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A inovação e a ética das virtudes

A inovação no Brasil quase sempre aparece associada aos desafios de P&D e a grandes investimentos de capital, mas não seria possível pensá-la olhando para os vínculos entre as pessoas?
Sócia-fundadora da Symballéin, especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.

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Se alguém lhe perguntasse, leitor, qual é o fator crítico que mais nos afasta de uma cultura de inovação, seja nas empresas, seja na sociedade brasileira de modo geral, o que você responderia? Muitos apontariam dificuldades em pesquisa e desenvolvimento. Ou falta de capital. Eu estou convencida de que a chave está na ausência de determinada “ética das virtudes”. Há inúmeras oportunidades de inovação se pararmos para compreender os valores, a cultura material, as formas de aquisição, fruição e descarte das mercadorias, e as lógicas culturais que definem demandas e desejos dos consumidores. 

Os estudos em antropologia do consumo ajudam a ver quão valiosos são esses saberes como bússolas para a inovação. Porém não creio que sejam necessários antropólogos, designers e outros especialistas para enxergar oportunidades por esse ângulo. 

O olhar antropológico é uma forma de se colocar no lugar do outro; é reconhecer o outro como diferente e compreendê-lo a seu próprio modo. É um exercício que ajuda a enxergar oportunidades simples e baratas de empreender. Qualquer um que conduza uma inovação pode exercitar o olhar antropológico; basta que haja, em sua organização, uma ética das virtudes que o oriente nessa direção. 

A primeira virtude necessária para reconhecer o potencial desse novo olhar é a humildade. Se humildes, podemos ser mais generosos e perceber, ante uma reclamação ou dificuldade de um cliente, uma necessidade de solução que o atenda melhor –e que possa, igualmente, atender melhor milhares de pessoas. 

Isso requer outras virtudes, como um pouco de paciência, temperança (autocontrole) e diligência. Com elas, podemos aprender muito cada vez que ouvimos, interpretando as informações e transformando-as em oportunidades de oferecer soluções. A dureza da vida nos afasta das virtudes. Por exemplo, em vez de paciência –e, consequentemente, do tempo para fazer algo bem-feito e com maior valor para o cliente–, buscamos celeridade. Em vez de diligência para aprender com o que ouvimos, usamos a lógica da inveja ao fazer benchmarkings –queremos o que o outro tem e os resultados que atingiu, mas não necessariamente desejamos aprender como chegou lá. 

Então sentimos irritação, ao nos vermos distantes de onde achamos que deveríamos estar. Sentimo-nos traídos pelos outros e pelo destino: se trabalhamos tanto, por que não estamos ainda melhores? E instala-se o círculo vicioso que nos dificulta a vida, o trabalho e a inovação: ficamos irritados, com mais pressa, mais duros e vorazes. Vejo as pessoas cada vez mais frustradas com o excesso de trabalho que não se traduz em riqueza. Sei que é antigo falar de virtudes; ninguém mais fala delas. 

Mas será que a sabedoria de nossos ancestrais não é exatamente o bálsamo de que estamos precisando? Acho curioso, quando penso nisso, que antes de escrever A Riqueza das Nações, o texto fundador da ciência econômica moderna, Adam Smith escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, onde as virtudes aparecem como a base para o funcionamento ideal dos mercados.

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