Empreendedorismo
5 min de leitura

A importância da cultura de alta performance nas indústrias farmacêuticas

Alinhando estratégia, cultura organizacional e gestão da demanda, a indústria farmacêutica pode superar desafios macroeconômicos e garantir crescimento sustentável.
Sócio-fundador da Borgatti Consulting e especialista em metodologia Lean, ciência de operações e gestão de alta performance no mercado industrial.

Compartilhar:

Indústria Farmácia

Em um cenário macroeconômico desafiador, marcado por altas taxas de juros, dólar valorizado, dependência de matérias-primas importadas e incertezas tributárias, as indústrias farmacêuticas brasileiras enfrentam uma pressão crescente para operar de forma lucrativa. A pressão por manter a produção em ritmo acelerado e o desejo de aumentar os lucros podem ser conflitantes em um cenário com queda de demanda.

Modelos de negócios tradicionais, amplamente utilizados não só neste setor, geralmente carecem de uma abordagem sistêmica. Cada área da empresa opera com seus próprios planejamentos e indicadores, muitas vezes contrastantes. Isso resulta em metas atingidas de forma isolada, que nem sempre geram a lucratividade efetiva e sustentável do negócio.

Alinhar a estratégia de operações à estratégia de negócios, com novas abordagens de contabilidade financeira e de gestão das operações com foco na demanda, é fundamental para superar esses desafios. Essa transformação passa, inevitavelmente, pela mudança da cultura organizacional. Apresento a seguir os principais desafios enfrentados pelas indústrias farmacêuticas e como a cultura organizacional pode impulsionar a transição para um modelo de gestão de alta performance.

Desafios Estruturais e Soluções Culturais

1. Giro de estoque e capital de giro

A gestão do giro de estoque e do capital de giro continua sendo um grande obstáculo no setor farmacêutico e um dos principais problemas é o desalinhamento entre produção, venda e demanda. A busca por altos volumes de produção para reduzir o custo unitário muitas vezes ignora as reais necessidades do mercado, resultando em altos níveis de estoques desbalanceados que imobilizam recursos financeiros essenciais. Produtos parados representam dinheiro parado, comprometendo a saúde financeira da empresa.

Essa assincronia também leva a um volume excessivo de determinados produtos e, ao mesmo tempo, à falta de outros. Isso se deve ao uso inadequado da capacidade para reduzir custo unitário, ao invés de utilizá-la para o atendimento da demanda efetiva do mix. Como consequência, ocorre o perigo de rupturas de estoque nas farmácias, prejudicando a experiência do cliente e a reputação da marca.

2. Pressão sobre a cadeia para empurrar produtos em estoque

A produção orientada para grandes volumes gera outro problema significativo: a pressão sobre os distribuidores para adquirir altos estoques. Os distribuidores, mesmo beneficiados com prazos de pagamento cada vez maiores nas negociações para compras acima da demanda, acabam, no longo prazo, comprometendo seu próprio capital de giro, gerando riscos de prejuízos ou até mesmo falência.

Essa dinâmica também afeta as equipes de vendas, que trabalham sob pressão para atingir metas, empurrando produtos sem considerar a demanda real. Esse ciclo cria ineficiências e coloca em risco toda a cadeia de distribuição.

3. Nível de serviço como indicador estratégico

O nível de serviço é um indicador essencial para o desempenho das fábricas e deveria substituir o foco predominante no “custo unitário”. Empresas lucram não pela redução de “custos contábeis”, mas pela otimização do atendimento ao cliente com estoques ajustados à demanda real. Para isso, é imprescindível que a área de vendas esteja alinhada às necessidades dos clientes finais para a construção, junto à área de operações, de políticas de atendimento com níveis de estoques balanceados e ajustadas à capacidade de resposta do sistema operacional.

A integração entre as áreas de marketing, vendas, produção, compras, logística e finanças é um desafio constante. Respostas eficazes ao aumento de demanda, tanto por oportunidades de mercado ou pela criação de campanhas promocionais, só são possíveis quando há sintonia entre essas áreas. Por exemplo, uma campanha para um novo medicamento necessita de um planejamento adequado de todas as áreas, desde o marketing até a área de planejamento de insumos necessários para a produção.

4. Modelos de gestão com integração de processos e o papel do S&OP

O Planejamento de Vendas e Operações (S&OP) é fundamental para integrar as áreas administrativa, comercial e operacional, pois facilita a criação de estratégias compartilhadas e a otimização de recursos ao conectar vendas, finanças, marketing, produção, compras e gestão de estoques. Essa comunicação integrada é essencial para evitar desperdícios e maximizar a eficiência.

Vale ressaltar que o envolvimento da alta direção é indispensável em todo esse processo. Presidentes, diretores e gestores devem estar diretamente envolvidos com as operações, visitando clientes e fábricas para compreender os desafios do dia a dia. Essa proximidade fortalece a comunicação entre as áreas e aprimora a tomada de decisões.

