana de forma prática, carregando ainda um senso de urgência para assumirmos nossa responsabilidade, nosso protagonismo.

Durante sua fala no festival, Mau afirmou: “nós ainda estamos fazendo a maioria das coisas como se fôssemos donos da natureza e tivéssemos recursos ilimitados. Nós trabalhamos como se o desperdício não fosse um problema. Tratamos a natureza como se ela fosse uma despensa e um banheiro. Pensamos em curto prazo, festejamos como se não houvesse amanhã e deixamos a conta para as gerações futuras. As coisas precisam mudar. Agora”.

Como especialista e defensora das metodologias de design thinking, me senti provocada a pensar: será que ao praticar design centrado nas necessidades humanas, estamos deixando de olhar de forma mais sistêmica, para o design orientado para todas as outras formas de vida?

Bruce também disse que “temos que entender esses problemas no contexto, como um ecossistema, não como problemas individuais. Como pontos entrelaçados no maior desafio da história. E todos esses problemas têm um denominador comum: a empatia. A nossa habilidade de entender a experiência de outra vida”.

Transformações coletivas

Nessa leitura de informações, faço um hyperlink com a palestra da Amy Webb, onde ela apresentou dois cenários: o catastrófico e o transformador. Na segunda perspectiva, “as organizações tomarão decisões com base em modelos analíticos que mostrem cenários plausíveis de futuro. Antes de lançar um produto ou um serviço no mercado, será analisado o impacto dele na sociedade a longo prazo em termos sistêmicos”.

Mais um hyperlink aqui: como são as nossas tomadas de decisões para os negócios? Avaliamos as consequências das nossas escolhas e ações para a vida? Pensamos, olhamos e criamos sistemas, ao invés de coisas, conforme Jessica Chen apresentou, no mesmo painel, o conceito “coletivista” Oriental? Até que ponto o atendimento das necessidades dos indivíduos está em desequilíbrio os grandes sistemas coletivos?

FAÇAM AS MELHORES ESCOLHAS

Precisamos preparar cada indivíduo de nossas organizações para tomarem decisões melhores. Além disso, temos que desenvolver nossas capacidades de nos relacionarmos com empatia, de sermos visionários e inovadores. No mais, precisamos ainda desenvolver nosso sensemaking para entendermos, criarmos um sentido, darmos significado e transformarmos toda a complexidade dos diversos assuntos emergentes no mundo, em uma situação que pode ser entendida de maneira mais simples.

Finalizo meus pensamentos com um último conselho da Amy Webb: “Não tente prever o futuro. Não vale a pena. Prepare sua organização para fazer as melhores escolhas”.

*Gostou do texto? Confira a primeira parte de uma série de três artigos escritos por Lilian Cruz sobre o SXSW 2021. No mais, acompanhe as principais tendências tecnológicas assinando gratuitamente nossas newsletters e escutando nossos podcasts em sua plataforma de streaming favorita.*

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Consultora e mentora em Inovação, Growth e Culture Hacking. Fundadora da Ambidestra. Especialista em Transformação Digital, Estratégia de Negócios e Marketing. Fundadora da Zero Gravity Thinking.

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