Um exemplo de transformação cultural na programação da produção e na condução das reuniões de S&OP ocorreu na EMS, segundo Cândido Ouro Preto, vice-presidente de Operações. De acordo com ele, a adoção de um modelo de produção baseado na reposição de estoques (sistema puxado), sem um plano mestre, e a orientação do S&OP para atender à demanda final com uma visão de médio prazo, integrando a gestão da capacidade à visão financeira, representaram uma mudança significativa. Essa transformação colocou a necessidade do cliente no centro das decisões de planejamento e programação.

Cultura organizacional e liderança transformadora

O estabelecimento de indicadores eficazes e alinhados a modelos de gestão com foco na demanda é um dos pilares da transformação para uma cultura organizacional voltada para Alta Performance. A tradição de modelos de gestão engessados, concentrados em custos contábeis e formação de estoques desnecessários, frequentemente impede a transição para um modelo de gestão de alta performance, como a metodologia Lean Demand Driven.

Em conversa com Carlos Alex, vice-presidente de Operações da Farmoquímica, ficou evidente que, apesar do crescimento acelerado nos últimos anos impulsionado por uma estratégia de expansão do modelo de negócio, os princípios Lean permaneceram como a base da cultura de operação de alta performance. Esses fundamentos continuam guiando a organização nos novos processos necessários para a evolução da empresa.

Portanto, é essencial cultivar uma cultura que valorize lideranças com humildade para reconhecer problemas e curiosidade intelectual para incorporar novos saberes e construir novas soluções, permitindo a adoção de novas formas de pensar e agir. A evolução para um modelo de gestão integrado depende do desenvolvimento de uma cultura organizacional que fomente reflexão, colaboração e liderança, com foco na demanda e no futuro.

Alinhando produção e demanda real a uma visão sistêmica do negócio, as indústrias farmacêuticas brasileiras terão condições de superar os desafios econômicos e garantir um crescimento sustentável.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inovação e comunidades na presença digital

A creators economy deixou de ser tendência para se tornar estratégia: autenticidade, constância e inovação são os pilares que conectam marcas, líderes e comunidades em um mercado digital cada vez mais colaborativo.

Bem-estar & saúde, Liderança
5 de dezembro de 2025
Em um mundo exausto, emoção deixa de ser fragilidade e se torna vantagem competitiva: até 2027, lideranças que integram sensibilidade, análise e coragem serão as que sustentam confiança, inovação e resultados.

Lisia Prado - Consultora e sócia da House of Feelings

5 minutos min de leitura
Finanças
4 de dezembro de 2025

Antonio de Pádua Parente Filho - Diretor Jurídico, Compliance, Risco e Operações no Braza Bank S.A.

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
3 de dezembro de 2025
A creators economy deixou de ser tendência para se tornar estratégia: autenticidade, constância e inovação são os pilares que conectam marcas, líderes e comunidades em um mercado digital cada vez mais colaborativo.

Gabriel Andrade - Aluno da Anhembi Morumbi e integrante do LAB Jornalismo e Fernanda Iarossi - Professora da Universidade Anhembi Morumbi e Mestre em Comunicação Midiática pela Unesp

3 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2 de dezembro de 2025
Modelos generativos são eficazes apenas quando aplicados a demandas claramente estruturadas.

Diego Nogare - Executive Consultant in AI & ML

4 minutos min de leitura
Estratégia
1º de dezembro de 2025
Em ambientes complexos, planos lineares não bastam. O Estuarine Mapping propõe uma abordagem adaptativa para avaliar a viabilidade de mudanças, substituindo o “wishful thinking” por estratégias ancoradas em energia, tempo e contexto.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

10 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Liderança
29 de novembro de 2025
Por trás das negociações brilhantes e decisões estratégicas, Suits revela algo essencial: liderança é feita de pessoas - com virtudes, vulnerabilidades e escolhas que moldam não só organizações, mas relações de confiança.

Lilian Cruz - Fundadora da Zero Gravity Thinking

3 minutos min de leitura
Estratégia, Marketing & growth
28 de novembro de 2025
De um caos no trânsito na Filadélfia à consolidação como código cultural no Brasil, a Black Friday evoluiu de liquidação para estratégia, transformando descontos em inteligência de precificação e redefinindo a relação entre consumo, margem e reputação

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
27 de novembro de 2025
A pergunta “O que você vai ser quando crescer?” parece ingênua, mas carrega uma armadilha: a ilusão de que há um único futuro esperando por nós. Essa mesma armadilha ronda o setor automotivo. Afinal, que futuros essa indústria, uma das mais maduras do mundo, está disposta a imaginar para si?

Marcello Bressan, PhD, futurista, professor e pesquisador do NIX - Laboratório de Design de Narrativas, Imaginação e Experiências do CESAR

4 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Liderança
26 de novembro de 2025
Parar para refletir e agir são forças complementares, não conflitantes

Jose Augusto Moura - CEO da brsa

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
25 de novembro de 2025

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom Tecnologia

4 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança